quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

solidões da memória – notícias e impressões de leitura – VII

Nesta sétima postagem da série que recolhe notícias, críticas e impressões de leitura do meu livro “solidões da memória”, uma opinião crítica da escritora portuguesa Irene Lucília, publicado no Funchal Notícias, coluna “a opinião de Irene Lucília”, sob o título “Rizoma”




Chegou-me às mãos. Assim poderão começar as histórias dos acasos que nos revelam factos inesperados; ou as histórias das dádivas dos amigos que nos fazem chegar lembranças, emoções, coisas que nos despertam, nos acordam para sonhos antigos, ou interesses comuns. Deste modo, aconteceu ter eu recebido no último Natal, (apesar dum certo atraso, por vicissitudes das Caixas Postais) um pequeno livro com um conteúdo denso de memórias e saudades. O título diz-nos logo o que poderemos encontrar lá dentro: “Solidões da Memória”, assinado por Dalila Teles Veras. Era mais um livro desta autora, alguém que a vida marcou por um rizoma de montanha, mar e distância, que é como se pode definir o ilhéu que abarca o horizonte e procura o mundo largo para viver. “Solidões da Memória”, um plural sintomático, compõe-se de vinte e sete poemas, distribuídos por quatro capítulos, (agrada-me dizer, quatro fases de solidão), que percorrem uma viagem, tempo de procura entre a ilha da Madeira e o Brasil; e parte duma “caderneta de anotações” datada de 12 a 21 de Maio de 2012. Este conjunto dá corpo ao “Rizoma” mencionado pela autora e enforma todo o livro, que se completa com quinze expressivas fotografias de paisagens e motivos insulares. Releve-se a capa, que se veste com uma bela calçada madeirense de calhaus rolados em espiga.
Dalila Teles Veras, vive no Brasil, fez dos livros o seu programa de vida, com algumas obras já publicadas e visita-nos de vez em quando. A ilha, porque a viu nascer, encheu-lhe a alma de mar, espaço e largueza atlântica que a tornaram (talvez) fazedora de onirismos, esses que transpõe para a sua escrita e agora uma vez mais me chegam dentro de páginas evocativas de uma infância que reclama sempre, para que não se perca a sua iluminação inicial… ainda que “o silêncio da ilha ( seja) quase tumular” : “ a ilha, nem/ ilha era/ o mar/ a nesga/ ao lado e à frente / a ilha, não/ tinha fim nem / começo, rosário/ de sal ao pescoço…(fortificada ilha.)”
Sendo assim Dalila recorda, para “recriar”: os lugares “que já não são”, os nomes, as pedras, os lombos, as lombadas, os livros antigos, “ versos de outros bardos”, a saudade, as vinhas, os trigos, o moinho. “ Investigo, cavo busco anoto…eu que só vi o plantio e rega com olhos meninos, não julgo, apenas ouço e escavo a ver se descubro o rizoma, provavelmente perdido em largas águas e ares navegados no tempo… o sonho recorrente da viagem, o mar e os ares em permanente convite”. É este envolvimento que, pretendendo romper, Dalila amplia nos versos, para que tudo retorne à luz e a defina de corpo inteiro. E diz: …” o mar invade os sentidos, especialmente pelo olfacto e o olhar. Mas é o subterrâneo que me interessa. O que dessa raiz permanece em mim e em que medida interferiu no que hoje sou.”
Dalila Teles Veras recupera a ilha através duma nomenclatura exaustiva: A acidentada orografia das fajãs, pauis, calhetas, picos, lombos, serrados, achadas, calhaus, furnas; embriaga-se de nevoeiros, silêncios, boal, malvasia, sercial, sidra, poncha; invade os jardins de estrelícias, antúrios, orquídeas, enreda-se na laurissilva, experimenta a vertigem das falésias. Está bem viva dentro dela esta paisagem multiforme que o livro desvenda.
E ainda que o longínquo Brasil se tivesse insinuado pelo “cheiro despudorado do abacaxi que tudo anulava”, permanecem sempre na menina distante, o gosto e o cheiro da mesa do passado: a mesa/ a mesa-gesto/ ritualístico/o mesmo das mãos que um dia/também me embalaram./ pão e herdade/ repartidos, aromas/ e nomes/ epifanias/ gustativas/ presença e gozo/ relicário.”
Tudo isto é “…a memória do que não foi/ mas poderia… lembranças claras de ver e sentir” Por isso, duas pátrias se afirmam no coração de Dalila : Brasil e Portugal.
Por efeito da “infância submersa na líquida travessia”, “Vez por outra/ o atlântico deposita/ossos datados/ nas terras do exílio.” Certeza do que não volta à vida, mas se desenha, nítido, no respirar da memória.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

