Já faz alguns dias que ouço os CDs deste encantatório álbum.
Ouço, ouço e tento compreender as razões do enorme prazer estético que me
proporcionam. Ao contrário da esfinge grega que prometia devorar aquele que não
a decifrasse, o desafio que Mísia nos propõe é de outra ordem, caminha pelas
trilhas dos sentidos e dos seus significados simbólicos ali presentes.
Sem arcabouço técnico que possa me valer para uma análise musical,
este meu comentário, caminha justamente por essas trilhas (do sentir).
Comecemos pelo “sentir” táctil do objeto. A capa, a produção
gráfica do primoroso encarte e verificaremos
que nada aqui, dos meticulosos e
pensados detalhes de todo este delicado e, ao mesmo tempo, grandioso trabalho,
está posto por acaso. Em cada minúcia, a marca e o bom gosto de Mísia, desde o
conceito, a produção e a direção artística.
Desde o piano às tradicionais guitarras. Desde as
participações especiais (Maria Bethânia, Martírio e Rogério Samora) à cuidadosa
escolha dos fados, desde os inéditos, compostos especialmente para esta
homenagem, quanto os que a própria Amália cantou, os mesmos, mas já outros. Sim,
pois, assim como Amália, Mísia é artista única. Inimitável, jamais repete nem
imita, faz de cada canção que interpreta a “sua” canção, ainda que a intenção,
como neste caso, seja a de “homenagear”, como, de fato, homenageia.
Mísia nos diz que, mais do que um tributo, trata-se de “uma
prenda” para Amália Rodrigues, que há 16 anos não está fisicamente entre nós,
mas cuja “biografia continua a escrever-se” e permanece cada vez mais viva não
só no coração dos que a amaram ao redor do mundo, mas no imaginário cultural e
identitário do povo português. Uma prenda há anos acalentada e que agora, no
seu tempo, é concluída. No seu tempo... Aquele tempo em que a maturidade atinge
a dramaticidade e vivências requeridas. Um tempo que só poderia ser este, o de
agora, que reafirma esta extraordinária artista como a voz de Portugal hoje.
Prosseguimos por esta senda e verificamos que a marca
portuguesa é levada a tamanha altura que, por isso mesmo, atinge a
universalidade. Num mundo perversamente globalizado, as culturas locais cada
vez mais representam a diferença e a resistência, sem deixarem de pertencer a
toda a humanidade, como é o caso do próprio Fado que, muito antes do
reconhecimento oficial pela UNESCO, já o era.
Ouço e sinto: o piano (Maestro Fabrizio Romano, responsável
também pelos arranjos), ganha e empresta
sutilezas insuspeitas. Vai das quase
imperceptíveis levezas à mais alta carga dramática, cujo exemplo maior está em
“Tive um coração, perdi-o”, fado que inicia cantado à capela, já a indicar a
intensa dramaticidade que virá a seguir. Mais do que um “acompanhamento”, neste
caso específico, o piano é uma extensão da canção, ampliando o que a voz
extraordinária de Mísia já diz.
Ponto também para Bethânia e Martírio que não se esforçam
para “parecer” portuguesas, mas, sendo o que são (brasileira, espanhola, particulares
e grandiosas) emprestam uma dignidade tamanha a esta participação que expande
ainda mais os sentidos daquilo que cantam.
Confira aqui o clip do CD, dirigido por Maria de Medeiros, no qual Mísia canta este arrepiante fado:
https://www.youtube.com/watch?v=bZ5G0JFkBbw
Ouço e o que ouço me sugere que neste “Para Amália”, não há
concessões (nem comerciais muito menos nas tais facilidades tão ao gosto da
indústria cultural que sempre nos quer convencer de que o que é bom “não
vende”). Contrariando também esta lógica, este é bom e, pelo que nos chega, está
vendendo muito bem.
Para aqueles que, desafortunadamente ainda não sabem, Mísia
é uma cantora portuguesa, com uma consolidada carreira internacional, iniciada
em 1991. Desde então, já apresentou, além de Portugal, nas mais prestigiadas
salas ao redor do mundo. Em seu sofisticado
repertório, constam poemas de grandes nomes da literatura portuguesa, como
Fernando Pessoa, Agustina Bessa-Luís, José Saramago, António Lobo Antunes e
muitos outros. Alguns desses poemas foram escritos especialmente para sua voz.
