quinta-feira, 31 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 31, quarta

A SPV - (Síndrome Pós-Viagem)
ataca os músculos
impossibilita
(a viagem ainda
nas retinas e todos
       os sentidos)
a vida real
- difícil (re)assimilação 
        

Diário (quase íntimo) 2013

julho 30, terça

a casa
     as filhas
     os netos
     a rua
     a cidade
sou
  o que habito
  os que me habitam

      (casulos)


terça-feira, 29 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 29, segunda

O corpo pesa
      toneladas
traz consigo
     fusos horários
     estradas
     mares
     rios
     fiordes
     camas diversas
     cidades
     línguas outras
chegar...  é sempre

      aconchego

Diário (quase íntimo) 2013

julho 28
         Copenhagen

À beira d´água
      os livros
diamante negro
           o valor guardado
A cidade viking
     orgulha-se de sua
história milenar
    abre-se ao mundo
Degas e seu processo
   criativo, também aqui
neste Reino da Dinamarca

O cadeado arrombado
  (o outro;  sinal?!)
lembra que é hora

     de retornar


domingo, 27 de julho de 2014

Memória e poesia - um depoimento

Pronunciamento de Dalila Teles Veras durante a mesa de debates "Atuação cultural, política e coletiva - redimensionando a memória" no Ciclo de Palestras Tramas de Ideias, dentro do projeto Alinhavando Pontos da Memória Andreense, do Grupo Teatral Pontos de Fiandeiras, no Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa, em  16.07.2014


Se me permitem, inicio com algumas frases retiradas da peça "Ponto Segredo" e que de muito me servem neste momento: "o problema é o começo".
Para quem, como eu, se propôs a alinhavar os pontos entre memória, literatura e atuação e dos quantos nós foi/é preciso para re-ligar o que se encontra separado, ou seja, o pensar e o fazer valer o pensado, através de atuações coletivas e propostas de políticas públicas da memória e da cultura, de muita valia também, esta outra preciosa frase "linha boa é aquela que enrosca".
Sem medo de me enroscar, corro esse risco e peço-lhes permissão para falar aqui de poesia. Sim, porque sou poeta e faço da poesia minha principal expressão, ainda que o ativismo cultural, por lidar com questões coletivas, por vezes apague na memória de minha cidade este meu ofício. Mas ao falar de poesia é de memória que estarei a falar.

Antes, um pequeno preâmbulo: nasci em Portugal, na Ilha da Madeira de onde vim menina, aos 11 anos de idade. Resido em Santo André desde 1972. Sou, portanto, uma escritora brasileira que nasceu em Portugal.
Todo aquele que emigra é sempre um desterritorializado, estrangeiro sempre em toda a parte. Minha mãe, que atravessou o Atlântico em 1957, na terceira classe de um transatlântico com o emblemático nome de Santa Maria, sem saber que era a viagem definitiva e sem retorno, foi sempre, ainda que aclimatada ao novo mundo, uma "estrangeira". Não guardava nada. Viajou carregada pelo marido sempre à busca de novos horizontes, carregando os filhos  e o essencial, deixando seus pertences e sua primeira história para trás, para sempre.
Talvez por medo de vir a ter que deixar tudo novamente, não guardava nada, não acumulou mais nada até o fim de sua vida, aos 77 anos. Seu espólio resumia-se a uma caixa de sapatos com alguns documentos.
No meu caso, ocorreu exatamente o contrário, passei a juntar coisas, tudo aquilo que pudesse representar a minha própria memória, minha passagem, minhas vivências e também as de outros, como é o caso dos milhares de livros e documentos que constituem o acervo do Abecês - Núcleo Alpharrabio de Referência e Memória, que fui juntando ao longo de minha vivência na região do ABC e que hoje, abrigado nas dependências da Livraria Alpharrabio, está disponibilizado à pesquisa.
Voltando ao meu caso, é a memória dessa memória do desterro cultural que me impulsiona o registro.   O impulso de guardar talvez como compensação do perdido, a ânsia de re-ligar aquilo que a ruptura e o Choque cultural desligou.
Assim, tenho feito de minhas memórias pessoais, não só as passadas, mas as presentes, a minha relação com a urbanidade, um exercício estético. Memória recriada, tratada esteticamente como literatura (crônica e poesia). Textos e poemas publicado em jornais, revistas, blogs, redes sociais e livros estão impregnados dessas minhas vivências.
Eu e minhas circunstâncias - a memória e a cidade como matéria de poesia.
Como estou concluindo um livro de poemas ao qual dei o título "Solidões da Memórias", achei que haveria alguma pertinência complementar esta minha fala com alguns desses poemas inéditos, exemplificando com poesia aqui o que pretendia demonstrar, ou seja, a presença da memória na elaboração da poesia. Aviso, antes, que esta é a primeira vez que leio em voz alta e em público estes poemas. Com a devida licença, faço-os minhas cobaias poéticas.

