sexta-feira, 30 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

maio 30, quinta

memento

atum fresco
 (especiarias)
a Madeira natal
         no olfato
(nos sentidos)

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

maio 29, quarta

um corpo
        acomodado
no incômodo
um corpo
     que responde
         com dor
e precisa de (re)alocação
estica, dobra, deita
        levanta
muito esforço para corrigir
     anos de postura

             torta

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

maio 28, terça

luso-brasilidade
fados
    conversa
         sobre o fado
poesia
                Afetos
afagos e música
   bandolim
voz
      violão
autógrafos
    noite
   luso-brasileira
estranhas formas de vida
             na roda


terça-feira, 27 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

maio 27, segunda

a morte é noturna
e sempre divide a noite ao meio
a morte de pessoas
     queridas
sempre leva algo de

       mim

Diário (quase íntimo) 2013

maio 26, domingo

Os girassóis da Rússia
       (revisto)
aquecimento para
      a viagem
           próxima




domingo, 25 de maio de 2014

Mísia em SP, o milagre em dia de fúria


Vinte e um de maio de dois mil e catorze foi um dia de fúria na cidade de São Paulo, motoristas de ônibus em greve, caos no trânsito, dificuldades na locomoção.
Mas quando, à noite, Mísia subiu ao palco do teatro do SESC Vila Mariana, deu-se um milagre.

A despeito da situação adversa daquele dia e do total e incompreensível silêncio dos chamados Cadernos Culturais dos jornais paulistanos, outrora conhecidos por "grande imprensa", hoje pautados apenas pelo poder e interesses corporativos, a plateia, com capacidade para centenas de pessoas, apresentava-se com pouquíssimas cadeiras vazias. A ansiedade decorrente de todo o estresse deu lugar a um tempo mágico e sem relógio.

A arte (a grande e verdadeira) cria e possui seus próprios caminhos e a prova ali estava. Mísia, a fadista portuguesa (mas não só, artista completa em todos os tons, ritmos e colorações da música) em sua triunfante e reconhecida carreira internacional de mais de duas décadas, construiu seu público. Ao caminhar, construiu caminhos, os seus caminhos e conquistou admiradores, muitos.

Convidados que fomos para o Delikatessen Café Concerto, sentíamo-nos todos ali, literalmente, aconchegados, num verdadeiro e íntimo banquete, refinado menu de iguarias musicais oferecido por uma artista rara, muitíssimo rara.

De surpresa e encantamentos foi se fazendo a noite. Vimos que o fado, na privilegiada voz de Mísia, pode se transformar num "tango", como no caso do "Fado do Ciúme" que, interpretado de forma arrebatadora e inusitada, abriu  a  noite. Sim, um (quase) tango, mas ainda assim, fado, reconhecivelmente fado. Confirme: 


David Mourão-Ferreira, o grande poeta português que teve muitos de seus poemas cantados por Amália Rodrigues, disse certa feita que tudo na voz da Amália virava fado. Eu diria que, no caso de Mísia, fadista nem maior nem menor, mas, como a própria Amália, única, todo fado pode também virar outra coisa, sem matar-se nem perder sua essência de fado.
 
Filha de pai português e mãe espanhola, a par de ser universal, Mísia é, antes, ibérica. É espanhola quando canta Nanas de la Cebolla  (ouça aqui: 

 

 


tanto quanto é portuguesa quando interpreta Fado do Ciúme ou outros clássicos do fado. Mas, no seu próprio dizer, é português o seu estar no mundo, é portuguesa a sua verdadeira nacionalidades, talvez porque a condição de "ser muitos" seja o fado de todo o português.

Assim, não é de se estranhar que quando canta boleros, tangos ou canções italianas, espanholas ou francesas, Mísia está a cantar fados em outra língua, como só uma portuguesa o saberia.
 
Por ser quem é, Mísia poderia perfeitamente portar-se à maneira das divas ou pop stars, com direito a pedantismo do tipo "leave me alone" e outras excentricidades. Mas não, nela a "excentricidade" é tão natural quanto a simpatia extrema. Humana, demais humana, contou-nos, entre outras coisas, as deliciosas histórias por trás de cada uma das canções escolhidas para o seu mais recente álbum, "Delikatessen Café Concerto" que resultou neste espetáculo homônimo ora em turnê pela América Latina. Chegou, inclusive, a confessar seu temor (coincidindo, acredito, com o sentimento de todos nós que ali estávamos) de que, num dia assim,  não houvesse ninguém na plateia para o concerto.