solidões da memória – notícias e impressões de leitura – VI

Sob o título “Memórias insulares”, esta generosa leitura crítica de “solidões da memória", pelo jornalista e ficcionista Daniel Brazil, publicada no seu prestigiado blog "Fósforo",  no dia 16.2.2016:



“Terra,
Quando te cinges de água,
Tanto mistério se encerra.”
(de uma antiga canção praiana)

            Termino a leitura de Solidões da Memória (Dobra Editorial/ Alpharrabio, 2015), de Dalila Teles Veras, com a sensação de ter compartilhado uma viagem atemporal. Mais que um conjunto de poemas, o livro é o itinerário poético e existencial de uma menina nascida na ilha da Madeira que vem para o Brasil com onze anos e retorna, adulta, ao cenário da infância.
            A primeira parte do livro, que tem o belo nome de Insularidade, é primorosa. Lançando mão de epígrafes de poetas e fadistas de ambos os lados do Atlântico, Dalila nos revela em cada poema fotogramas de um filme íntimo cujas sensações podem ser intransferíveis, mas são ali compartilhadas.

Havia manhãs
em que ao abrir da janela
era só o mar e o mar
o mar
o mar
o mar.
            Poesia quase tátil, de uma criança cercada pelo mar quase infinito. Cada poema é um indício e uma construção. A escola, as primeiras letras, os trajetos circulares, as personagens esculpidas em vento e sal. A paisagem vai ganhando nitidez ao nosso olhar também salgado de lembranças.
            O breve capítulo “aventura em preparo” fala da última fotografia na ilha e do baú de viagem, feito pelo tio. “Ali, na austeridade da arca/ a casa/ reduzida ao essencial.”
            A terceira parte, “travessia e chegada/ ruptura” enriquece ainda mais o leque de imagens e sensações. “onze foram os dias/ enjoo, sarna e tédio”. O primeiro porto, Recife, revela os “torsos negros azuis suados/ e o cheiro despudorado/ do abacaxi a anular o resto”.
 A quarta parte, “regresso ou tentativa de”, é a mais pungente. Quem retorna ao Funchal não é mais a menina, mas a mulher adulta, vivida, que já não cabe na ilha (ou em outro lugar qualquer). Busca a “paz impossível” no mergulho da memória, e parafraseia Drummond: “a madeira não é apenas fotografias (…)/ mas é/ a memória do que não foi/ e sequer dói”.
O livro se completa com um indispensável roteiro (“dos registros prévios”), onde a autora investe na palavra rizoma e todos os seus significados. Ali explicita que “o mar invade os sentidos, especialmente o olfato e o olhar, mas é o subterrâneo que me interessa.”
Eu, nascido também à beira mar de outra ilha, a qual chamam continente, e transplantado para São Paulo com dez anos, mergulhei na “líquida travessia” de Dalila Teles Veras como se levado pela mão de uma amiga de infância. E, confesso, voltei outro.


domingo, 21 de fevereiro de 2016

solidões da memória – notícias e impressões de leitura – V

Mais uma leitura crítica de "solidões da memória", assinada pela escritora Maria de Lourdes Hortas, portuguesa de nascimento radicada no Recife, PE, publicado em 09.2.2016, em seu blog:   CLIC AQUI

Acerca do Livro solidões da memória, de Dalila Teles Veras
                                                       
 a memória da infância
 é a memória possível
 (e só à poesia cabe recriar)
                          Dalila Teles Veras
                                                                                       

