Meu sábado passado, 10 de junho, compreendeu uma verdadeira
maratona poética de 5 horas (sem sair do lugar) na Casa das Rosas e posso dizer
que nem saí cansada de tal empreitada.
Após participar do Sarau Camões, convidei Renata Pallottini (que também participara) para um café, no
Caffè Ristoro, um lugar aconchegante situado nos fundos, enquanto esperaríamos
pelo início do “Viva Voz”, um projeto da
Casa, no qual um poeta é convidado para “falar sobre sua trajetória literária,
seu processo de criação e outros assuntos relacionados à poesia e a suas
conexões com a vida, bem como para realizar leituras públicas de seus poemas.”
Ela (86 anos absolutamente insuspeitos): - café, só se for pra você, vou de
vinho”. Fomos. Um chileno tinto e um salgado para garantir o estômago saudável.
Pontualmente, às 19h30, os “mestres de cerimônia” Reynaldo
Damazio e Julio Mendonça iniciaram a entrevista/conversa com Renata, com
Reynaldo lendo este belo poema:
Minhas velhas
As minhas velhas
Tinham lá os seus modos
De aldeias antigas:
Guardavam o dinheiro
Em lenços enrolados
Que depois enfiavam
No meio
Dos Seios
Era um dinheiro que cheirava a leite
A suor, a comida e privação
Um dinheiro sofrido e bom
Como o primeiro coito
As minhas velhas sabiam das coisas:
Fui eu que me esqueci.
(do livro “Chocolate amargo”, editora brasiliense 2008
Estava, assim, estabelecido o estado poético que foi pontuando
o depoimento e as leituras de Renata que, do alto de suas vivências por Sampa (sempre), mas também
Oropa, França e Bahia (e Cuba, país onde ministrou aulas de cinema), encantou a
plateia, falando de sua diversificada e reconhecida obra literária que abrange
ensaio, teatro, romance, poesia, sempre recheando sua fala com tiradas de bom humor e leveza.
Li este poema dela e para ela:
“No princípio criou
Deus o céu e a terra.
Gênesis – 1: 1
Primeiro foi a noite. E a noite feita,
desta engendrou-se a luz, julgada oba.
Depois, fez-se o agudo desespero
do céu. E a terra. E as águas separadas.
E um mar se fez, da lúcida colheita
das águas inferiores. A coroa
tornou-se firmamento. “Haja luzeiros” –
ordenou-se às estrelas debulhadas.
Houve flores estáticas e flores
que procuravam flores; e houve a fome
de carne e amor e dessa fome as dores
e das dores o Homem. Deste, esquiva,
toda fome, sua fêmea, e no seu sexo,
mais uma vez a noite primitiva.
(6-9-1954)
in Livro de Sonetos, Massao Ohno, SP, 1961
Durou uma hora e meia e... ninguém percebeu. Perguntei-lhe
como havia chegado à Casa das Rosas e ela: - "andando (minha casa fica a cerca de
500 metros daqui)". Detalhe: carregava uma maleta cheia de livros. E como
voltará, a esta hora? - "Da mesma forma, caminhando" (dei um "toque" para uns amigos, no sentido
de não deixá-la cumprir sua intenção, mas ainda não sei dizer se a cumpriu, senhora que é de suas vontades).