sexta-feira, 25 de março de 2016

Brasil tristemente bicolor e fratricida



Cheguei ao Brasil aos onze anos de idade. Adotei este país como meu e este país também me reconheceu como sua cidadã, não só pela concessão de “direitos políticos”, mais conhecida como “dupla cidadania”, como também me concedeu dois honrosos títulos de “cidadã honorária”, o da cidade onde vivo há 45 anos, Santo André, SP e, mais recentemente, o de “Luzilândia”, Piauí. Outros reconhecimentos, na área da cultura, também me foram ofertados. O casamento com um brasileiro, nordestino, três filhas brasileiras e quatro netos brasileiros só veio reforçar essa cidadania e filiação, da qual muito tenho me orgulhado, sem, contudo, perder ou negar a minha naturalidade portuguesa, da qual também muito me orgulho.
Assim, é na condição de cidadã brasileira, que me sinto à vontade para dizer da perplexidade e gigantesca preocupação com a carga de ódio, violência e preconceito revelada nos últimos tempos pela sociedade brasileira, essa mesma onde me encontro inserida. Talvez este período pascal, tão fortemente carregado de simbologia da passagem e renascimento seja apropriado para esta reflexão. 

Nos 10 dias em que deixei de interagir na rede social Facebook, muito me perguntei se estas pessoas de quem ouço tantos impropérios, leviandades e grosserias, seriam aqueles  mesmos brasileiros (ou dos que, como eu, foram “tornados brasileiros”) que aprendi a respeitar e dos quais me tornei irmã? Em que porão sombrio de suas próprias vidas se escondiam? A imagem cordial de dedicados pais e mães de família, uns, amigos leais, outros, não passava então de uma máscara a cobrir esses cidadãos agora em gladiadores e feras transformados? De que escaninhos insondáveis teriam vindo esses que agora não reconheço que usam o espaço virtual como uma arena e urram a cada nova estocada, proclamam por morte, sangue, pronunciando todo tipo de vilipêndios e inconcebíveis  injúrias?  O Brasil tão colorido, abrasadora e tropicalmente colorido, hoje é tristemente bicolor. E é ali, num suposto estádio de futebol, que essas “torcidas” destes tempos tristemente fratricidas, levianamente se digladiam com assustadora dose de violência e preconceitos. Os desejáveis argumentos substituídos por ofensas. 

São esses “cordiais” cidadãos que, surpreendentemente, postam uma imagem sacra alusiva à Páscoa e à piedosa fé na vida eterna e na ressurreição dos vivos e dos mortos, que, no post seguinte, publicam as mais repulsivas imagens, memes e fotomontagens grosseiras denegrindo, pela mais repudiável maneira aqueles que não falam “a sua língua”, ou seja, os “bárbaros”.  Os mais ferozes, para justificar seu patriotismo e sua verdade, apropriaram-se indevidamente da bandeira brasileira e todas as demais cores passam a ser apenas uma, a dos cidadãos “do mal”.

E neste jogo polarizado e histérico, constato, assim, que faço parte do time “do mal”, ainda que não precise de bandeira alguma para me cobrir. Na condição de cidadã de duas pátrias, jamais aceitei qualquer “carimbo”, quer seja ele de cunho partidário, literário ou cultural. Politicamente, sempre estive/estou do lado dos governos que estabeleçam programas e políticas de estado que tenham como prioridade promover a diminuição da desigualdade, o bem estar e a justiça social, sempre visando o bem comum.  Sim, eu me defino como um ser à esquerda que não está alinhado com a lógica cruel do capital financeiro nem do mundo da economia e dos negócios. Calei-me porque fui vítima desse jogo perverso e mortal que leva esta grande nação para uma perigosíssima e inaceitável guerra fratricida que, de fato, já ocorre nas ruas, nas escolas, nas igrejas, nos bares, nas rodas familiares, cafés, restaurantes, filas de supermercado e bancos, a contar pelos episódios de preconceito, violência e intolerância que são vivenciados e noticiados cotidianamente. O jogo político está aí desde sempre. É o que é. Podemos e devemos, como cidadãos, discuti-lo, mas o que não se pode, nem se deve, é confundir esse jogo com o nosso dia a dia e achar que o nosso quintal foi transformado em plenário permanente de guerras e paixões. O Brasil precisa de cidadãos que dele se orgulhem e não contribuam com o "quanto pior melhor" do jogo político e do poder. Eu (ainda) me orgulho.