Dalila Teles Veras nasceu na Ilha da Madeira em 1946, mas veio para o Brasil, acompanhando a família aos onze anos de idade. Atualmente vive em Santo André,  SP. Sem dúvida, trata-se de uma das  mais significativas escritoras da literatura  lusófona contemporânea, sobretudo porque, sendo imigrante, pertence à literatura de duas pátrias.
Pela Alpharrabio Edições, que comanda, publicou recentemente (2015)  o livro Solidões da Memória, onde está patente a  condição de quem, como ela muito bem diz nas anotações finais,”ter duas pátrias é como estar em permanente estado de exílio”. 
O título do livro foi inspirado por um verso de Raul Bopp, citado nas epígrafes iniciais: Saudade é uma revivescência/Solidões da Memória/ coisas que ficaram do outro lado do mar.  
Além do poeta modernista, muitas das afinidades literárias da autora desfilam nas epígrafes que abrem todos os seus poemas: Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner, Guimarães Rosa, Drummond, e tantos outros altíssimos nomes. Ao nos revelar os padroeiros  da sua poesia, Dalila confirma que todos os poetas se constroem  não só da sua vocação e sensibilidade, mas de tudo o que leem e vão absorvendo, conscientemente ou não, ao longo do seu itinerário existencial.
Neste memorial, Dalila Teles Veras dá relevo ao mundo da infância, lugar de impossível regresso:

o regresso
(ainda que
da memória seja
o mergulho
vertical e fundo)
é paz impossível.
  (in  A Ilha à minha porta amarrada)

Forte e densa, tecida com a exatidão das palavras essenciais, assim é a poesia de Dalila Teles Veras, de contido sentimento, como contida foi a sua Educação pelo silêncio (pg. 23): 

“Rosto vincado/palavras poucas/a avó (...) em silêncio (...) as palavras inauditas (...)
em silencio, celebrávamos/o pacto de sangue/ na pedra firmado, código/para enfrentar sortilégios.”

Esse código de silêncio, para enfrentar sortilégios me parece ser a chave da poesia de Dalila Teles Veras. Escassez descrita no poema do mesmo título:

consumo escasso
diversão escassa
existir escasso (...)

Ecos de escassez que, de resto, marcam a sua escrita:

 (...) na austeridade da arca
 a casa
 reduzida ao essencial.
(in  bagagem )

No final do livro Dalila nos revela a sua Caderneta de Anotações, datadas de maio de 2012, por ocasião de uma viagem à Ilha da Madeira. Ali encontramos certamente muitas das matrizes dos poemas de “Solidões da Memória”. Todavia, mais do que nessas breves anotações, sentimos que os “rizomas” da sua profunda insularidade, ela os foi buscar no inominável espaço onde guarda as cicatrizes e pegadas da sua história.
Recife, fevereiro, 2016
Maria de Lourdes Hortas


confidência de madeirense
                           Alguns anos vivi em Itabira.
                           Principalmente nasci em Itabira.
                               Por isso sou triste,
                                        orgulhoso: de ferro.
                                                   Carlos Drummond de Andrade


alguns anos vivi na madeira
principalmente nasci na madeira
por isso sou melancólica, teimosa: urze
de nascença, em luta frente às intempéries
(do solo, do vento e das vagas marítimas)
alma em permanente desassossegar

da madeira nada de material veio comigo
e não há nada que eu possa ofertar
mas da madeira vem este ar atrevido
a língua maldicente e áspera
e o hábito de tudo reclamar
atavismos que a consciência, por vezes
                             rejeita

a madeira não é apenas fotografias
é a memória real dos precipícios
                    e das vertigens
encordoamento
       do que não parecia lembrado
                     mas é
a memória do que não foi
                   mas poderia

e sequer dói

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

solidões da memória – notícias e impressões de leitura – IV

Neste novo registro (o IV) de impressões críticas e notícias sobre meu livro “solidões da memória”, um texto do jovem crítico Diego Mendes Souza, publicado no Portal ProParnaíba, em 05.2.2016, sob o título “Casalma de Dalila Teles Veras”: CLIC AQUI