Sou entusiasta admiradora de Mísia, desde o já longínquo ano de 1999 quando, por acaso, dei com o CD Garra dos Sentidos, inexplicavelmente desterritorializado numa gôndola de supermercado. Paixão à primeira audição. A partir daí, fui buscando, nas minhas passagens por Lisboa e outras gôndolas improváveis no Brasil, seus demais trabalhos. A "garimpagem" progrediu também graças a uma "agente secreta" que possuo em Lisboa, amiga sempre pronta, sem que eu peça, a adivinhar-me os desejos estéticos. Foi dela que recentemente recebi, pelo correio, o CD Delikatessen Café Concerto, adquirido em dezembro de 2013, quando de seu lançamento, na FNAC, em Lisboa, com a presença da artista.
 
Desde então, parei de ouvir (apenas momentaneamente) o CD Senhora da Noite, álbum exclusivamente de canções compostas por mulheres e talvez um dos seus melhores trabalhos, que, desde 2012, ouvia sem parar.
 
Digo isso, porque, após todos estes anos a ouvir Mísia em CD, a alegria de, finalmente, ouvi-la e vê-la ao vivo teve, para mim, o significado de uma pequena epifania.  No palco, Mísia consegue ser ainda melhor, pois, além de grande cantora, é também uma surpreendente performer. No silêncio reinante do teatro, a presença de Mísia preenchia todos os espaços da sala de espetáculos e do coração daqueles que ali estavam a ouvi-la/vê-la.
 
Acompanhada apenas por um piano (não qualquer piano, diga-se, mas um piano tocado por um músico igualmente excepcional, o Maestro italiano Fabrizio Romano),  Mísia dá-se ao luxo de contar com pouquíssimos elementos cênicos no palco. Cenário pra lá de sóbrio que apenas sugere. Ali, a estrela era apenas ela.  
 
Foi de fato um banquete para paladares exigentes, mas, parodiando Oswald, esperemos que as massas um dia possam degustar o biscoito fino que ela hoje nos oferece.
 
Em Tempo: Mísia, no texto do encarte do CD, escreve sobre as circunstâncias da sua elaboração e encerra com a seguinte frase: "Este disco poderia também chamar-se MILAGRE!".  Neste Concerto, deu-se, de certeza, o MILAGRE! (dtv)

Um pouco mais de Mísia "O Manto da Rainha" de autoria da própria Mísia, do álbum "Senhora da Noite": 



Diário (quase íntimo) 2013

maio 25, sábado

remexo
    gavetas
       prateleiras
(livros, objetos, fotos)
          marcas...
do que fui /
             sou



sábado, 24 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

maio 24, sexta

estranhas formas
            de vidas
enganosos fados...



sexta-feira, 23 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

maio 23, quinta

o candidato a escritor
pede-me ajuda e
          orientação
pede-me leitura
pede-me edição
(não lê meus livros)

besta... dou

Diário (quase íntimo) 2013

maio 22, quarta

Tarde repartida
         em outros eus

(fiz um poema)


Diário (quase íntimo) 2013

maio 21, terça

O venerando poeta
fala de desastres
(o desastre na poesia
      do desastre)
O desastre capitalista

Octogenário, lúcido e
                 crítico
O poeta desassossega
os outros dois poetas

ex-titulares do debates

Diário (quase íntimo) 2013

maio 20, segunda

Por uma nova
               cartografia
(cultivar utopias
- contaminar
           paixões)
a pólis como poiésis
A poiésis na pólis)


quinta-feira, 22 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

maio 19, domingo

Ogum, orixá governador
        do ferro, da
metalurgia e da guerra
reverenciado hoje na
cidade dos metalúrgicos

uma festa para Ogum e
     todas as manifestações
de matrizes africanas

domingo, 18 de maio de 2014

Poeta na sala de aula (e de leitura)

Desde 2009 que tenho a honra de ser lida na Sala de Leitura da EE Prof. Michelina Pedroso Magnani, uma escola localizada à margem da Rodovia Índio Tibiriçá (a Mata Atlântica e a Billings como moldura), em Santo André.
Mas não só. Graças à generosidade da Profa. Maria Augusta Buesa, dedicada e competente coordenada da Sala de Leitura, também fui agraciada com gestos culturais, gigantescos afagos estético-literários nesta poeta.


