Sábados PerVersos – a poesia em questão” é um projeto que opera “milagres”. Desde novembro de 2014, um grupo de
interessados, reúne-se mensalmente, para ler e discutir poesia criticamente. A
cada mês, um coordenador diferente, provoca os participantes, trazendo poemas à
sua escolha e, eventualmente, textos críticos que, após lidos, são comentados e
analisados. Ninguém arreda pé e as conversas, iniciadas pela manhã, estendem-se
tarde afora. Em algumas das edições, a poesia de autoria feminina foi
pesquisada, analisada, discutida. Hoje, Lenir Viscovini, professora,
pesquisadora e socióloga (poeta também, ainda que não me deixe chama-la
assim...), assídua frequentadora e colaboradora desses encontros, disse-me o
seguinte:
“Refletindo ainda sobre aquele sábado perverso...
Penso que considerar a ESCRITA FEMININA como resistência ao todo cultural, que
deixa as mulheres às margens da cultura, é um posicionamento político,
portanto, ideológico do feminismo. Como pensar que possa existir realmente uma
cultura diferenciada sem repensar a história literária e poética, e nesse
aspecto poder redimensionar qual é a posição que as mulheres têm ocupado? Acho
isso tarefa de todas as mulheres comprometidas com uma poesia e uma escrita
realmente libertária. Daí vejo ser fundamental a ressignificação do lugar
ocupado como forma de resistência, posicionamento e auto-afirmação.”
Pois bem, ao receber essa mensagem, eu acabara de
ler o romance de Micheliny Verunschk, “nossa Teresa – vida e morte de uma santa
suicida” (Editora Patuá, 2014) e encontrava-me em estado de choque, como, aliás, sempre
me acontece (e é desejável) ao fim da leitura de cada bom livro, caso
contrário... Nocauteada, estonteada,
cética, fé cada vez mais cambaleante, tentei recompor os sentidos, lembrando
que foi assim quando li, para ficar num tema análogo, o Evangelho Segundo Jesus
Cristo, de José Saramago. Em ambos, três dias sem dormir, os demônios todos a me cutucarem
com seus arpões untados de martirizantes questões, como religião, fé, memória,
história, mas, sobretudo, o grande prazer estético de uma narrativa bem
construída e escrita com originalidade.
Como não ser tocada pela proposta da Lenir? Como não pensar na questão da “Escrita Feminina”, quando lembro que foi assim também com o romance “Quarenta Dias” (Ed. Alfaguara, 2014), de Maria Valéria Rezende, leitura da qual saí rendida e transformada. Ainda sob o impacto da leitura, escrevi uma resenha no meu blog, sob o título “Quarenta dias em dois dias” que terminava assim:
“escrito na forma de diário e memória, o romance possui
um ritmo que obriga o leitor a, ofegante, acompanhar os passos da personagem
pelos subterrâneos de uma cidade e de uma mulher, ambos à beira do colapso e da
ruína. Um romance que, por força de uma poderosa narrativa, nos põe diante de
uma tela na qual pode-se assistir ao que se lê. E que ninguém se iluda com a
linguagem (quase) coloquial, aparentemente desprovida de "trabalho".
Ser simples desse jeito requer uma vida inteira de dedicação e muito, mas muito
trabalho."
Foi assim, recentemente, também com o romance “Véspera de Lua” (Editora Penalux, 2a. edição, 20'5), de Rosângela Vieira Rocha, uma narrativa poderosa que mergulha no universo feminino, escrita com o corpo e sobre o corpo. Corpo de mulher, corpo que “parece não caber em si”, corpo que fala da dor e do desejo, de homossexualidade, das miudezas cotidianas, da miséria humana. Um romance que entrega a chave ao leitor apenas no seu final. Um romance escrito por uma mulher e que só poderia ter sido escrito do ponto de vista de uma mulher.
Não por acaso, os três romances foram justamente premiados,
lidos e elogiados. Três socos no estômago, recebidos, para minha sorte, em
momentos diferentes, caso contrário o impacto teria graves consequências
físicas na combalida leitora.
Foi assim também com a poesia de Wislawa Szymborska, de Yu
Xuanji, Anna Akhmátova, Sophia de Mello Breyner Andresen, Orides Fontela e
tantas mulheres, minhas contemporâneas ou não, que só posso mesmo dar razão a Lenir e
seguirmos na discussão e tentativa de “ressignificação do lugar ocupado” por
elas, as mulheres e sua escrita.