Inicio com este poema que abre o livro e que nasceu da ideia do "rizoma" e deu origem ao projeto do livro:

rizoma
    
            "vestígios de pegadas nas areias, / restos d´ossos roídos e d´espinhas"
                            António Barahona


a infância e a memória 
da infância, submersa
na líquida travessia

vez por outra
o atlântico deposita
ossos datados
nas terras do exílio

(a menina antiga
recebe os sinais
códigos esquecidos
legendas para o lembrar
- revivências)

a memória da infância
é a memória possível
(e só à poesia cabe recriar)

Foi em 2012, revisitando a Ilha da Madeira, quando anotei na primeira página da minha caderneta de viagem, a palavra "Rizoma" e o verbete dessa palavra no Dicionário Aurélio, seguido dos questionamentos: rizoma ilhéu? rizoma português? rizoma íquido?
raízes aéreas? marítimas?
No final da viagem, escrevi, a lápis, como sempre faço, um texto que, vim a descobrir depois, continha todo o "roteiro" para os poemas que viriam a compor o livro, todos voltados para esse "rizoma", ou seja, o meu período de formação como ser humano, minha infância na terra natal, culminando com a ruptura da travessia e o choque cultural da nova terra de adoção.
Neste poema, a evocação do aprendizado através da correspondência com os parentes distantes:


posta restante

       "Há muito tempo, sim, que não te escrevo./ Ficaram velhas todas as notícias."
                                      Carlos Drummond de Andrade

tempo de ruas sem nome
casas sem número
e pregão semanal

no modesto prédio dos correios
um a um, os envelopes
passavam às mãos dos destinatários
a chama da saudade atiçada pelas
bandeirinhas coloridas
e a frustrante incapacidade na
decifração dos códigos envelopados

a menina (verdes letras) aceitava
ela também aos sobressaltos
a incumbência da leitura das missivas
garranchos, invariavelmente iniciados
com esta saudação formal

rogo a deus que estas mal traçadas linhas
te encontrem e a todos os teus de boa e feliz saúde
que a minha é sofrível graças a deus

(em sua atávica melancolia
o insular rejeita a euforia
-  entregar-se ao sofrer é sua forma
de estar no mundo, fadário)

em lamúrias e promessas de regresso
prosseguia a ladainha (apaziguamento
                 da culpa pela ausência)

na impossibilidade 
da elucidação das epístolas
cabia à menina inventar
substituir a palavra oculta
por verossímeis notícias

fatalizada para sempre
                       ficaria

Coincidentemente também com epígrafe do nosso Drummond (todos os poemas do livro trazem epígrafes de poetas portugueses e brasileiros com quem estabeleço interesses em matéria de linguagem e poesia) este poema, a título de autorretrato:

confidência da madeirense
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
                 " Alguns anos vivi em Itabira. / Principalmente nasci em Itabira. / Por isso sou triste, /                                                          orgulhoso: de ferro."
                         Carlos Drummond de Andrade


alguns anos vivi na madeira
principalmente nasci na madeira
por isso sou melancólica, teimosa: urze
de nascença, em luta frente às intempéries
(do solo, do vento e das vagas marítimas)
alma em permanente desassossegar

da madeira nada de material veio comigo
e não há nada que eu possa ofertar
mas da madeira vem este ar atrevido
a língua maldicente e áspera
e o hábito de tudo reclamar
atavismos que a consciência, por vezes
                                 rejeita

a madeira não é apenas fotografias
é a memória real dos precipícios
                            e das vertigens
encordoamento 
        do que não parecia lembrado
                             mas é
a memória do que não foi
                       mas poderia
e sequer dói