Que esta imagem de minha neta Iara (clic de Luzia Maninha) abraçada à sua boneca preferida, ou melhor, a única que escolheu para brincar, simbolize o verdadeiro espírito de alteridade, vida nova e renascimento. Paz e Feliz Páscoa ao Brasil

quinta-feira, 10 de março de 2016

solidões da memória (e outros) - notícias e impressões de leitura – IX

Nesta nona postagem da série que recolhe leituras e apreciações críticas sobre meu livro “solidões da memória”, registro duas resenhas assinadas por Valéria Mendez, jornalista, crítica musical e professora, residente no Funchal, publicadas em seu mural do Facebook nos dias 26 e 29.1.2016.
Além dos comentários críticos sobre “solidões da memória”, o segundo texto trata de um outro livro publicado anteriormente, “estranhas formas de vida”.

"É necessário sair da ilha para ver a ilha, não nos vemos se não saímos de nós"
José Saramago

"Solidões Da Memória" (DobraLiteratura/Alpharrabio) é o ultimo livro de DALILA TELES VERAS. Um parto literário só possível a quem já sublimou as suas "solidões da memória", e que na linguagem do poema, consegue exorcizar as memórias gravadas a ferro e fogo na alma. A poetisa vive a ilha por dentro, observa-a de fora, e os meandros da saudade confessam-lhe segredos, que traduz a profundeza de quem possui a alquimia da palavra.
A palavra, em Dalila Teles Veras, não reflecte a saudade e a memória do óbvio, mas um retrato de quem descobriu o algorítmo da alma, vendo-se ao espelho, e contando-nos em poema, o que a alma vê reflectida no brilho das memórias. E apenas em solidão se obtém a resposta.
Dalila Teles Vera despe-se, qual alma em refracção, e revela-nos verdade. Nua e crua. Doce e amarga. Ou deveria dizer real?
"Solidões Da Memória"(2015) está dividido em quatro capítulos essenciais, donde a insularidade e o regresso, ou tentativa de, assumem policronias por vezes carregadas do elemento tempo, revisitação de espaços, cruzamento de sentimentos que percorrem o arco-íris do coração. A poetisa recusa cantar a ilha. É a ilha que canta n'ela, e o canto nem sempre é azul. Às vezes está carregado de cinzento.
Cada poema é acompanhado de uma citação. E nessa citação revê-se o poema, e o poema espelha-se na citação. De Sophia, Pessoa, mas também de novas fontes literárias, Valter Hugo Mãe, Viale Moutinho... Dalila Teles Veras não escreveu os poemas deste livro. Arrancou-os. Sem anestesias baratas. As tais anestesias tão comuns no nosso tempo e tão aclamadas pelo neo-liberalismo vigente.
A poetisa da Ilha no Brasil, já chegou ao tempo da sabedoria. Ela sabe o que é a memória.
No final do livro cita o grande Manuel António Pina: "o passado no passado, o presente no presente, assim chega o viajante à tardia idade em que se confundem ele e o caminho." A lucidez tem um preço. O da solidão da memória.
VM, Funchal

