quinta-feira, 13 de março de 2025

Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem 10 – Adélia Prado

 


Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem

10 – Adélia Prado
Desde o início desta série, Adélia Prado não me saía da cabeça. Incluo ou não incluo?
Os critérios (muito pessoais, como já disse) de leitora, sabe-se, quando se trata de listas, são escolhas subjetivas. A dúvida nasceu de uma certa mágoa minha em relação à Adélia como ser político que se posiciona, um verdadeiro desastre quando, inclusive, fala do papel da mulher na sociedade.
Quero dizer que sou leitora de Adélia desde o primeiro momento, ou seja, desde toda aquela agitação na Repúblicas das Letras com que seu livro “Bagagem” foi lançado pela Editora Imago, no já distante ano de 1976. Todo a intelectualidade do Rio de Janeiro estava presente, como Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Affonso Romano de Sant´Anna (que intermediou contato com Drummond e desencadeou todo o burburinho). Sim, Adélia, aos 40 anos, com cinco filhos, nasceu “oficial” na literatura e, diga-se, com todo merecimento
Como não sentir arrepios diante dessa senhora, dona doida, que mistura Deus e o sagrado com quase tudo de maneira única e desconcertante? Mesmo empapada de Carlos Drummond de Andrade (é inúmero o referencial nesse livro), consegue emprestar à sua poesia, um frescor único, intransferível.
A forma como aborda o cotidiano faz com que o mais banal acontecimento seja revestido da pompa e circunstância, por vezes, verdadeira epifania.
Não foi a poesia nem a prosa que me afastou de Adélia, mas a postura diante do mundo sociopolítico e cultural expressa quase sempre em suas entrevistas. Este é um velho dilema que me aconteceu diante de Ferreira Gullar e outros não tão explícitos quanto ele e Adélia, ambos poetas imensos.
Foi pensando nisso que voltei à sua poesia e, mais uma vez, vejo que preciso separar as coisas, a mulher, a pensadora equivocada e sua magnífica poesia.
Como ficar indiferente a esta auto-apresentação?
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura).
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
E como aceitar afirmações como estas: “Eu acho que a essência da feminilidade é o que eu chamo de serviço, de segundo lugar. (...) Eu tenho uma crença profunda de que há um papel masculino e um papel feminino, mas papel mesmo, papel social e uma expressão, A expressão da minha vida tem que ser feminina (...) Ser mulher para mim é o papel do serviço, aquela que se afasta para que o homem aconteça. (...) Quem dirige, quem comanda e o homem. Criar é uma coisa masculina. Escrever é masculino. Meu lado masculino é escrever.” Entrevista ao pesquisador Antonio Herculano Lopes, em 3.2.1995. Transcrita para uma plaquete, foi publicada nesse mesmo ano pela Fundação Casa de Rui Barbosa.
Leiam a poesia de Adélia Prado, galardoada com o Prêmio Camões no ano passado, considerada a maior poeta brasileira viva (goste-se dela ou não).
Leiam a literatura das escritoras contemporâneas brasileiras, comentem, divulguem, pois de há muito, ainda que Adélia não reconheça, a criação deixou de ser atributo masculino.
dtv

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