Os marca páginas acima, publicados pela referida Sala de Leitura, foram publicados nos anos 2009, 2010, 2011 e agora, neste 2014. Todos estes anos, sabendo-me lida e afagada. De um lado, fotos do entorno da Escola (as flores e a paisagem da mata Atlântica e da própria Escola), do outro, um poema de DTV, escolhidos pelos próprios alunos/leitores:


Mas leitura ali tem um sentido muito mais amplo. Os alunos, incentivados, vão mais fundo. Estou falando de crianças do ensino fundamental, leitores numa faixa etária de 7 a 13. Crianças que encontrei numa tarde outonal e  que, junto a seus professores, funcionários e diretores, me receberam com as paredes e outros espaços disponíveis forrados de poemas copiados de meus livros, manuscritos, ilustrados, em varais, em caixas, em cartolinas. Mas não só. Havia também ali, trabalhos de análise desses poemas, leituras que, confesso, achei surpreendentes e que, pra mim, desmonta uma ideia (equivocada) da necessidade de "facilitar"  textos literários para entendimento.

Convidada pela Profª Maria Augusta que veio pessoalmente até a Livraria Alpharrabio junto com a Vice Diretora Maria da Penha com essa finalidade, li e vivenciei ali, coisas deste tipo:

Um aluno (10 ou 11 anos) comenta esta poema:

Cotidiano
no quarto um o filho número dois assiste ao canal treze
No quarto dois o filho número um assiste ao canal oito No
quarto três o filho número três assiste ao canal quatro No
cubículo da área de serviço a empregada prepara-se para o
sono solitário No último quarto o casal assiste impassível
ao seu próprio isolamento
à hora do almoço a família se visita Mastigação e silêncio
compartilham mundos diversosS
                in A Palavraparte, Alpharrabio Edições, 1996

diz o menino: "estas crianças devem ser doentes. não brincam? não conversam? cada um fica sozinho num quarto? não vão para o quintal?" 
O poema é de 1995, ou seja, quando apenas a TV contribuía para o isolamento familiar. Hoje, com a concorrência do facebook, whatsupp e outros, as coisas mudaram (para pior, claro). Para esse menino, que mora afastado da zona urbana, rodeado de verdes e quintais, a realidade é o brincar até o dia escurecer, daí o estranhamento.



A professora Elisangela, de Língua Portuguesa, trabalhou com os alunos os poemas, que  analisados e discutidos em sala de aula. A professora Queli Antão, de Educação Artística, trabalhou a expressão corporal com os alunos na interpretação poética (sim, houve uma apresentação artística com leitura, interpretação e performances de meus poemas). A professora Maria Augusta Buesa, da Sala de Leitura, deu todo o apoio bibliográfico da poeta e trabalhou com alunos do 6º ano a compreensão de alguns textos poéticos (inclusive este).  A professora Estérlia Pereira e a Professora Patrícia Rossettini também da área de Língua Portuguesa trabalharam interpretação dos poemas.





Em especial, muito me emocionou, entre as muitas emoções da tarde, uma performance tendo por base meu poema "Sol sem aço". Confesso que jamais podia imaginar pudesse este poema ser interpretado daquela forma por crianças (por puro preconceito meu a subestimar a capacidade dos pequenos, auxiliados, claro, por bons professores):

Sol sem aço
  ou relendo Mishima em clara manhã de sol

Agasalhada de sol
visto a paisagem
sobrepele escandalosamente azul
Contemplo
este mesmo céu de Mishima
e sei
que não haverá compensação
nem morte alguma absoluta
a justificar este momento
Agasalho-me e creio
como quem viu e sabe
: o sabre só deve ser desembainhado
a prumo
na exata medida do riscado
         (Elemento em Fúria, 1989)

A propósito da polêmica atual sobre as recentes publicações "adaptadas e simplificadas" de obras de Machado de Assis, indaguei a professora Maria Augusta a respeito e ela respondeu, assim, da forma mais natural: Aqui, as crianças do 8º ano leem Machado de Assis na íntegra (mostrando as brochuras abocanhadas com severos sinais de (muito) uso. Quando me pedem livro de suspenso, sugiro a leitura de "Histórias da Meia Noite" do bruxo de Cosme Velho. Simples... Ressalta, entretanto, que nada contra adaptações. É a favor da leitura. Ponto.