Solidões da Memória (2015) de Dalila Teles Veras é um salto do passado para dentro do próprio Tempo, a recolher as lembranças da infância, ao sopro das memórias da casalma (casa e alma), da raiz, no coração onde se nasce, donde se vem.
O título do livro é uma ressurreição dos versos de Raul Bopp, poeta máximo que escreveu inspirado: Saudade é uma revivescência/ Solidões da Memória/ coisas que ficaram no outro lado do mar.
Dalila Teles Veras levanta o seu estro refinado, com impregnação de mar e saudade, a reviver todas as coisas que se foram. Sua poesia é forte, a carregar na cartografia insular da vida, a passagem da aventura e da travessia, que leva também ao regresso de nós mesmos: contemplar, ecoar e nomear tudo o que é registro de uma existência eletiva e onírica nos seus silêncios mais fundos.
Poesia madura, ponto alto de colheita e educativa, no ideal de busca, pois viver é buscar-se no infinito.
Solidões da Memória foi o primeiro grande livro que li, feito com verdade e sabedoria, neste começo de ano chuvoso, e, por isso mesmo, melancólico.
Solidões da Memória é um repertório erudito que evoca a eternidade de excelentes autores, como Murilo Mendes e Sophia de Mello Breyner Andersen.

 ======
 confidência de madeirense
                           Alguns anos vivi em Itabira.
                           Principalmente nasci em Itabira.
                               Por isso sou triste,
                                        orgulhoso: de ferro.
                                                   Carlos Drummond de Andrade


alguns anos vivi na madeira
principalmente nasci na madeira
por isso sou melancólica, teimosa: urze
de nascença, em luta frente às intempéries
(do solo, do vento e das vagas marítimas)
alma em permanente desassossegar

da madeira nada de material veio comigo
e não há nada que eu possa ofertar
mas da madeira vem este ar atrevido
a língua maldicente e áspera
e o hábito de tudo reclamar
atavismos que a consciência, por vezes
                             rejeita

a madeira não é apenas fotografias
é a memória real dos precipícios
                    e das vertigens
encordoamento
       do que não parecia lembrado
                     mas é
a memória do que não foi
                   mas poderia
e sequer dói

=====

rizoma 
              Vestígios de pegadas nas areias,
                     restos d'ossos roídos e d'espinhas
                                              António Barahona

a infância e a memória
da infância, submersa
na líquida travessia

vez por outro
o atlântico deposita
ossos datados
nas terras do exílio

(a menina antiga
recebe os sinais
códigos esquecidos
legendas para o lembrar
- revivências)

a memória da infância
é a memória possível
(e só à poesia cabe recriar)

=======

ilha 
           Em sal espuma e concha regressada
                à praia inicial da minha vida
                           Sophia de Mello Breyner Andersen


a ilha, nem
ilha era (o mar
nesga
ao lado e à frente)

a ilha, não
tinha fim nem
começo, rosário
de sal ao pescoço

a ilha, o espaço
do jardim, calcetado
de seixos e
ervas de permeio

a ilha, o curto
caminho de casa
à escola
visconde cacongo

a ilha, o longo
percurso da escola
à casa
(fortificada ilha)
 =======



Esta obra foi inventada após uma viagem de Dalila Teles Veras à Ilha da Madeira, Portugal. Um passeio criativo que ela anotou em sua caderneta de paisagens apreendidas, anexa ao livro, onde descobrimos a origem dos poemas presentes em Solidões da Memória.
 =
educação eletiva
        Alguém te contempla
             Desde antes do tempo começar
                            Murilo Mendes

a tia

(sempre haverá uma tia, na
vida de todos os seres viventes
não qualquer tia
mas aquela, para além do sangue,
            a eleita
   antes mesmo de o ser
aquela que contempla
 e enxerga o escuro
     aquela que sabe
da dor e da fome
e, garras à mostra
  afugenta intrusos
          acode
agasalha
        acalenta
afinidade eletiva
antes mesmo de
  qualquer começo)

sim, a tia
como esquecer?

===

marinhas 
               Mas, se vamos despertando
               Cala a voz, e há só o mar
                          Fernando Pessoa
                                            

havia manhãs
em que, ao abrir da janela
era só o mar e o mar
                        o mar
                        o mar
                        o mar
aqui e além, barcos
quebravam em dois
o azul
inauguravam o branco
desenhavam a espuma

e não havia palavras
só as ondas
     as ondas
     as ondas

via, ouvia
         calava

=======

bagagem 
             de lado a lado
                    a casa é uma viagem
                                Irene Lucília Andrade

haveria de ser grande e bonito
o baú encomendado ao tio
madeira coberta por folhas de flandres
tachas reluzentes e batique florido
(abrigar os pertences
resistir às intempéries atlânticas
e, por fim, servir de móvel
no destino novo)

ali, na austeridade da arca
a casa
reduzida ao essencial

=======
casa 
         Vendam logo esta casa, ela está cheia de fantasmas
                                José Paulo Paes

morta a dona
morta a casa

morta a casa
morta a memória

morta a memória
morta a memória da memória

morta a memória da memória
o vazio da casa
morta
deixada morta
pela morta que a deixou