E retomando mais uma fala da bela dramaturgia da peça Pontos Segredo, "cansa lembrar, dizer das coisas guardadas", vou encerrando por aqui, ainda que não esteja cansada, mas com receio de cansa-los.


A título de esclarecimento: a minha fala naquele momento não foi exatamente a deste texto. A fala se deu a partir de um roteiro previamente estabelecido por mim que viria a constituir a "espinha dorsal" do que seria dito, a mesma "espinha dorsal" do que agora está escrito, como memória daquele momento, compartilhado com o ativista cultural Neri Silvestre, com a mediadora "fiandeira" Roberta Marcolin Garcia e o público ali presente. A intenção de passar aquela palavra oral para esta palavra escrita não é outra senão a de compartilhar com mais gentes algumas das ideias e poemas que foram ali compartilhadas. 

Diário (quase íntimo) 2013

julho 27, sábado
            Copenhagen

Hans Christian Andersen  
   (monumento
     parques
     nome de ruas)
cultuado

A pequena sereia
     (multidões)
a ficção como
      atração turística

sábado, 26 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 26, sexta
   Oslo - Copenhagen

O ferry cruza o Öresund
e, num átimo
     o vazio...
o ônibus?! O ônibus?!
correr... correr...
voltar... voltar...
o reencontro com o grupo
o coração a estalar

 (história - + 1 - para contar)

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 25, quinta
          Oslo

Gustav Vigeland
35 anos - uma vida
moldando vidas na
         pedra
         no bronze
         no ferro
vidas forjadas pelo
                          gênio
que lhes deu vida
Difícil conter o choro
diante da monumentalidade
de um raro e magnífico
       conjunto

(um dia encantado)

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 24, quarta
 
                         Oslo
Da paisagem forjada pela
                         natureza
à paisagem moldada
        pelo homem
o homem e sua história
a história feita pelo
       homem
(gosto das cidades
e das marcas
que os homens

ali deixaram)


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 23, terça
       Lofthus

Estar aqui
(monarcas e
artistas e turistas
e tantos extasiados
quanto eu se quedam
       rendidos
à beira do Hardanger
ao lado do Folgefonna)
é como não estar
nesta paisagem hipnótica
Apenas esperar
     o despertar
para conferir
     a realidade de

 cartão postal

terça-feira, 22 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 22, segunda
     Lillihammer

 (sopé do monte
o gelo derretido
os relógios parados
a vida lenta
os caminhos prateados
de bétulas
esqui desativado
à espera)

A cidade Troll espera
a neve para viver
como os trolls
   vira pedra sob os

raios solares


segunda-feira, 21 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 21, domingo

Navegar num Fiorde
      sonho antigo
sonho realizado
            - Fiorde dos Sonhos
saio dos poemas e
cartões postais
e mergulho na paisagem
(nenhuma fotografia dará
conta das imagens retidas no olhar)
levo esmeraldas

       nos sentidos

domingo, 20 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 20, sábado

o país do design
cria este lindo hotel
     (Clarion Sign)
onde me hospedo
para fruir com olhos
    e sentidos
mas com alguns e
perigosos senões
as dificuldades e limitações de
alguns hóspedes entrados em
                     anos
(banheiras altíssimas,
muito vidro nos banheiros)
   Fiquemos com a beleza
          pela beleza


sábado, 19 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 19, sexta
Estocolmo
   
Nobel inventa
a dinamite
e cria um prêmio
    (com seu nome)
para a Paz
paradoxo?
paz outorgada?

