terça-feira, 29 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 28, domingo

risoto de abobrinha
vinho tinto
preparam o espírito
para o dantesco:
  a velhice, a doença
        decrepitude
fardos depositados
no hospital público
onde a prima definha

Diário (quase íntimo) 2013


abril 27, sábado

"davids" suburbanos
tartarugas e garças
e peixes e verdes
convivem
com velhinhos em busca
da juventude impossível
e livros...

Escritores-caixeiros-viajantes
                     de editoras
contam suas histórias
e autografam como quem
                       carimba
A literatura e o escritor
      à mercê do espetáculo
e da especulação editorial


Diário (quase íntimo) 2013


abril 26, sexta

 o poeta
  manancial de histórias
(uma história para
      cada poema)
O poeta e
    suas canções
que são poemas-histórias
Show de histórias
     histórias que o poeta
gosta de contar ao público
   que veio ouvir suas canções
 
 


 

Diário (quase íntimo) 2013


abril 25, quinta

Portugal
   (uma vez mais)
tingido
    de rubro
Os cravos de Abril
    preenchem
                ruas
e (re) clamam
         justamente

(que Portugal
   volte a ser Portugal)


sexta-feira, 25 de abril de 2014

25 de Abril: Dos poetas que não se calaram (porque hoje é dia de sentir-me portuguesa)


Muitos foram os poetas que não se calaram no período de trevas da ditadura salazarista. Selecionei alguns, dos que, de memória, constavam da minha estante. A eles a nossa homenagem nestes 40 anos do 25 de Abril de 1974


SOPHIA DE MELLO BRYNER-ANDRESEN

 "Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do Tempo"
                     (do poema 25 de Abril, in O Nome das Coisas)


ZECA AFONSO
 "Em cada esquina um amigo
em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
terra da fraternidade"
      Zeca Afonso que tanto cantou a "escuridão" viu estes versos transformados em senha e hino da revolução dos cravos, a mais bela das que se tem notícias, a revolução sem sangue.


JOSÉ JORGE LETRIA

 José Jorge Letria, poeta que também não se calou durante e após as trevas (leia-se "Coração em Armas", Livros Horizonte, 1977)  e que dedica ao amigo morto Zeca Afonso o comovente "Carta a Zeca Afonso" (Universitária Editora, 1999, Lisboa), do qual retiramos estes versos:
"Estavas irremediavelmente de passagem,
como as andorinhas e os cometas,
semeando primaveras no crepúsculo de cada
                                                    Outono,
espalhando claridade no tempo da nossa treva."


MANUEL ALEGRE

Um poema antecipatório, que fala de um outro Abril, no "País de Abril" que viria a ser também o Abril libertador
"Tu Rapariga do País de Abril
tu vens comigo. Não te esqueças
da Primavera. Vamos soltar
A Primavera no País de Abril"
    ("Última página" - fragmento)
 "Abril tão triste no País de Abril. Por fora
é tudo verde. (Abril com máscaras de festa.)
Por dentro - minha pátria a rir como quem chora.
(A festa da tristeza é tudo o que lhe resta.)
Abril tão triste no País de Abril. Aqui
a noite. Aqui a dor. Meninos velhos
- minha pátria a chorar como quem ri
em surdina em silêncio. E de joelhos"
    "País de Abril", fragmento)
       
JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS

"Cantar aqueles que partiram
é dar força à liberdade
as flores vermelhas que os cobriram
tornaram alegre a saudade."
            ""De pé, oh companheiro" fado interpretado por Luísa Basto


DAVID MOURÃO-FERREIRA

"Por teu livro pensamento
foram-te longe encerrar.
Tão longe que o meu lamento
não te consegue alcançar.
E apenas ouves o vento.
E apenas ouves o mar.
Levaram-te a meio da noite:
a treva tudo cobria.
Foi de noite, numa noite
de todas a mais sombria.
Foi de noite, foi de noite,
e nunca mais se fez dia."
   (primeiras duas estrofes de  "Abandono", fado interpretado por Amália Rodrigues, que viria a ser conhecido como "Fado Peniche" numa referência ao Forte Peniche, prisão de alta segurança para onde eram levados (e torturados) os presos políticos e de onde se deu a célebre fuga de Álvaro Cunhal! Amália jurou que cantava Abandono "apenas como uma história de amor". A PIDE acreditou, ou fingiu acreditar e o fado, de referência mais do que explícitas, nunca foi censurado, mas o governo "apenas" recomendava às rádios que "se abstenham de tocar a música". Interessante lembrar que o grande poeta David chegou a incluir em "Obra Poética" 2 vls. Livraria Bertrand, 1980), esse e mais 11 poemas/letras para fado e deu ao conjunto o sugestivo título de "À Guitarra e à Viola". Além de "Abandono", poemas como "Libertação", "Aves Agoirentas" e "Noite Apressada" possuem claras referências políticas, mas Amália cantava-os como se fossem canções de amor (e eram... à pátria).