======

contemplação     

                Ó céu azul - o mesmo da minha infância-
                Eterna verdade vazia e perfeita!
                        Fernando Pessoa  

à varanda
     : o oceano
em verdes e azuis
adornado

a imensidão ondulada
(mar a confundir-se céu)
segue nos tempos
(este, mais o da lembrança)
nunca a mesma
nem aquela que a contempla



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

solidões da memória – notícias e impressões de leitura – III

Nesta terceira postagem da série que reúne notícias e impressões críticas de leitura sobre o meu mais recente livro “solidões da memória”, registro aqui sensível abordagem da jornalista Sonia Nabarrete, publicada no Jornal ABCDMaior, em 20.01.2016, nas versões impressa e virtual: Clic AQUI para ler o original.

Dalila Teles Veras faz de memórias poesia

Depois de 24 anos à frente da Alpharrabio, escritora reafirma compromisso com a cultura regional

Aos 11 anos, Dalila Teles Veras deixou Funchal, na Ilha da Madeira, onde nasceu, para viver em São Paulo, no Brasil, acompanhando a família que fugia das dificuldades pós-guerra. De lá, trouxe lembranças e sentimentos, que se transformaram em matéria-prima para muitos poemas. Alguns deles estão em seu último livro, Solidões da memória.
“Não é um livro de memórias, e sim de poesias”, esclareceu Dalila, que até nas fotos presentes na obra, que têm a ilha portuguesa como cenário, fez questão de dar um tratamento que deixasse os contornos esfumaçados para passar a ideia de algo onírico. Ela explicou que neste trabalho, como acontece em toda sua produção poética, criou a partir de fatos reais e vivências, que foram totalmente transfigurados.
O novo livro também consolida sua busca pela concisão. “Bem antes da internet, que criou a tendência de textos curtos, eu já procurava dizer muito com pouco”, conta Dalila, que começou a gostar de literatura, e em especial de poesia, ainda criança, incentivada por duas grandes leitoras da família, a mãe e a avó. Com o tempo, esse encantamento pela leitura só aumentou. Escreveu poemas em várias publicações e hoje soma 16 livros de poesia, entre os mais de 20 que publicou. A Ilha da Madeira está presente em três deles: Madeira: do vinho à saudade, Estranhas formas de Vida, em referência a uma canção de Amália Rodrigues e que tem as epígrafes de todos os poemas retiradas de fados, e o recém-lançado solidões da memória.
O último livro desta trilogia começou a ser preparado em 2014, quando esteve na ilha com este objetivo. Quando o material já estava praticamente pronto, encontrou uma caderneta, com anotações de outra viagem, feita em 2012, onde havia praticamente montado o roteiro do livro. “Juntei o material e me lembrei que, antes disso tudo, havia visitado uma exposição chamada Rizoma, que remete à raiz, e que, na verdade, ali tinha começado a nascer o livro”, relatou Dalila, impressionada com a capacidade de armazenamento das memórias pelo cérebro humano, de onde se pode tirar, muito tempo depois, a lembrança inspiradora.


Alpharrabio surgiu como espaço para escritores
Desde 1972, quando se casou com o também escritor Valdecírio Teles Veras, Dalila vive em Santo André, onde participa ativamente da vida cultural da cidade e de todo o ABCD. Durante 11 anos, esteve à frente do Grupo Livrespaço, que reunia escritores e manteve uma revista, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte.
Os escritores da Região precisavam de um lugar para se reunir, conversar, produzir e lançar seus livros. Foi assim que nasceu a Alpharrabio, misto de livraria e editora, que em fevereiro completa 24 anos de atividades como um verdadeiro centro cultural.
Dalila confessa que, como negócio, a Alpharrabio, sediada em Santo André, nunca deu lucro, mas se firmou como um dos espaços mais importantes para a cultura do ABCD. “Lançamos mais de 200 livros, 98% deles de autores da Região, e abrimos espaço também para os artistas plásticos, realizando pelo menos quatro grandes exposições por ano, além de sediar, há oito anos, o Fórum Permanente de Debates Culturais”, disse a escritora, que dirige a Alpharrabio com o apoio da cunhada, Luzia Maninha Teles Veras.
LER É PRECISO
Dalila é muito procurada por jovens autores, que buscam sua bênção para o que escrevem. A todos, recomenda que leiam muito. “Ninguém se torna escritor se não for, antes, leitor. É preciso ler muito para criar referência do que é bom. É fundamental conhecer Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoa, Mário de Andrade, Cecília Meireles, Castro Alves, entre muitos outros”, disse a poeta.
Para ela, não tem sentido o argumento de alguns autores que alegam não ler para não se deixar influenciar. “É natural tentar escrever como alguém que a gente admira. Mas, aos poucos, o autor se liberta e encontra a própria voz.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

