Você sabe o que é uma “Bancada Ativista” e o que significa
um mandato coletivo, com uma deputada eleita e outros oito CoDeputados com
direito a propostas e elaboração de decretos? Pois foi isso que aprendi ontem
em detalhes, durante uma reunião do Movimento em Santo André que tenta
construir algo semelhante à bela experiência de São Paulo, Capital.
Foi assim:
Monica Cristina Seixas Bonfim, Deputada estadual por São
Paulo, ou simplesmente Mônica Seixas ou, ainda, “Mônica da Bancada Ativista da
Assembleia Legislativa de SP”, seu nome parlamentar e como é conhecida e
reconhecida.
Jornalista, redatora, 33 anos. Fala mansa, mas segura,
expressão e clareza no discurso, a CoDeputada compareceu, ontem, quinta-feira,
22.8.19, à III Assembleia do Movimento local, realizada nas dependências da Livraria
Alpharrabio, que a convidou para falar de sua experiência nesse modelo coletivo
de mandato, algo ainda muito novo e desconhecido entre a maioria.
Nas eleições de 2018, foi eleita deputada
estadual por São Paulo, através dessa nova modalidade de campanha, a primeira vez que uma
candidatura coletiva foi eleita no estado de São Paulo.
A Bancada Ativista é formada por nove ativistas políticos de
diversas áreas: Anne Rammi, ciclista e
ativista de causas ligadas à maternidade;
Chirley Pankará, indígena e pedagoga;
Claudia Visoni, jornalista, ambientalista e agricultora urbana; Erika Hilton, transexual, negra e
ativista de direitos humanos; Fernando Ferrari, militante da
juventude periférica e da participação popular no orçamento público; Jesus dos Santos, militante da, da comunicação e
do movimento negro; Paula Aparecida, professora da
rede pública, feminista e ativista pelos direitos dos animais; e Raquel Marques, sanistarista, ativista pela equidade de gênero e do parto humanizado. Obteve 149.844 votos, totalizados 0,72% dos votos válidos, a
primeira vez que alguém se elege em SP, com esse modelo de mandato.
Mônica iniciou sua fala, pedindo à roda que fizesse perguntas.
Anotou e foi encaixando respostas para todas elas, num longo, mas fascinante
depoimento, do qual extraí os trechos abaixo:
Apresentou-se: - “preta, mãe, favelada, histórico de violência
dos pais, do casamento... militância
política, por necessidade vital e circunstancial, desde os 13 anos de idade. Desde
cedo, sabia que minha presença, minha fala, meu corpo... era incômodo. Já são 20 anos de militância. 2016,
em minha primeira candidatura, 2016, fui candidata a Prefeita de minha cidade,
Itú (interior de São Paulo), uma cidade reacionária, com um partido monárquico
forte. “
- “Eu acredito numa série de coisas e uma delas é de que
podemos mudar a forma de encarar a política de forma polarizada, ou seja, apenas
como coisa de doutores ou coisa corruptos. A candidatura coletiva não é contra
partidos, mas contra fisiologismos”.
“A Bancada Ativista nasce em 2016, como curadoria, ou seja,
ajuda de todos em tudo, comunicação, parte jurídica, arrecadação de fundos, etc.
No início, eram 15 CoCandidatos, sem experiência nem recursos, preocupados em
saber quais seriam os desafios de um mandato coletivo. Com o avançar das
coisas, ficaram 9 candidatos, todos referência em suas respectivas áreas, sendo
eu a escolhida para concorrer à cadeira, após um longo e exaustivo processo de
discussões. Após a eleição, os nove assumiram conjuntamente o mandato. Não
trabalhamos com consenso, mas consentimento, ou seja, até o momento em que
alguém diga o seguinte: -Até aqui eu
fico confortável ou “pra mim não dá”. Aí para tudo, volta-se à discussão, chama-se
mais gente, promovemos debate público até que haja o consentimento de todos. É
uma forma de humanizar relações e afetos. Respeitar as diversas e diferentes bagagens”.
- “Assim, eu não sou deputada, não falo em meu nome, o
mandato é coletivo. E isso já ficou claro para todo mundo. Somos 9 deputados,
mas sem as “vantagens” que um deputado teria. Tudo é discutido e dividido em
conjunto. Ora sou figura pública, ora sou assessora de mim mesma. Nosso mandato
é maior que nós”.
- “A civilização
precisa de um novo passo. Vivemos uma crise sem precedentes. Cultural, econômica,
civilizatória. É o fim da Nova República no Brasil. No mundo, o centro está
esvaziado e prevalece a polarização, esquerda e direita”.
- “A Bancada ativista é um movimento de experiência e de renovação.
Não é coligação, mas movimento de fissura histórica. Uma nova forma de política,
de observar e colocar o centro do cotidiano no centro do poder. A periferia é o
centro e suas pautas periféricas, mulheres, feminismo, jovens, movimento negros,
LGBTs, etc. O que está pensando a periferia? Colocar a periferia no cento do
debate. Sim, é preciso observar. Eles fazem isso com a gente o tempo todo.”
E a conversa, num clima de camaradagem fraterna e muitos
questionamentos, entrou noite adentro, com a luxuosa contribuição do músico Fernando Neves que nos fez canta Clube da Esquina.
A clareza e o didatismo sobre a construção da Bancada foi
brilhante. Fiquei mais confiante no futuro. Se alguma coisa acontecer para melhor
no panorama político brasileiro, será pela cabeça, mãos e pernas de políticos
como a Mônica que redime a política no seu mais amplo e verdadeiro sentido.
Quando, Neri Silvestre e Sandro Nicodemo, entusiastas e incansáveis
lutadores por novas formas de fazer política e pensar políticas públicas, me
procuram em nome do Movimento para solicitar que a livraria acolhesse esse
encontro, estava curiosa para ouvi-los, mas não fazia ideia do quanto me faria bem
essa noite.
Saí da livraria revigorada. O desânimo que vem me acometendo
desde janeiro, amenizado pela presença de tanta gente bacana, jovens, na sua
maioria, das mais diversas formações (músicos, artistas, professores,
sociólogos, enfim...) ativistas que há anos lutam por causas as mais diversas e
pulsantes, dispostos a contribuir com uma sociedade mais igualitária e menos
violenta. Mesmo que isso não resulte numa candidatura exatamente na mesma
modalidade da Banca Ativista de São Paulo, tenho certeza que a experiência
acumulada no processo, muito servirá de aprendizado e bagagem para o futuro.
O processo democrático e coletivo é árduo, difícil, requer
dedicação praticamente integral, mas como disse Mônica, “Política é paixão” e
serão esses apaixonados pela prática da verdadeira política, aquela voltada
para os interesses da polis que poderão fazer avançar o desejo de uma sociedade
menos desigual e violenta. (dtv)