Um Conceito Inédito Em Livro
- A escritora e poetisa madeirense, radicada no Brasil, Dalila Teles Veras, apresentou em 2013, no seu livro "Estranhas Formas De Vida", um invulgar conceito. O de fazer provocar a ela própria, motivações e inspiração para a escrita dos seus poemas inéditos. A procura de inspiração, surge-lhe na forma de fados e canções portuguesas que ficaram no seu ouvido e abraçaram a sua alma.
Dalila Teles Veras é um caso sério de talento literário, e consegue a proeza de fazer jus à expressão da visceral e insubstituível Natália Correia, "A poesia é para comer".
Os olhos analíticos do apreciador de Pintura estabelece caminhos pessoais e intransmissíveis da sua visão de um quadro de Picasso, e Dalila Teles Veras, extrái dos fados e canções que escutou, paralelos sensitivos pessoais, traduzidos nos seus poemas, muitos dos quais intervenientes do ponto de vista político e sociológico. A Poesia, em Dalila Teles Veras é um ponto de partida para algo mais abrangente: a leitura filosófica da realidade.
"Não faz muito tempo, em reunião com amigos, ouvíamos Amália Rodrigues a interpretar 'Estranha Forma De Vida' ('Que estranha forma de vida/tem este meu coração/vive de vida perdida/quem lhe daria o condão/que estranha forma de vida?), quando o poeta Tarso de Melo me perguntou, 'porque você não escreve sobre isso?' Escrever sobre isso...Sim, mas o que seria exatamente 'isso'? Fui fisgada. (...) "
Dalila Teles Veras, in Estranhas Formas De Vida(página 55)
A correspondência biunívoca entre canções e laboratório poético de Dalila Teles Veras, passa por Amália Rodrigues, Mísia, José Afonso ou Jorge Fernando. Passa pelos textos de Amália, Saramago, Vasco Graça Moura, mas também pelos textos de Alberto Janes, Jorge Fernando e Norberto de Araújo. Uma pléiade de cordões umbilicais que ligam a escritora e poetisa à Pátria-Mãe, ao sentimento mais primordial.
..."Minha mãe, ainda que desafinada, gostava de cantar, em especial quando costurava roupas à máquina, alguns fados consagrados por Amália Rodrigues...Para a menina que via o mar de sua janela e todas as manhãs sonhava com possíveis mundos para além daquele exíguo horizonte líquido, o que menos interessava eram essas letras que falavam de sentimentos que ainda não compreendia. Hoje, entretanto, me pergunto se um desses sentimentos que bem mais tarde vim a descobrir no seu mais amplo sentido, o da saudade, não teria vindo comigo.
Ancestralidade (fado?) da qual ninguém escapa..."
Dalila Teles Veras, in Estranhas Formas De Vida (página 54)
Obrigada, Cara Operária das Letras! O seu "Estranhas Formas De Vida", acompanhar-me-á doravante nos percursos do meu espírito.
Apreciação Da Obra: *****
Indispensável, sobretudo para os madeirenses.

VM
Funchal

segunda-feira, 7 de março de 2016

solidões da memória – notícias e impressões de leitura – VIII


Nesta oitava postagem da série que recolhe leituras críticas publicadas sobre o meu livro “solidões da memória”, deixo aqui, na ordem cronológica de chegada, algumas delas, vindas de leitores atentos e generosos. Breves, mas nem por isso menores:

1) de Rosana Banharoli, poeta, coordenadora da Casa da Palavra, em Santo André

Encontramentos: uma viagem às memórias na Madeira, uma ilha que poderia ser o leitor. Em alguns momentos, o fui. Solidões da Memória, Dalila Teles Veras

em fogo, os olhos
virgens de incêndios
armazenavam centelhas
(reserva e antídoto à monotonia
do novo e igual calendário)
alvoroço
para o poema vindouro

2) De Adélia Nicolete, dramaturga, professora, residente em Ribeirão Pires, SP (Grande ABC, região metropolitana de SP). Publicado no FB em 5.1.16

Dalila, cara. Concluí a leitura de "solidões da memória" e registro publicamente meus cumprimentos, misto de parabéns e muito obrigada.
Seu livro foi uma ilha que explorei um pouco a cada noite, impossível precorrê-la toda numa só e contínua expedição. Foi preciso fazer trecho a trecho, parar, te imaginar menina e te lembrar agora, refletir - reflexão e reflexo porque a cada lembrança lida, em mim outras despertavam, particulares, de modo que minhas raízes foram também reveladas noite a noite e, por força da poesia, uniram-se às suas.
Há mais, muito mais que dizer, e o farei pessoalmente, Depois e antes de um abraço.


3) De Alberto Bresciani, poeta, residente em Brasília. Publicado no FB em 12.1.2016:

Abandonar origens, terra, é como deixar um pouco de si para trás. "Solidões da memória" (Dobra Editorial, 2015) é o depoimento poético, firme, sem lamúrias, mas com muita beleza de Dalila Teles Veras. Foi ótima leitura, Dalila!

a ilha à minha porta amarrada 
                       
                              Amarro à tua porta o Mondego
                              Regresso-me./ Paz?
                                                      Murilo Mendes
o regresso
(ainda que
da memória seja
o mergulho
vertical e fundo)
é paz impossível

recordar é voltar
(e
perder-se)
inquietantes caminhos
névoa no que era luz

a ilha
(à porta
permanentemente
amarrada)
janela
(aberta para dentro)
passaporte
para o que sou


4) De Teresa Jardim, poeta e artista plástica, residente no Funchal, Publicado no FB, em 17.1.16.‎

Dalila Teles Veras, recebi com surpresa e alegria o seu livro "solidões da memória". Agradeço esta possibilidade de fruição poética tão próximo da sua memória, da memória transfigurada da Ilha; a respirar a Ilha que agora me sustenta o corpo. Abraço.


