segunda-feira, 26 de abril de 2021

Domingo de pausa, muita luz, sombra e café fresco.



 

Uma pausa em ambiente adequado para terminar de ler um romance que gira em torno de afetos, entre irmãs e seu mundo, seus mundos. “O coração pensa constantemente”, de Rosângela Vieira Rocha.

Este comentário de leitura que, eventualmente pode soar fora de lugar ou esquisito, foi lido em circunstâncias especiais e certamente serão lembradas a cada vez que retirar o livro da prateleira ou cair em minhas mãos por qualquer outra razão.

Adquiri o livro no final do ano passado, ainda em pré-venda na Editora Arribaçã. Deu-se um jeito para que chegasse autografado pela autora. O volume foi parar na pilha dos “a serem lidos”, em crescimento quase diário, mas acabou furando a fila e, diga-se, num momento bastante estranho, quando, após uma tempestade, ficamos sem energia elétrica em casa por uma noite inteira. No escuro, sem sono, puxei um livro qualquer da pilha e... era esse! Tentei a luz da vela, mas não foi possível, pois aquele bruxulear da chama fazia sombras na página. Sem nenhuma outra fonte de iluminação. Finalmente, veio a ideia de experimentar a lanterna do celular. Raramente aproveito as múltiplas funções desse diabólico aparelhinho. Não sem algum malabarismo para fixar o celular com o foco da luz dirigido ao livro, a coisa funcionou. E assim decorreu a primeira leitura, até o capítulo XXIII, próximo da 100ª página.

Neste domingo, o livro escolhido a ser levado comigo para o refúgio secreto na mata atlântica foi justamente esse. E foi lá que voltei a me emocionar com uma narrativa fascinante sobre a amizade entre duas irmãs que durou uma vida.

Não fosse a autora quem é, com um lastro de, pelo menos, três dos seus romances premiados e de alta voltagem literária, este tema, inevitavelmente, correria risco grande de cair no pieguismo. Entretanto, nem por um momento ou simples parágrafo que seja, isso acontece. Apesar da dor e do luto da narradora, o humor, marcadamente nos capítulos que decorrem em flashback, está presente como pausa para respiro. Habilmente dividido em quarenta curtíssimos capítulos a intercalar passado e presente, a narrativa não deixa esmorecer o desejo do leitor em continuar.

Sou leitora de Rosângela desde os primeiros livros de contos, nos já distantes anos 80 do século passado e tenho a imensa alegria em, a cada nova obra, senti-la plena de frescor criativo, jamais se repetindo.

Este foi um texto que rascunhei rapidamente logo após a leitura de seu livro, Rosângela. A intenção era enviá-lo por mensagem pessoal à autora, inclusive com as “ilustrações”.

 Afinal pensei que, ao torná-lo público, cumpro o dever, em nome da cumplicidade e admiração que lhe devo, como leitora, admiradora e camarada de trocas e andanças literárias, em especial, nos últimos quatro ou cinco anos, através da militância comum no grupo feminista Mulherio das Letras.

Espero pelo próximo, não sem a costumeira expectativa.

E, finalmente, um grande viva às mulheres que, neste momento de escuridão, dão à luz o melhor da literatura brasileira.




segunda-feira, 19 de abril de 2021

Lygia Fagundes Telles 98 anos!

 

A enorme escritora brasileira segue, eternamente bela, inserida no melhor de nossa literatura e comemora hoje seus 98 anos. Eterna, já!"

“ -Nunca chegamos a um estado tão agudo de crise como este que estamos atravessando, pelo menos, lançando o olhar em retrospectiva brasileira. Nós precisamos sair dele o mais rápido possível porque não estamos mais aguentando tanta pressão(...) O povo agora entrou de peito aberto... (...) Eu vou me aguentando, mas de repente eu vou pra rua. É uma necessidade de sentir o pulsar. É como se o próprio pulso precisasse sentir o latejamento lá fora para combinar com este latejamento meu. Eu, como intelectual, como escritora, me vejo comprometida com o povo.” LGT, 1992

Desculpem a autorreferência, mas impossível não lembrar que foi no dia 14.9.1983 que encontrei-me pela primeira vez com Lygia.

Combinamos que iríamos de roupa xadrez, o auge da moda naquele momento (mentira, minhas pernas tremiam e o xadrez foi mera coincidência, rss)


Lançava naquela data, como associada, o meu segundo livro, Inventário Precoce, na sede da União Brasileira de Escritores. Era dia de reunião de diretoria. Em dado momento, sai da sala de reuniões aquela mulher linda, no esplendor de seus 60 anos, atravessa o salão e vem me dar um abraço. Trazia um exemplar de seu livro "As meninas" (a 14a. edição, comemorativa dos 10 anos da primeira publicação, já autografado com dedicatória). 


Até então trocávamos cumprimentos de praxe ao nos cruzarmos na sede da UBE que eu frequentava desde 1982. Aos poucos fui me aproximando e à época em que fomos companheiras de Diretoria e com ela me encontra na mesa de trabalho todas as quartas-feiras, e perdi definitivamente o temor diante daquela gigante escritora. A meu convite ela veio a Santo André, 1985, para uma conferência durante a semana Livrespaço de Poesia e contou com uma plateia de silenciosos estudantes que lotaram nosso Teatro Municipal de Santo André (mais de 500 pessoas). Ela ficou impressionada e depois soube que aquilo era fruto do trabalho do Grupo Livrespaço de Poesia (1983-1994) junto às escolas municipais da cidade. Entrevistei-a, em sua residência em São Paulo, ao lado do colega José Marinho do Nascimento. A entrevista foi publicada na Revista Livrespaço no. 4, dezembro/1992, sob o título: "Lygia, uma escritora indignada com o seu tempo", da qual retiramos os trechos da abertura deste texto.

A última vez que a encontrei pessoalmente foi em setembro de 2015, na Academia Paulista de Letras, ocasião da posse do amigo José de Souza Martins. Aos 92 anos, ainda se locomovia com alguma desenvoltura e, míope que jamais usou óculos em público, precisava se aproximar muito do seu interlocutor para reconhecê-lo.  Guardo-a na memória de todos esses momentos, bem como nos seus livros, sempre relidos, sempre renovados a cada leitura.

Bem haja, Lygia Fagundes Telles!