(o amigo Agripino
       o amigo...
tantos anos de convívio...
    morreu... dizem-me...
triste... triste...)


sexta-feira, 18 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 18, quinta

A travessia:
Helsinki - Estocolmo

O navio Serenade
zarpa suave
e suave, navega toda
          noite
pelo Báltico, sem ondas
(comilança, muita)
Os "vikings" pós-modernos
saboreiam caviar e salmão
sem escaramuças
nem pirataria
    só gulodice




quinta-feira, 17 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 17, quarta 

Carne de rena
Igreja ortodoxa
      em meio
aos templos lutheranos
O porto, os parques
com seus piqueniques
a desfrutar o sol
                  raro
e corar os corpos
               incolores




Diário (quase íntimo) 2013

julho 16, terça
O Hermitage (enfim)

O Porto Solitário (?!)
dos Czares
ouro / granito / cristais
luxo, muito luxo
a coleção de
Catarina (arte e amantes)
luxuria e esplendor
(soberba e afirmação de poder)
A história do Planeta
aqui
pela arte representada
    (como não se

    render?!)


terça-feira, 15 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 15, segunda

Horário biológico
         atualizado
Pushkin / Anna
Vladimir / Iessienin
Dostoievski
     (presenças)
nos acompanham
ao balé, no Mariinski

Noite branca
    e mágica

em São Petersburgo


segunda-feira, 14 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 14, domingo

6h - despertar
(o corpo noutro fuso)
partir, sem sequer
chegar a conhecer
S. Petersburgo
   2 horas depois
destino sonhado
    dia enorme...

Vasto mundo

Diário (quase íntimo) 2013

julho 12, sexta

Moscou 24 graus
   muito prazer!
eis-nos perante
a (ainda) desconfiada
       recepção

domingo, 13 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 13, sábado

Moscou

(Kremlin / Muralhas
Praça Vermelha
Ivan / Lenin / Stalin
Arte no Metrô
Marcas  / Imaginário)

visitado

Moscou, desconhecido
 (difícil
          mergulho)
língua indecifrável
       encantamento
           estrangeiro

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 11, quinta

cadeado arrombado
   (simbólico
       significado)
a viagem
         começa
com a indispensável,
   silenciosa, companhia
(como sempre foi)



quinta-feira, 10 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 10, quarta

já em viagem
 (mas ainda no país de origem)
acampamento
         em Guarulhos
(estratégia preventiva
    perante os anunciados

           cúmulos nimbos)

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 09, terça

malas prontas
    saudade grande
(dos pequenos e dos
                   maiores)
           antecipada
Vou, mas sempre

           fico

Diário (quase íntimo) 2013

julho 08, segunda

Os poetas russos
           (relidos)
vão agora compor
o roteiro da viagem

Que essa poesia
    (angustiada
sofrida, suicida)
seja celebração
e renascimento
    
      (re)descobertas

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 07, domingo

domingo
(carne, vinho
pão...
        crianças)
algaravia
(vidas novas

          continuação...)

domingo, 6 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

junho 06, sábado

Convocados pelo SESC
      alguns micro
guerrilheiros
     comparecem
armas em riste:
           publicações
            nanicas, artesanais
            artísticas
e encontram
          quixotes outros
igualmente
         empenhados
em guerrilhar com
suas antimercadorias
              os livros de
                        poesia



sábado, 5 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

junho 05, sexta

Soltar o cordão
gesto doloroso
(mas necessário)




sexta-feira, 4 de julho de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

julho 04, quinta

Deixar o meu
     pelo alheio
        (coletivo)
troca voluntária
    (porque - ainda
             acredito)



Diário (quase íntimo) 2013

julho 03, quarta

Preparar a viagem
              (física)
não mais é (só)
             viagem
mas também cansaço
               (físico)
A mente projeta
mas o corpo não

   obedece inteiramente

Diário (quase íntimo) 2013

junho 02, terça

acarinhada
pelas letras
pelo sangue
pela generosidade
    pelos meus e
   pelos que se
tornaram meus