5) De Maria Augusta, Professora, portuguesa de nascimento, radicada em Santo André, por email, em 29-01-16

“solidões da memória”  A primeira impressão de uma rápida leitura foi emocionante, um retorno às minhas memórias. Fiz de suas memórias um empréstimo àquilo que já havia esquecido. O linguajar coloquial, a indumentária das mulheres, o cotidiano local é o mesmo da aldeia em que nasci, “Castelões”, freguesia de Bragança, só não há o mar como paisagem, mas o azul do céu certamente é o mesmo.
O poema pelo mar chegava-se ao campo fez-me recordar da ceifa do trigo, do moinho e dos molhos de feno, memórias estas que estavam guardadas ou esquecidas e lendo seu poema tornaram-se vivas. Dalila, confirmei que memórias têm cheiros e cores.
Em educação pelo silêncio, quando você descreve que recebia um pedacinho de massa para moldar uma boneca que iria ao forno, nesse momento não aguentei e desabei  num choro, não um choro de tristeza, mas sim de saudade e agradeço a você por sua obra que fez com que eu retornasse à minha infância. Memórias que estavam guardadas e esquecidas.
Primeiro quero parabenizá-la por sua obra e por ter a oportunidade de lê-la. Muito boa. Transparente e com uma enorme sensibilidade. Obrigada por você me dar essa oportunidade de dialogar com a autora.
Como escrevi fiz uma primeira leitura rápida e não me atrevo a falar mais. Vou ler, reler, analisar, mastigar e depois se você me der a liberdade poderei argumentar. Grata maria


6) De Isa Ferreira, amiga e aguda leitora, residente na Baixa da Banheira, Portugal, publicado no FB em 8.2.16
Momentos de leituras por "inquietantes caminhos" - solidões da memória, de Dalila Teles Veras. Uma leitura que me fez viajar no tempo e procurar recordar outras memórias de outros igualmente generosos contadores (como por exemplo minha mãe)


7) De Rosângela Vieira Rocha, professora e ficcionista, residente em Brasília, publicado em 12.2.16 no Facebook
"Solidões da memória"
Há tempos venho comentando aqui sobre a beleza, a originalidade e a força da poesia de Dalila Teles Veras, minha amiga virtual que ainda não conheço pessoalmente, mas que faz parte da relação de minhas melhores amigas. Temos grandes afinidades. Mas não é pra falar dessas afinidades, que aliás não interessam às outras pessoas, que resolvi dedicar algumas linhas à obra "Solidões da memória", Alpharrabio Edições. Merecia um tratado, mas não sou crítica literária. Este novo livro de Dalila reafirma o que já se sabia por meio da leitura dos anteriores: estamos diante de uma grande poeta, de linguagem sofisticada e concisa. A obra faz parte de uma trilogia, que fala de exílio e de adaptação a outro país. Nascida na Ilha da Madeira, Dalila veio menina ainda para o Brasil, e seu trabalho é lusitano/insular/brasileiro. Na chegada, "via-se: corpos gingantes, a estiva/torsos negros azuis suados/e o cheiro despudorado/do abacaxi a anular o resto/(o Brasil tinha cheiro/e era de ananás)." Todos os poemas do pequeno (em tamanho) livro emocionam, mas escolhi um, que me faz lembrar da minha avó Júlia, que tinha o mesmo hábito das campesinas:

insubordinação
(sob o signo de Beauvoir)

                 Eu cumpro os meus limites,
                           não cumprindo as regras (Maria Teresa Horta)
campesinas
as saias longas
largas escuras
a roupa de baixo dispensavam
bastava
(gesto imperceptível)
um leve dobrar
dos joelhos
:
mijar em pé
sobre a terra
receptiva
subverter o mito
do eterno feminino
(o segundo sexo
em
igualdade de condições)

Vale a pena conhecer a poesia de Dalila, essa poderosa costureira e - sendo da Ilha da Madeira - autêntica bordadeira das palavras.