solidões da memória – notícias e impressões de leitura – II

Dando prosseguimento ao registro de algumas notícias e impressões de leitura sobre o meu livro solidões da memória, esta segunda postagem remete a dois textos, o primeiro, assinado pelo poeta e professor Demetrios Galvão, de Teresina, Piauí, publicado em 24.12.2015, na sua coluna “janelas em rotação” do portal Cidade Verde 
“recentemente conheci a poeta Dalila Teles Veras e devo dizer que, foi um desses encontros que só a literatura pode proporcionar. além de termos participado de uma mesa redonda falando sobre nossos fazeres poéticos e perspectivas sobre a literatura, esticamos o papo e fiquei maravilhado com essa figura humana que tem uma poesia tão bonita e sensível. nesse encontro trocamos nossos livros e levei na mochila o seu "Solidões da Memória". leitura que recomendo a todos que gostam de uma boa poesia.
pois bem, acabei de postar em meu blog um pequeno perfil biográfico da Dalila e 3 poemas do seu último livro. confiram:
Dalila (Isabel Agrela) Teles Veras, natural do Funchal, Ilha da Madeira, Portugal, (1946), emigrou com a família para o Brasil (São Paulo, Capital), em 1957. Em 1972, após seu casamento com o advogado e escritor Valdecirio Teles Veras, radicou-se em Santo André.
Publicou mais de uma dezena de livros, nos gêneros poesia, crônica e o livro "Minudências", um diário do ano de 1999. Participou de inúmeras antologias no país e no exterior. Possui trabalhos (artigos, ensaios e textos literários) publicados em jornais e revistas de todo o país e do exterior. Atua à frente da livraria, editora e espaço cultural Alpharrabio. 
Entre os vários livros publicados estão: Lições de Tempo (1982); Inventário Precoce (1983); Madeira: do Vinho à Saudade (1989); Elemento em Fúria (1989); Forasteiros Registros Nordestinos (1991); Poética das Circunstâncias (1996); A Palavraparte (1996); A Vida Crônica (1999); As Artes do Ofício - um olhar sobre o ABC (2000); Minudências (diário) (2000); À Janela dos dias - poesia quase toda (2002); Vestígios (2003); Poesia do Intervalo (2005); Solilóquios (2005); Pecados (2006); Retratos Falhados (2008); Solidões da Memória (20150).
 Os poemas aqui publicados são do seu último livro “Solidões da Memória”, lançado ainda no mês de dezembro.
Para saber mais sobre a poeta é só acessar 

 rizoma
        vestígios de pegadas nas areias
        restos d’ossos roídos e d’espinhas
                     António Barahona

a infância e a memória 
da infância, submersa
na líquida travessia

vez por outra
o atlântico deposita
ossos datados
nas terras do exílio

(a menina antiga
recebe os sinais
códigos esquecidos
legendas para o lembrar
– revivências)

a memória da infância
é a memória possível
(e só à poesia cabe recriar)

cartografia soletrada
         quietos fazemos as grandes viagens
                      José Tolentino Mendonça

o tio

(marinheiro, remetia
cartões postais
dos portos por onde
atracava seu navio

ulisses consanguíneo
sempre voltava para
contar, no seu
contar/inventar
reinventava-se
ficcionava-se)

soletrava cartografia
no imaginário da
destinatária



passagem

     porque não sou desta ilha, cresceram-se
        as asas que me afastam e desesperam
                        José Viale Moutinho

ansiado
o fogo de dezembro
coroava de assombros os
corpos bordados por urtigas
as pernas grossas de ladeiras
os olhos da mesma paisagem
(o fogo, artifício
intermitência do existir)

ano findo, meia noite
em ponto, os apitos dos vapores
invadiam terraços e janelas
nos parapeitos, iluminados
estremeciam-se
corpos e ilha

o mar, vagas ocultas
acendia-se
em esplendor
em fogo, os olhos
virgens de incêndios
armazenavam centelhas
(reserva e antídoto à monotonia
do novo e igual calendário)
alvoroço
para o poema vindouro