A Profª Maria Augusta e alunos na Sala de Leitura da E.E. Profª Miquelina Pedroso Magnani

 Só me resta agradecer, agradecer muito a essas dedicadas Mestras que me honram com sua leitura, que tão singela e afetuosamente me receberam. Feliz de uma escola que possui uma Sala de Leitura, um salão mágico, que no dizer de Borges, realiza o "ato estético" de abrir (e ler) as páginas dos livros. Agradecer também à Profª Maria Augusta pelas fotos. Bem hajam! (dtv)

Diário (quase íntimo) 2013

Diário (quase íntimo) 2013

maio 18, sábado
Regina Silveira em SBC

vi / ouvi
a artista
que embalou o MASP
com um céu azul
bordado em ponto cruz
e, nunca satisfeita,
agora vai bordar
     as calçadas da
              Biblioteca
(Mário teria certamente

aprovado a ideia)

Diário (quase íntimo) 2013

maio 17, sexta

ressaca...
  (de
        acarinhamento)




sexta-feira, 16 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

maio 16, quinta

amigos, poetas
    (dezenas)
leitores, não poetas
      (alguns)
chegaram
    estranhas formas de vida
       na roda
Tarso e Rosana
(leitura crítica
leitura pública)
       - apresentação
leram até o que não
        escrevi...
Epifania
e na "leitura" de Filipe
      a suprema alegria


Diário (quase íntimo) 2013

maio 15, quarta

caiar a casa
    perfumar o ambiente
à espera

estranhas formas de vida
o livro - na berlinda
            - a poeta
na expectativa
          da leitura

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

maio 14, terça

uma parenta
     em agonia
remonta a outras
         agonias
(uma vida que deu
                 vidas
hoje, ao Deus dará)




terça-feira, 13 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


maio 13, segunda

livros
bananeiras
taioba
manjericão
alecrim
sálvia
romãs
erva cidreira
boldo
- quintal onde
    utopias anarquistas
                  convivem

a casa da lagartixa
    preta preserva símbolos
e acalenta sonhos impossíveis


segunda-feira, 12 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


maio 12, domingo

mães, muitas
algumas só mães
outras só filhas
outras, ainda, tias

celebração preparada
por alguém que
    só filha foi. Depois,
     mãe da própria
        mãe
(formas de ser e amar)

domingo, 11 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


maio 11, sábado

50 km rodados
2 hs no carro
uma guerra para
          estacionar
odisseia por um
      autógrafo

prestigiar um
      velho amigo
e manter acesa
a cumplicidade

(comprei um anel)

Diário (quase íntimo) 2013


maio 10, sexta

Arte na parede
copo nas mãos
e a sensação
      incômoda
dos vernissages

Galerias são lugares
         frios
que nem mesmo
       a arte
aquece



 

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013




maio 09, quinta

colhi orquídeas
banhadas de sol
        e memórias
reguei plantas
ouvi Amália

A Felicidade
       na manhã
      (armazenada)


 
 
 

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


maio 08, quarta

O mestre xilógrafo
       analfabeto
ganhou um livro
    a ele dedicado
    inteiramente
      320 páginas

 uma vida
uma obra
   num livro

um livro
     numa vida
     ágrafa

- paradoxo -
milagre da arte

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


maio 07, terça

Subscrever envelopes
(caneta de pena e tinta
     Parker azul lavável)
gesto ancestral
    que me aproxima
dos destinatários



terça-feira, 6 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


maio 06, segunda

Calúnia canalha
Canalha caluniador
Calúnia fortuita
Arma em defesa
       das próprias
       falcatruas

Canalha na sombra
       tem medo da
             claridade

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


maio 05, domingo

A experiência
       :
    24 horas apenas
            com o essencial
      (leveza
              - 
        purificação). O
(bom) viver não precisa
              de muito



 

 

Diário (quase íntimo) 2013

maio 04, sábado

36º
Outono a despedir-se
              do Verão
luz marítima
cheiro a maresia

um pequeno barco
    solitário
cruza a linha do horizonte
   cai a noite
       no Guarujá

sábado, 3 de maio de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

maio 03, sexta

O pintor e a última
      pincelada na biblioteca
imaginária
(a espada como punctum -
os livros - o campo
cego, para os que
não querem ver)

O pintor está cansado
      retirou vidas
     do seu viver
deu vida a seres
(aparentemente)
      inanimados
(exaustão
        e
      júbilo!)