Mísia virá ao Brasil nos próximos dias 19 (SP) e 20 (RJ)
para recitais com repertório deste seu novo trabalho, “Para Amália”, um algum
duplo, lançado simultaneamente em Portugal, Brasil e outros países e, desde o
dia 31 de outubro, vem obtendo grande repercussão de público e de crítica. Ao
que tudo indica, caminha para ficar marcado como o acontecimento musical do ano.
Não estarei em São Paulo no dia 19.11 e, desconsoladamente triste,
não a verei no Teatro J. Safra. Guardarei comigo, à espera da próxima
oportunidade, dois especiais momentos em que a vi cantar em São Paulo e fiquei
rendida pelo hipnótico carisma de alguém que não canta apenas com a voz, mas
com todo o corpo. Mais do que dizer e interpretar, significa. Para consolo
próprio, seguirei ouvindo este Para Amália, além da dezena de outros CDs que ao
longo dos últimos 10 anos tenho, incansavelmente ouvido, desde que, de forma fortuita, fui “convidada” a ouvir “Paixões Diagonais”,
CD que “descobri”, sem nenhuma informação prévia, perdido numa gôndola de
supermercado. Sedução à primeira vista, à primeira audição.
“trata-se de um álbum duplo, gravado em Lisboa
no final de 2014, ano em que se cumpriram os 15 anos da desaparição
física de Amália Rodrigues. “Para Amália” foi construído não só com o
repertório amaliano mas também com temas inéditos criados
especialmente para este trabalho.
O primeiro disco, piano e voz, é constituído por músicas na sua maioria de Alain Oulman mas também de Carlos Gonçalves, Fontes Rocha. Poemas de David Mourão Ferreira, Amália, Afonso Lopes Vieira, Pedro Homem de Mello, etc.
O segundo disco, guitarras de Fado, tem um ambiente musical mais tradicional, incluindo Fados muito populares e um tema de folclore.
Textos inéditos de Amélia Muge, Tiago Torres da Silva, Mário Cláudio e Mísia escritos em tributo a Amália Rodrigues.
Neste álbum participam a grande intérprete
brasileira Maria Bethânia cantando com Mísia “Amália Sempre e Agora”, um dos 4
inéditos deste disco (Música Mário Pacheco e poema de Amélia Muge), o actor
Rogério Samora alternando com a voz cantada de Mísia diz magistralmente o poema
“Amor sem Casa” de Teresa Rita Lopes e a carismática cantora
espanhola Martírio num dueto com Mísia interpreta
“Maria La Portuguesa” canção que Carlos Cano, compôs,
dedicada a Amália Rodrigues. De salientar o talento musical do
maestro napolitano Fabrizio Romano nos arranjos de todos os temas
do CD1.
Em concerto, “Para Amália" pode apresentar-se em 2 versões: uma mais intimista, piano e voz, outra completa, na qual as guitarras se juntam ao piano. Em ambas, um efeito visual da projecção em loop da jóia preferida de Amália Rodrigues, vai pulsando em várias cores palavras chave do Fado: destino, voz, saudade, mulher, etc.
"Amália tornou-se eterna e está mais viva do que nunca. O Tempo contido na sua obra e o youtube trabalham nesse sentido”. Mísia”
O primeiro disco, piano e voz, é constituído por músicas na sua maioria de Alain Oulman mas também de Carlos Gonçalves, Fontes Rocha. Poemas de David Mourão Ferreira, Amália, Afonso Lopes Vieira, Pedro Homem de Mello, etc.
O segundo disco, guitarras de Fado, tem um ambiente musical mais tradicional, incluindo Fados muito populares e um tema de folclore.
Textos inéditos de Amélia Muge, Tiago Torres da Silva, Mário Cláudio e Mísia escritos em tributo a Amália Rodrigues.
Em concerto, “Para Amália" pode apresentar-se em 2 versões: uma mais intimista, piano e voz, outra completa, na qual as guitarras se juntam ao piano. Em ambas, um efeito visual da projecção em loop da jóia preferida de Amália Rodrigues, vai pulsando em várias cores palavras chave do Fado: destino, voz, saudade, mulher, etc.
"Amália tornou-se eterna e está mais viva do que nunca. O Tempo contido na sua obra e o youtube trabalham nesse sentido”. Mísia”