O sedutor "convite" era realmente tentador e foi
estampado largamente nos guias culturais da semana (Folha e Estado), blogs, matérias
na imprensa e no email que recebi da
Câmara Portuguesa. era realmente tentador:
"Para comemorar tão significativa data e estreitar ainda mais
os laços culturais com a Pátria-irmã, o governo de Portugal, através de seu
Consulado, oferece ao público paulistano um concerto muito especial, no dia 13
de junho na Sala São Paulo. Única apresentação de
António Zambujo, Mariana Aydar e Roberta Sá, com
apresentação de Maria de Medeiros." Em todos eles a mesma informação:
" A retirada dos ingressos gratuitos acontece a partir das 20h30 na
própria Sala São Paulo."
Desconfiei. Afinal, em pleno dia de Santo António, quando a esmola é muita...
Hesitei (diferentemente do que pratiquei na minha juventude, hoje gosto de sair
de casa com o ingresso ou a passagem no bolso). Era sexta-feira, 13, lua cheia (linda) e
alguns bruxos e bruxas de "universidades esotéricas" entrevistados
pela imprensa aqui do meu subúrbio, asseguravam que, conjugados todos esses
fatores, a data "traria muitos aspectos positivos". Afinal, essa
tradição desse tipo de prognóstico e "leituras"
ambíguas remontam às pitonisas da antiguidade grega e, pensei eu, se convenciam monarcas e
imperadores, não custava acreditar.
Afinal, a Sala São Paulo, nossa mais charmosa e moderna sala
de concertos e o programa, nada esotérico, era bastante apetitoso. Fui. Fomos (eu, marido e duas filhas)
Prevenidos, chegamos com uma hora e meia de antecedência e
lá já havia uma 50 ou 60 pessoas na fila e foram chegando mais, e mais... e a
fila a perder de vista. Por outra porta, entravam senhores engravatados, com
suas respectivas famílias, carros oficiais de embaixada e consulado deixavam
alguns deles na frente do prédio histórico e foram entrando, às centenas.
munidos de seus respectivos convites impressos, enquanto que os "convidados
"informais" permaneciam na interminável fila que não parava de
crescer.
Pois bem, aproximava-se a hora do concerto, 21h00, a fila
dos excluídos, cidadãos enganados por um convite falso divulgado amplamente na
imprensa, começava a mostrar inquietude. Alguns, como eu, saíram de seus
lugares para indagar a razão da não abertura da bilheteria às 20h30, conforme
anunciado, e os pobres homens vestidos de preto, assustados e munidos de fones
de ouvido, seguranças sem nenhuma segurança, não sabiam o que responder.
Subi a escada por onde entraram os
senhores empertigados e pedi para falar
com alguém responsável por aquele desastroso concerto, quando vi que, atrás de
mim, vinham outros, muitos. Não havia ninguém para responder, apenas uma pobre
e linda recepcionista, já sem voz, que tentava justificar o
injustificável: "não esperavam
tanta gente". "A sala está completamente cheia" (nota: pelos
engravatados "convidados oficiais", após o coquetel que lhes foi
servido - o cheiro ainda estava no ar). A possibilidade de liberação de entrada
para os da fila sem gravata que há horas ali esperavam, a essa altura, mesmo
sem um esclarecimento formal da organização, não mais seria possível. Estava
claríssimo que tratava-se de um evento "Fechado" e que a falsa abertura para a "patuleia",
convidada por convidar, não passou de uma falsa atitude tomada apenas para justificar
as verbas despendidas num evento falsamente
"aberto" ao "público".
Os ânimos começaram a se exaltar e, quando dei pela coisa,
já havia centenas de pessoas ali, ameaçando invadir a sala, se não chegasse
alguém com alguma justificativa plausível. Quatro ou cinco seguranças, tentavam
fechar a porta, quando uma senhora se postou ali e disse que eles não fechariam
e não a tirariam dali até que alguém viesse com a justificativa. E nada, e
nada. Barulho, muito barulho dos que, justamente, sentiram-se desrespeitados. E
o impasse continuava. A multidão aplaudia e exigia a liberação da entrada (a
essa altura o concerto a meio). Neste caso, e apenas neste, lamentei que o
famoso isolamento acústico que abafa o ruído das locomotivas que passam ao
lado, fosse tão perfeito e que os "de dentro" não pudessem ouvir o
clamor dos "de fora". Realmente uma pena.
Foi essa lamentável trapalhada oficial, resultante de flagrante e inaceitável amadorismo para um
evento desse porte que resultou numa total falta de respeito aos que ali foram,
seduzidos pelo tal convite "amplo" e "irrestrito".
Esqueceram-se os organizadores de um pequeno detalhe: estávamos numa cidade de
13 milhões de habitantes e que um convite "aberto" para um evento
"fechado", disparado larga e irresponsavelmente na imprensa, redes
sociais e emails, pode resultar numa "guerra".
Portuguesa que sou, não me sinto representada no Brasil por
esse Portugal ultrapassado, um Portugal de compadrios, um Portugal
"pequeno" demais para sua grandeza histórica, um Portugal não
compatível com o Portugal moderno, sua arte e cultura, ali muito bem
representada por António Zambujo que, por certo, nem sequer soube do que ali
ocorreu.
Indignada, compreendi naquela hora muitos dos gestos (desmedidos)
ocorridos nas incontáveis manifestações do último ano... Indignação não é
controlável. Demorei para controlar a minha. Juro que pensei, em... Deixei pra
lá, não tenho mais idade nem físico para isso e não esperei para ver o resultado.
Só espero que os outros indignados tenham se acalmado para bem do patrimônio
público que ali se encontra.
No trajeto de volta, perguntas sem resposta, para além
daquele lastimável episódio, e que há
muito tempo me faço, vieram martelando o
cérebro:
-será que para os titulares das instituições representantes de Portugal em São Paulo a comunidade portuguesa resume-se aos chamados
"comendadores" e algumas outras
figuras carimbadas sempre presentes às mesmíssimas
festas galantes promovidas por embaixada
e consulados, destinatários únicos de eventuais mimos e verbas do Governo
português? Nada contra os tais senhores (aliás, sempre senhores, há muito poucas senhoras "titulares" de convites, via de regra, comparecem apenas como "conjuges"), mas a questão é esta: quais os serviços relevantes prestados por essas instituições para a maior comunidade portuguesa fora de Portugal?
Esta não é a primeira vez que me manifesto sobre estas questões.
Meu prontuário no Consulado de Portugal deve manter arquivadas algumas de
minhas manifestações "oficiais" passadas. Fica mais esta para a
coleção. Dalila Teles Veras, natural de Portugal, cidadã luso-brasileira, de
fato e de direito. (a imagem é de Luzia Maninha, que ficou de me enviar um vídeo que posteriormente postarei também aqui).