sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Busca por novas formas de fazer política



Você sabe o que é uma “Bancada Ativista” e o que significa um mandato coletivo, com uma deputada eleita e outros oito CoDeputados com direito a propostas e elaboração de decretos? Pois foi isso que aprendi ontem em detalhes, durante uma reunião do Movimento em Santo André que tenta construir algo semelhante à bela experiência de São Paulo, Capital.
Foi assim:
Monica Cristina Seixas Bonfim, Deputada estadual por São Paulo, ou simplesmente Mônica Seixas ou, ainda, “Mônica da Bancada Ativista da Assembleia Legislativa de SP”, seu nome parlamentar e como é conhecida e reconhecida.
Jornalista, redatora, 33 anos. Fala mansa, mas segura, expressão e clareza no discurso, a CoDeputada compareceu, ontem, quinta-feira, 22.8.19, à III Assembleia do Movimento local, realizada nas dependências da Livraria Alpharrabio, que a convidou para falar de sua experiência nesse modelo coletivo de mandato, algo ainda muito novo e desconhecido entre a maioria.
Nas eleições de 2018, foi eleita deputada estadual por São Paulo, através dessa nova  modalidade de campanha, a primeira vez que uma candidatura coletiva foi eleita no estado de São Paulo.
A Bancada Ativista é formada por nove ativistas políticos de diversas áreas: Anne Rammi, ciclista e ativista de causas ligadas à maternidade; Chirley Pankará, indígena e pedagoga; Claudia Visoni, jornalista, ambientalista e agricultora urbana; Erika Hilton, transexual, negra e ativista de direitos humanos; Fernando Ferrari, militante da juventude periférica e da participação popular no orçamento público; Jesus dos Santos, militante da, da comunicação e do movimento negro; Paula Aparecida, professora da rede pública, feminista e ativista pelos direitos dos animais; e Raquel Marques, sanistarista, ativista pela equidade de gênero e do parto humanizado.  Obteve 149.844 votos, totalizados 0,72% dos votos válidos, a primeira vez que alguém se elege em SP, com esse modelo de mandato.


Mônica iniciou sua fala, pedindo à roda que fizesse perguntas. Anotou e foi encaixando respostas para todas elas, num longo, mas fascinante depoimento, do qual extraí os trechos abaixo:
Apresentou-se: - “preta, mãe, favelada, histórico de violência dos pais, do casamento...  militância política, por necessidade vital e circunstancial, desde os 13 anos de idade. Desde cedo, sabia que minha presença, minha fala, meu corpo...  era incômodo. Já são 20 anos de militância. 2016, em minha primeira candidatura, 2016, fui candidata a Prefeita de minha cidade, Itú (interior de São Paulo), uma cidade reacionária, com um partido monárquico forte. “
- “Eu acredito numa série de coisas e uma delas é de que podemos mudar a forma de encarar a política de forma polarizada, ou seja, apenas como coisa de doutores ou coisa corruptos. A candidatura coletiva não é contra partidos, mas contra fisiologismos”.
“A Bancada Ativista nasce em 2016, como curadoria, ou seja, ajuda de todos em tudo, comunicação, parte jurídica, arrecadação de fundos, etc. No início, eram 15 CoCandidatos, sem experiência nem recursos, preocupados em saber quais seriam os desafios de um mandato coletivo. Com o avançar das coisas, ficaram 9 candidatos, todos referência em suas respectivas áreas, sendo eu a escolhida para concorrer à cadeira, após um longo e exaustivo processo de discussões. Após a eleição, os nove assumiram conjuntamente o mandato. Não trabalhamos com consenso, mas consentimento, ou seja, até o momento em que alguém diga o seguinte:  -Até aqui eu fico confortável ou “pra mim não dá”. Aí para tudo, volta-se à discussão, chama-se mais gente, promovemos debate público até que haja o consentimento de todos. É uma forma de humanizar relações e afetos. Respeitar as diversas e diferentes bagagens”.
- “Assim, eu não sou deputada, não falo em meu nome, o mandato é coletivo. E isso já ficou claro para todo mundo. Somos 9 deputados, mas sem as “vantagens” que um deputado teria. Tudo é discutido e dividido em conjunto. Ora sou figura pública, ora sou assessora de mim mesma. Nosso mandato é maior que nós”.
 - “A civilização precisa de um novo passo. Vivemos uma crise sem precedentes. Cultural, econômica, civilizatória. É o fim da Nova República no Brasil. No mundo, o centro está esvaziado e prevalece a polarização, esquerda e direita”.
- “A Bancada ativista é um movimento de experiência e de renovação. Não é coligação, mas movimento de fissura histórica. Uma nova forma de política, de observar e colocar o centro do cotidiano no centro do poder. A periferia é o centro e suas pautas periféricas, mulheres, feminismo, jovens, movimento negros, LGBTs, etc. O que está pensando a periferia? Colocar a periferia no cento do debate. Sim, é preciso observar. Eles fazem isso com a gente o tempo todo.”