O segundo texto, publicado no mesmo dia 24.12.2016 na revista A.Poética, editada por Maria Fernandes, no Funchal, destaca o lançamento do livro solidões da memória:


Foi apresentado no passado dia 4 de Dezembro “Solidões da Memória”,  o mais recente trabalho de Dalila Teles Veras. O livro, sob a chancela conjunta da Alpharrabio Edições e da Dobra Editorial foi apresentado na Casa das Rosas, em São Paulo e encerra um conjunto de poemas inspirados nas memórias da autora: a sua primeira infância passada na Ilha da Madeira, onde nasceu e a viagem transatlântica que empreendeu com a família, rumo ao Brasil onde reside até hoje.
Do livro, escreve o poeta Tarso de Melo em carta à autora, publicada no livro a título de posfácio:
“(…) me agrada muito a ideia de uma trilogia composta por Madeira: do vinho à saudade (que é 1989!), estranhas formas de vida e este solidões da memória, formando uma “trilogia das raízes” dentro da sua obra.(…) Em solidões da memória, parece-me que esta ideia de uma poesia que revira as memórias, que revira seus próprios fundamentos, não para se prender a eles, mas para pensar as incertezas do presente com a intensidade ganha no contato com as raízes, tensionando-as, é ainda mais forte que nos outros livros da “trilogia”. Não por acaso, logo no primeiro poema encontramos: “a memória da infância/ é a memória possível/ (e só à poesia cabe recriar)”. E eu até diria, torcendo um pouco seu verso: “e à poesia só cabe recriar” (a si e à memória). Isto fica claro em vários momentos, como na “madeira [que] não é apenas fotografias”, em “confidência da madeirense”, e na excelente “caderneta de anotações”, cuja provisoriedade denota também uma dificuldade ou até impossibilidade de cristalizar a memória, porque quer mesmo pegá-la viva. Outro aspecto de que gostei bastante é o esforço para desconstruir a “ilha” ou aquilo que você chama de “insularidade”, que é, ademais, um óptimo título! Se usamos “ilha” para dizer “isolamento”, o que ressalta de seus poemas é um retrato de uma ilha (real) que se esparrama (na memória, no tempo, no espaço) e cria contactos que a “des-insulam” ou “des-isolam”. Uma ilha (vivida, lembrada) que não pode ser contida – em fotos, em fatos, em fados. Vai além. Transborda. Coloca em xeque até mesmo as “solidões” que o título destaca, mas que o faz no plural, desde aí revelando a pluralidade da própria memória. Talvez por isso agora não caibam apenas as epígrafes dos fadistas, mas a poeta tenha que recorrer ao diálogo com poetas – daqui e de lá – que foram lidos ao longo da vida, dando conta das transformações dessa memória.”
Em apresentação nas badanas da obra, diz Rosana Chrispim:
“ Cada um dos poemas (re)constrói o resgate e a memória, revelando imagens que, ao fim e ao cabo, podem espelhar, cristalizar a memória própria de quem os lê. Inteiros, intensos e intensamente delicados são precisos (nada neles ultrapassa ou falta) e formam um conjunto, tão precioso quanto uma sobremesa harmonizada com um vinho. Convidam. O belo e pungente texto ao final, tem o sabor de uma prosa poética e mostra o caminho da poeta por si mesma. Cristalino de corpo e alma.”

