Como sempre, a revolver poeirentas caixas, esta mulher antiga deparou-se, neste Dia das Crianças, com um documento de uma menina antiga e, pela primeira vez, deteve-se com mais atenção neste singular objeto. Sentiu que, afinal, diz muito mais do aquilo que nele está escrito. Ei-lo:
Convido
o leitor a apreciarmos, analisarmos e pensarmos juntos
Como pode ser visto, trata-se de um vistoso diploma, ilustrado na lateral esquerda por um
menino com o uniforme da “Mocidade Portuguesa” e que, ereto como um militar,
com a mão direita, segura o estandarte dessa mesma organização. Da base do
bastão, pende uma faixa com a inscrição “ut vídeam”. Compondo toda pompa e
circunstância ideológica da época ali presentes, o ornamento caligráfico da
escrita gótica, caprichosamente desenhada nos vocábulos “Diploma”, “Certifico”,
“foi aprovada”. Fechando o quadro de maneira “apoteótica”, uma faixa com a
inscrição “nada contra a nação / tudo pela nação.” igualmente desenhada em
letra gótica, inteiramente em minúsculas. Crédito a Martins Barata – Des. 1937,
Modêlo nº 398-A-catálogo – Diversos (Exclusivo da Imprensa Nacional de Lisboa).
Minha
modesta interpretação nada tem de científica, mas para quem já teve a
curiosidade de estudar um pouco a História portuguesa e universal, logo identificará
esses símbolos com os ideais do Estado Novo português, ou seja, regime ditatorial
político, comandado pelo senhor António de Oliveira Salazar de 1933 a 1974, que
levou o país a um atraso secular, dentre outras crueldades não menos relevantes.
Repentinamente,
fui acometida de um mal-estar que veio somar-se ao enorme mal-estar que venho
sentindo diante do estado de coisas no Brasil, marcado por sinais que muito se
assemelham a esses, mas que a ignorância ou mau-caratismo intencional de muitos,
teimam em levar adiante.
Para
quem não sabe, a “Organização Nacional Mocidade
Portuguesa”, criada por decreto em 1936, tinha como fins, abranger toda a
juventude - escolar ou não – e tinha como fins, estimular o desenvolvimento
integral da sua capacidade física, a formação do caráter e a devoção à Pátria,
através dos sentimentos de ordem, da disciplina, deveres morais e cívico militares.
A
ela deveriam pertencer, obrigatoriamente, os jovens dos 7 aos 14 anos. Os seus
membros eram divididos por quatro escalões etários:
Lusitos,
dos 7 aos 10 anos;
Infantes,
dos 10 aos 14 anos;
Vanguardistas,
dos 14 aos 17 anos;
Cadetes,
dos 17 aos 25 anos. (*)
(*)
baseado em dados colhidos na Wikepedia).
Foi
nessa escola onde aprendi a ler, contar e escrever (bem, devo admitir), assim
como assimilei a história que me foi contada, mas que, por minha conta e risco,
muito mais tarde, fui conferir e muitas das informações não batiam com os fatos.
Foi nessa escola também que, a cada falha da memória, tive a palmatória como castigo e os vergões vermelhos
nas palmas das pequenas mãos a lembrar... Foram apenas 4 anos e, tirando os
vergões, até que não doeram, porque, afinal, não me foi dado conhecer outra
escola e isso era (e é) algo para adultos resolverem.
Observando
melhor, haveria a comentar muitos outros sinais e símbolos contidos nesse
pequeno, mas altamente simbólico documento, como, por exemplo
1) O
aluno (no caso “a aluna” que não mereceu receber uma "perninha" no “o” do
documento padrão, a não ser quando, manualmente, a palavra “aprovado” passou para o
feminino.
2) Consta
apenas o nome do pai da aluna que, aliás, neste caso não leva o sobrenome da mãe. Afinal é
(quase) sempre o pai que vai ao cartório efetuar o registro de nascimento.
3) Um
“diploma” com essa pompa equivale a dizer que não há necessidade de mais nada,
apenas o destino a que lhe foi dado.
4) A frase latina “ut vídeam” (“eu quero ver”), hipocritamente aplicada justamente
pelos que desejavam que ninguém “visse” (interpretação minha, data vênia).
5) Há
ainda e, ainda bem, o livro, que deveria ser a centralidade de todo o quadro, simbolizando a abertura para o conhecimento e
o livre pensar, mas que está colocado num plano menor, abaixo da cruz e bem ao
lado da âncora, esta última, acredito eu, representando a expansão e poderio marítimo
português, mas que está mais para representar o “fundear” o navio do diplomado onde
quer que o capitão do barco deseje, ou seja, de preferência no mesmo lugar da
obediência servil.
Nada
de muito diferente do que vimos em períodos de trevas de regimes autoritários em
tantos países, como a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini, a Espanha de
Franco e as tantas Ditaduras Militares em países da América Latina, como os
longos 20 anos no Brasil (1964-1985) bem como daquilo que nos sinaliza hoje uma
candidatura de cunho fascista, incompreensivelmente apoiada por tantos que se
dizem democratas.
Escrevo
este texto no dia 12 de outubro de
2018, às vésperas do segundo turno da eleição para Presidente da República, com a melancólica,
triste e dolorida sensação de que estamos próximos de um desastre histórico iminente
(que eu não desejo ver), mas também com a esperança de que uma iluminação
repentina, clareie as mentes mais obscuras e vença a democracia neste país que
sempre acreditei teria um futuro maior. O próximo dia 28 de outubro nos dirá. dtv