E a conversa, num clima de camaradagem fraterna e muitos questionamentos, entrou noite adentro, com a luxuosa contribuição do músico Fernando Neves que nos fez canta Clube da Esquina.
A clareza e o didatismo sobre a construção da Bancada foi brilhante. Fiquei mais confiante no futuro. Se alguma coisa acontecer para melhor no panorama político brasileiro, será pela cabeça, mãos e pernas de políticos como a Mônica que redime a política no seu mais amplo e verdadeiro sentido.
Quando, Neri Silvestre e Sandro Nicodemo, entusiastas e incansáveis lutadores por novas formas de fazer política e pensar políticas públicas, me procuram em nome do Movimento para solicitar que a livraria acolhesse esse encontro, estava curiosa para ouvi-los, mas não fazia ideia do quanto me faria bem essa noite.
Saí da livraria revigorada. O desânimo que vem me acometendo desde janeiro, amenizado pela presença de tanta gente bacana, jovens, na sua maioria, das mais diversas formações (músicos, artistas, professores, sociólogos, enfim...) ativistas que há anos lutam por causas as mais diversas e pulsantes, dispostos a contribuir com uma sociedade mais igualitária e menos violenta. Mesmo que isso não resulte numa candidatura exatamente na mesma modalidade da Banca Ativista de São Paulo, tenho certeza que a experiência acumulada no processo, muito servirá de aprendizado e bagagem para o futuro.
O processo democrático e coletivo é árduo, difícil, requer dedicação praticamente integral, mas como disse Mônica, “Política é paixão” e serão esses apaixonados pela prática da verdadeira política, aquela voltada para os interesses da polis que poderão fazer avançar o desejo de uma sociedade menos desigual e violenta. (dtv)

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Um posfácio de dtv a título de "documento acadêmico"

Zapeando pelo Goole, encontrei um texto meu, publicado em meu livro À Janela dos Dias, a título de posfácio, como "exemplo de posfácio", na obra "Documentos Acadêmicos". Eu? na Academia? Citada como "exemplo"? Noutro dia, uma crônica minha (vi também pelo Google) foi tema de vestibular de língua portuguesa...
Achei curioso (vaidade? Talvez...)

Livro: "Documentos Acadêmicos: um padrão de Qualidade", Editora Universitária - Universidade Federal de Pernambuco.
Autores: Maria Aparecida Esteves Caldas, Maria Marinês Gomes Vidal, Maria Valeria B. de Abreu Vasconcelos e Luiz Carlos Carvalho de Castro.

Link para a Matéria (pdf) no Google 

sábado, 10 de agosto de 2019

Da Série Objetos com História - II - Agasalhar com a alma




Hoje foi dia de usar a echarpe que pertenceu a minha mãe, Maria Lourdes Olival Agrela, falecida em 2002. Quando tive que exercer a dolorosa ação de doar os seus objetos pessoais (poucos por sinal, roupas, sapatos, enfim), não resisti e guardei duas ou três peças que, além dos vasos de orquídea que até hoje florescem sem os seus cuidados e os descuidados meus, materializam ainda sua presença de uma determinada forma que só a mim faz sentido.

Não sou apegada a bens materiais, mas acabo guardando muitas coisas, não por seu valor monetário, mas pela simbologia da memória que faz parte de minha trajetória de vida. Uma delas é esta echarpe, da qual gosto muito (foi presente meu para ela que, ao contrário de mim, era calorenta e pouco se agasalhava, razão pela qual, a peça é de um tecido leve, mais para ornamentar do que agasalhar)

Como pouco vou ao cemitério, estabeleci algumas formas de homenagear meus mortos queridos e diminuir a saudade que deixaram. O uso desta echarpe, em dias de necessidade de afeto maternal, é uma delas. Além de homenagear, também me acalenta e embala. Quando contei isso a minha amiga argentina Margarita Lo Russo, ela me disse que existia uma bela palavra em seu idioma materno que bem definiria este gesto: “apapachar”, ou seja, “abraçar ou agasalhar com a alma”. Achei isso tão bonito que passei a usar a peça mais vezes, pois, assim, além de relembrar a mãe, agasalhando-me de ternura, homenageio igualmente este belíssimo vocábulo apapachar

domingo, 4 de agosto de 2019

Da série "Objetos com história" - Meu casaco húngaro


Hoje vesti meu casaco húngaro, adquirido numa visita a Budapest, em 2005, e que me acompanha desde então. Sempre que preciso de energias e por inexplicável razão simbólica (talvez por ser tecido em tear manual, talvez por sua estampa florida e seus botões de ferro...), visto-o e é como se proferisse uma palavra mágica, do tipo “shazam”, para passar o restante do dia com a sensação de cavalgar o dia, feito os “ginetes apocalípticos” daquela terra de fronteiras constantemente alteradas. Os objetos possuem poder.



Abaixo um poema que fiz à época, dedicado àquele povo e que integra um livro inédito e há anos, sempre “in progress”, cujo título, provisório é poemas errantes ou viagens na minha e outras terras:

Magyarország e sua língua

a velha magyarország

século após século
desde sua fundação
no século IX, foi
ocupada / dominada
por romanos,
celtas, eslavos
otomanos, turcos
hunos e russos

do fausto do império
à utopia do comunismo
a hungria cigana
hoje experimenta
a democracia, enfrenta
globalização e consumismo
(nova ameaça)

Dessa história toda
ficou-me a imagem mítica
dos “ginetes apocalípticos”
que cavalgaram dia e noite
comeram a si mesmos
pela conquista da terra
e da própria identidade
cravaram “magyar”
no próprio peito e
nas terras conquistadas
construíram uma língua
que é só deles
sem parentescos
- singular patrimônio