O A.Poética iniciou já na edição passada a divulgação de alguns poemas desta obra sendo que o segundo poema está contido na presente edição.

veja a publicação original do A.Poética, clicando AQUI


domingo, 14 de fevereiro de 2016

solidões da memória – notícias e impressões de leitura - I

A partir de hoje passarei a postar aqui algumas notícias e impressões de leitura sobre o meu mais recente livro, solidões da memória, publicadas desde o lançamento, em dezembro de 2015. A primeira delas, matéria assinada pelo jornalista Vinicius Castelli, sob o título “Poemas para sentir e viver”, publicada por ocasião do lançamento do livro, 19.12.2015, no Diário do Grande ABC, versão impressa e virtual (clic no título): Poemas para sentir e viver




"Memórias de parte de uma vida, algumas próprias, outras delas, pitadas de lembranças alheias, mas todas com algo em comum: a Ilha da Madeira, em Portugal. Muitos cheiros, sabores e sentimentos diversos podem ser vivenciados na experiência que a escritora de Santo André Dalila Teles Veras oferece agora ao público em seu novo livro, Solidões da Memória (Alpharrabio Edições/Dobra Editorial, 94 páginas, R$ 30, em média).
O lançamento da obra é hoje, na Livraria Alpharrabio, em Santo André, a partir das 11h e com entrada gratuita. O livro também pode ser comprado pelo site da Dobra Editorial  ou ser solicitado pelo e-mail virtual@alpharrabio.com.br. 
Nascida na Ilha da Madeira, a autora – que em sua conta tem mais de 20 livros lançados – chegou ao Brasil aos 11 anos e há 43 vive em Santo André.
Em Solidões da Memória, ela apresenta sua terra natal, personagens, paisagens e faz o leitor vivenciar situações, imaginar e sentir o vento no rosto por meio de vários poemas. “Essas memórias, digamos, foram sendo reavivadas nas viagens de regresso e (re)visitas que fiz à terra natal, a última delas em 2014”, explica. Nessas idas à Ilha, Dalila teve consigo um caderninho para as anotações das coisas todas que foram surgindo.
Ela conta que o ‘mergulho’ no passado nem sempre foi fácil, porém, desafiador ao que se refere ao processo criativo. “Tive muito receio e o natural cuidado para que não soasse piegas”, diz. Na obra, ela sai de cena, empresta suas memórias às páginas e opta pela escrita em terceira pessoa.
Entre as diversas sensações, algumas possuem gosto de saudade e deixam claro a importância de a memória seguir viva, caso de Nomear é Jamais Apagar, que diz ‘...na rua dos tanoeiros leio homenagem oculta ao anônimo artífice de barris. meu avô que ali trabalhou e, morto não foi apagado, vive à vista dos passantes branco sobre negro a lembrar’.
“Acredito que se não tivesse retornado e reencontrado com todas essas coisas que me fizeram lembrar, ela permaneceria em algum escaninho misterioso do cérebro, à espera de ser detonada. A partir desse ‘repasse’ ela torna-se coletiva, assim como o poema que, após publicado, também não nos pertence mais.”

Nesse mesmo dia, 19.12.2015, publiquei na minha TL do Facebook as minhas “impressões” sobre a fraterna manhã vivenciada na Alpharrabio Livraria, quando autografei o livrinho para um punhado de amigos que aceitaram o convite para o encontro:

Foi bonita a festa, pá! Mas... devo confessar, sessão de autógrafos é para mim um momento de angústia. Tenho pesadelos na véspera acreditando que não aparecerá ninguém... Gosto mesmo é do processo da escrita, pensar o livro, elaborar os poemas, escrever e reescrever (sim, reescrevo compulsivamente e só publico para me livrar do livro). Depois de publicado, um sentimento de esvaziamento, de tarefa cumprida... de que aquilo ali, o livro, não me pertence mais.

Não foi diferente desta vez. Vésperas de Natal, todos nos Shoppings, preocupados com as férias entrantes... Angústia.

Mas... fiat lux! Milagres sempre acontecem na minha vida e muitas das centenas de amigos que cultivei ao longo da vida resolvem trocar o Shopping pela livraria e fazem do que era apreensão alegria, muita alegria. Mas o Alpharrabio não é uma simples livraria, é O LUGAR, com significados, com uma história de 24 anos (a completar no próximo mês de fevereiro). As pessoas não vão ali apenas porque há o lançamento de um livro. Vão ali para o encontro (todos, afinal, se conhecem) para a conversa e para reafirmarem o sentimento de "pertença". A todos os que vieram prestigiar o lançamento de "solidões da memória" nesta linda manhã de quase verão (que durou o dia inteiro) o meu agradecimento sincero. Bem hajam! (dtv)