sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Memória e Símbolos em tempos difíceis

Como sempre, a revolver poeirentas caixas, esta mulher antiga deparou-se, neste  Dia das Crianças, com um documento de uma menina antiga e, pela primeira vez, deteve-se com mais atenção neste singular objeto. Sentiu que, afinal, diz muito mais do aquilo que nele está escrito. Ei-lo:





Convido o leitor a apreciarmos, analisarmos e pensarmos juntos
Como pode ser visto, trata-se de um vistoso diploma, ilustrado na lateral esquerda por um menino com o uniforme da “Mocidade Portuguesa” e que, ereto como um militar, com a mão direita, segura o estandarte dessa mesma organização. Da base do bastão, pende uma faixa com a inscrição “ut vídeam”. Compondo toda pompa e circunstância ideológica da época ali presentes, o ornamento caligráfico da escrita gótica, caprichosamente desenhada nos vocábulos “Diploma”, “Certifico”, “foi aprovada”. Fechando o quadro de maneira “apoteótica”, uma faixa com a inscrição “nada contra a nação / tudo pela nação.” igualmente desenhada em letra gótica, inteiramente em minúsculas. Crédito a Martins Barata – Des. 1937, Modêlo nº 398-A-catálogo – Diversos (Exclusivo da Imprensa Nacional de Lisboa). 

Minha modesta interpretação nada tem de científica, mas para quem já teve a curiosidade de estudar um pouco a História portuguesa e universal, logo identificará esses símbolos com os ideais do Estado Novo português, ou seja, regime ditatorial político, comandado pelo senhor António de Oliveira Salazar de 1933 a 1974, que levou o país a um atraso secular, dentre outras crueldades não menos relevantes.

Repentinamente, fui acometida de um mal-estar que veio somar-se ao enorme mal-estar que venho sentindo diante do estado de coisas no Brasil, marcado por sinais que muito se assemelham a esses, mas que a ignorância ou mau-caratismo intencional de muitos, teimam em levar adiante.

Para quem não sabe,  a “Organização Nacional Mocidade Portuguesa”, criada por decreto em 1936, tinha como fins, abranger toda a juventude - escolar ou não – e tinha como fins, estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do caráter e a devoção à Pátria, através dos sentimentos de ordem, da disciplina, deveres morais e cívico militares.   
A ela deveriam pertencer, obrigatoriamente, os jovens dos 7 aos 14 anos. Os seus membros eram divididos por quatro escalões etários:
Lusitos, dos 7 aos 10 anos;
Infantes, dos 10 aos 14 anos;
Vanguardistas, dos 14 aos 17 anos;
Cadetes, dos 17 aos 25 anos. (*)
(*) baseado em dados colhidos na Wikepedia).

Foi nessa escola onde aprendi a ler, contar e escrever (bem, devo admitir), assim como assimilei a história que me foi contada, mas que, por minha conta e risco, muito mais tarde, fui conferir e muitas das informações não batiam com os fatos. Foi nessa escola também que, a cada falha da memória, tive a  palmatória como castigo e os vergões vermelhos nas palmas das pequenas mãos a lembrar... Foram apenas 4 anos e, tirando os vergões, até que não doeram, porque, afinal, não me foi dado conhecer outra escola e isso era (e é) algo para adultos resolverem.

Observando melhor, haveria a comentar muitos outros sinais e símbolos contidos nesse pequeno, mas altamente simbólico documento, como, por exemplo

1) O aluno (no caso “a aluna” que não mereceu receber uma "perninha" no “o” do documento padrão, a não ser quando, manualmente, a palavra “aprovado” passou para o feminino.
2) Consta apenas o nome do pai da aluna que, aliás, neste caso não leva o sobrenome da mãe. Afinal é (quase) sempre o pai que vai ao cartório efetuar o registro de nascimento.
3) Um “diploma” com essa pompa equivale a dizer que não há necessidade de mais nada, apenas o destino a que lhe foi dado.
4) A frase latina “ut vídeam” (“eu quero ver”), hipocritamente aplicada justamente pelos que desejavam que ninguém “visse” (interpretação minha, data vênia).
5) Há ainda e, ainda bem, o livro, que deveria ser a centralidade de todo o quadro,  simbolizando a abertura para o conhecimento e o livre pensar, mas que está colocado num plano menor, abaixo da cruz e bem ao lado da âncora, esta última, acredito eu, representando a expansão e poderio marítimo português, mas que está mais para representar o “fundear” o navio do diplomado onde quer que o capitão do barco deseje, ou seja, de preferência no mesmo lugar da obediência servil.

Nada de muito diferente do que vimos em períodos de trevas de regimes autoritários em tantos países, como a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini, a Espanha de Franco e as tantas Ditaduras Militares em países da América Latina, como os longos 20 anos no Brasil (1964-1985) bem como daquilo que nos sinaliza hoje uma candidatura de cunho fascista, incompreensivelmente apoiada por tantos que se dizem democratas.

Escrevo este texto  no dia 12 de outubro de 2018, às vésperas do segundo turno da eleição para Presidente da República, com a melancólica, triste e dolorida sensação de que estamos próximos de um desastre histórico iminente (que eu não desejo ver), mas também com a esperança de que uma iluminação repentina, clareie as mentes mais obscuras e vença a democracia neste país que sempre acreditei teria um futuro maior. O próximo dia 28 de outubro nos dirá.  dtv