ALEXANDRE O´NEIL

do exílio, na Dinamarca:
 "Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor"
      (primeiras duas estrofes do poema "Um Adeus Português" em "No Reino da Dinamarca", 1958)
"Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós..."
        (do poema "Portugal", incluído no livro "Feira Cabisbaixa, 1965)
"Se uma gaivota viesse
trazer-me os céus de Lisboa
(...)
Que perfeito coração
morreria no meu peito,
meu amor, na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração"
   ("Gaivota", poema musicado por Alain Oulman e interpretado por Amália Rodrigues

Muitos mais haveria, mas deixo aqui aberta a possibilidade da pesquisa.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 24, quarta

reconhecimento
    universitário
à poeta sem escola
    (vaidade)

 ativismo cultural
      resultados
    concretos
(satisfação)
Um dia completo

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 23, terça

uma tarde
a repartir e bordar
          memórias e
          poesia
(re)lembrei
         aprendi
(rea)firmei
      cumplicidades

terça-feira, 22 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 22, segunda

Certo afiado gume
atravessa as palavras
separa a conversa
        ao meio
(alteridades
    difíceis
           ásperas
         em
permanente esgrimir)


segunda-feira, 21 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 21, domingo

O tempo
      o tempo
A morte
       a morte
temas
        eternos
humanos
    no cinema, hoje
(e na literatura
         sempre)

domingo, 20 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


 
abril 20, sábado

Uma lua
   no céu sem nuvens
emoldura dois
     arranha-céus
às cinco da tarde
      :
arquiteturas
(punctum branco
     na limpidez
         da paisagem
                azul
diria Barthes)




Augusto dos Anjos (1884-1914)

A Augusto dos Anjos, grande poeta brasileiro (1884-1914), nos seus 130 anos e nos 100 anos de sua morte. Ler AA (que dizia "Não sou um realista; afasto-me do realismo pra atingir a realidade") é sentir uma adaga a rasgar o sentido da própria poesia.

O poeta do hediondo
Sofro aceleradíssimas pancadas...
No coração. Ataca-me a existência
A mortificadora coalescência
Das desgraças humanas congregadas!


Em alucinatórias cavalgadas,
Eu sinto, então, sondando-me a consciência
A ultra-inquisitorial clarividência
De todas as neuronas acordadas!

Quanto me dói no cérebro esta sonda!
Ah! Certamente eu sou a mais hedionda
Generalização do Desconforto...

Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto! 
 
 
 

sábado, 19 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 19, sexta

O prazer do desfrute :

dias secos e claros
       de Outono
a inigualável luz
desta estação do meio
     que é mais
              mais

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 18, quinta

Uma passagem
passaporte para o des-
         conhecido

Antes, o frio no
      estômago
- pura adrenalina
     aventura, desvendar

 Hoje, o frio
        temor
do não retornar


quinta-feira, 17 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 17, quarta

Preguiça

Dispersão

(e uma agenda
   a dizer não



 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 16, terça

     Lépidos, velhas
Senhoras e velhos Senhores
     (em exercícios de
musculação e alongamento)
   passam ao largo
  da memória
ali ao lado evocada

(ninguém lhes disse
que os exercícios cerebrais
também fazem bem à saúde


terça-feira, 15 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 15, segunda

O corpo respira
(após dois dias
         só espírito)
o ar do alto
         da serra
a luz do Outono
o silêncio súbito

    (luminescências
em manhã inesperada)


segunda-feira, 14 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 14, domingo

 Montanhas de papel
               e livros
   movem-se
        e jamais
   encontram seu
             lugar
        movem-se
             e crescem
      crescem

migram,
      sem sair do
             lugar

domingo, 13 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 13, sábado

atrasadas, as chuvas
   lavam este sábado
     de Outono

O dia hoje propõe
          uma questão:
crer ou não crer?


Diário (quase íntimo) 2013


abril 12

de um jovem
      acompanho:
   processos intermináveis

quanto a mim
   a angústia diante
     da finalização...
            o fim do processo
                o fim...

(na juventude tudo parece
                 interminável -
                  ainda bem)


Diário (quase íntimo) 2013


abril 11, quinta

(truta com amêndoas)
família reunida e
algaravia
celebram os 34
da caçula
Alice
     (pra sempre
                 encantada)
            menina

 

Diário (quase íntimo) 2013


abril 10, quarta

Supermercado
Livraria
Padaria
Cinema
(abastecimentos)



 

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 09, terça

 Horas poucas
         tarefas tantas
   escassa força


Diário (quase íntimo) 2013


abril 08, segunda

a memória :
    mergulho
       vertical e fundo

(fiz um poema)

ouço um Noturno
     de Chopin


Diário (quase íntimo) 2013


abril 07, domingo

Os ritos de passagem
pasteurizados
e a falta de comunhão
com o cardápio das conversas

outsider
cada vez + out
                  out

Diário (quase íntimo) 2013


abril 06, sábado

ex-libris
          e soledades urbanas
gravuras
museu itinerante
arte em pequenos
                 formatos
a arte fora do
        gigantismo
a arte que resiste
cotidiano e sonho
     estampados

sábado, 5 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 05, sexta

 Audiência Pública
Carlos Gomes na
              pauta
Presença maciça
          dos atores sociais
mobilizados
Massa crítica acumulada
discurso afinado
                  maturidade
Ponto para a sociedade civil
                 organizada
Repúdio para o cinismo
            oficial

Diário (quase íntimo) 2013


abril 04, quinta

 
Livraria de Artistas
livros desenhados
livros, livros
outros livros
sempre livros
livros
artesanias
na contramão da
          indústria
e do mercado



 

Diário (quase íntimo) 2013


abril 03, quarta

 o autor estreante
aguarda os pedidos
      de autógrafos
(a chuva, afinal
     a culpada pela ausência
           de convidados)

 O autor estreante
     e a dura realidade

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 02, terça

a poesia
quer saber
a poesia
busca
a poesia
mergulha
no tempo da memória
(é tempo de (re)criar
a infância e a
memória da infância)



 

terça-feira, 1 de abril de 2014

Diário (quase íntimo) 2013


abril 01, segunda

 estrelinhas
    (piscam
     piscam
     piscam)
labirinto em
       confusão
corpo em descompasso
       com o espaço