domingo, 5 de outubro de 2014

15 anos sem Amália, Amália vive

No dia 6 de outubro de 1999 escrevi esta crônica, publicado no Diário do Grande ABC em 10.10.1999. 15 anos se passaram, Amália vive. Viva Amália:

Silêncio, Amália morreu

Amália, a fadista, sabia-se amada e queria que chorassem por ela quando morresse. Foi isso que fiz ao saber de sua morte, aos 79 anos, no dia 06 de outubro. Chorei e, em silêncio, ouvi-a cantar por horas seguidas, sabendo-a viva, ali, naquela voz que faz parte de minha trajetória de vida, há meio século.
A origem do fado é controversa, envolve lendas e suposições. De acordo com Pinto de Carvalho (História do Fado, 1903) teria “nascido a bordo, aos ritmos infinitos do mar, nas convulsões dessa alma do mundo, na embriaguez murmurante dessa eternidade de água”. Uma outra tese é a de que o lundu, (dança obscena dos pretos congoleses, importada no Brasil e em Portugal) é o seu predecessor imediato. O certo é que o fado surgiu em Portugal com o regresso da corte em 1822 e teve sua idade de ouro na mítica “cantadeira” Severa, que reinou absoluta na idolatria e no imaginário português – foi tema de opereta, peça teatral, filme e, claro, letras de fado - até o surgimento de Amália.
De acordo com musicólogos, Amália revolucionou o fado tradicional, enriqueceu sua pobreza melódica inicial, acrescentando-lhe, inclusive, o improviso, um elemento jazzístico. Entre tantos méritos dessa cantora dona de uma voz absolutamente singular, está o de ter popularizado a grande poesia de língua portuguesa. Amália cantou, entre outros, Camões, Guerra Junqueiro, José Régio, Alexandre O´Neil, Pedro Homem de Melo, Antonio Feliciano de Castilho e a nossa Cecília Meireles e transformou o fado num verdadeiro traço de união, marca identitária entre todos os portugueses. Não há quem nele (e nela) não se reconheça. 
Após a Revolução dos Cravos, Portugal, levianamente, passou a ignorar Amália, rotulando-a de representante do salazarismo. O gênio e a arte de Amália estavam, porém, acima de rótulos equivocados, colados com a goma apressada da (legítima) euforia da época. Dignamente, ela continuou cantando pelo mundo, sendo recebida em delírio pelas mais nobres platéias, como o Carnigie Hall, de New York e o Olympia, de Paris. Ainda que cantasse em outras línguas – forma gentil de retribuir os aplausos, ninguém precisava falar português para entendê-la. Amália era universal e deu ao fado essa dimensão. O ostracismo durou pouco e, passados os anos de euforia e acertos, Portugal voltou a (re)conhecer-se nela.

Como nas tavernas de Lisboa, peço silêncio, pois vai-se cantar o fado. Silêncio, Amália morreu.

Em homenagem, ouçamos essa inigualável voz:

https://www.youtube.com/watch?v=1YriVM8sC7M