domingo, 7 de julho de 2013

Três poetas russos

1) Sierguéi Iessiênin

Pobre escrevinhador, é tua
A sina de cantar a lua?
Há muito o meu olhar definho
No amor, nas cartas e no vinho.

Ah, a luz entra pelas grades,
A luz tão forte corta os olhos.
Eu joguei na dama de espadas
E só me veio o ás de outros. (*)

1925

(*)  marca na roupa dos forçados

Sierguéi Iessiênin (1895-1925), importante figura da moderna poesia russa. Boêmio, de vida breve e aventurosa, casou duas vezes, a segunda com ninguém menos do que a diva da dança, Isadora Duncan. Aos 30 anos, num Hotel de Leningrado (hoje São Petersburgo), enforcou-se. Antes, cortou os pulsos e, com o próprio sangue, escreveu este poema:

Até logo, até logo, companheiro,
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
É sinal de um encontro no futuro.

Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta vida, não é novo
Tampouco há novidade em estar vivo.

1925

A tradução de ambos os poemas é de Augusto de Campos (in Poesia Russa Moderna, Ed. Brasiliense, 1985)


2) Óssip Mandelstam

Do Caderno de Vorôniej (*) 
                          1

Como pedra do céu na terra, um dia,
Um verso condenado caiu, sem pai, sem lar;
Inexorável - a invenção da poesia
Não pode ser mudada, e ninguém a irá julgar.
                                             Vorôniej, 20 janeiro 37

                                  2

O que lutou contra o óxido e o bolor,
Qual prata feminina se incendeia,
E o trabalho silencioso prateia
O arado de ferro e a voz do inventor.
                                               Vorôniej, 1937

 
Óssip Mandelstam (1892-1938), poeta singular, identificado com o simbolismo francês, mas também com resquícios simbolistas que também se aproximou do surrealismo. Foi preso em 1924 (era judeu) e, depois de uma segunda prisão, morreu no Gulag da Sibéria, aos 46 anos.

A tradução de ambos os poemas é de Augusto de Campos (in Poesia Russa Moderna, Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman, Ed. Brasiliense, 1985)

(*) cidade onde Mandelstam esteve exilado


3) Anna Akhmátova

1.

Levaram-se ao amanhecer, (*)
Atrás de ti, como no enterro, eu ia,
No quarto escuro, choravam os meninos.
Acaba-se a vela sobre o altar,
Nos lábios teus, do ícone, o frio.
O suor mortal na testa... Não dá para esquecer!
Como as mulheres dos franco-atiradores,  (**)
Uivarei pelas torres do Kremlin (***)

(*) - refere-se à prisão de Nicolai Punin, com quem Ana vivia em 1935.

(**) atiradores seletos do exército moscovita da época de Pedro, o Grande

(***) recorda aqui sua ida ao Kremlin para impetrar a libertação de Nicolai Punin.

2.

Tranquilo corre o Don silencioso,
Amarela, a lua entra em casa,

Entra, o boné de viés,
Vê uma sombra, amarela, a lua.

Essa mulher está enferma,
Essa mulher está so,

Marido na cova, filho no xadrez,
Rogai por mim.

3.

Não, não sou eu, é alguém mais que sofre,
Eu não teria podido. Panos negros de lã cubram
O que se passou,
E levem embora os lampiões...
                                Noite.

 
Ana Akhmátova (1888-1966), pagou um alto preço por seu silêncio sobre a ideologia da Revolução. Considerada "alienada" e "sem consciência crítica",  que mistura o "erotismo" e a "melancolia", pelos camaradas de Stalin (o próprio Maiakoviski também se encarregou de criticá-la publicamente) e, posteriormente, pelo terrível Jdanov, Ministro da Cultura, foi impedida de publicar sua poesia na Rússia durantes exatos 30 anos. Ainda assim, recusou-se a viver no exílio e jamais deixou sua Leningrado (São Petersburgo). A morte e o exílio de tantos amigos (Óssip, Marina Tzvietáieva - a grande poeta que se suicidou após o fuzilamento do marido a a prisão do filho - , Pasternak, entre outros), o próprio marido, (acusado de "anarquista" foi fuzilado) e, por fim, a prisão do filho, o golpe fatal, marcaram profundamente sua poesia.


Estes poemas, tradução livre de Aurora F. Bernardini e Hadasa Cytrynowicz, pertencem ao livro "Réquiem" (Art Editoria 1991) foram escritos entre 1935 e1961 e só publicados na URSS em 1987

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Memória e acarinhamento no rito de passagem II

Conforme prometido no post anterior, deixo aqui registrado mais uma das "mostras explícitas de acarinhamento":

"estranhas formas de vida" é o título do meu mais recente livro (Dobra Editorial/Alpharrabio, 2013). O desenho da capa mais um desenho no miolo são de Constança Lucas, a artista portuguesa que vive e trabalha em São Paulo há muitos anos e com quem tenho a honra de partilhar, há décadas, amizade e inúmeros projetos literários e artísticos. 
Como se já não fosse muito ter me cedido dois desenhos para este meu livro, chegou-me, pelo Sedex, exatamente na tarde do dia dos meus anos, esta surpresa:


O livro era assim:


O exemplar que me chegou foi "redesenhado", "completado", "acrescentado" página a página, da primeira à quarta capa, obra expandida pelas releituras da artista que, por exercer igualmente o ofício da poesia, soube de forma admirável, acrescentar poesia à poesia. Aqui, apenas algumas páginas, para ilustrar o que as palavras não podem traduzir:











Afortunada que sou, tenho agora um livro que é dois livros, obra gráfica e única também, pelos poderes do talento e generosidade de uma artista amiga. Uma parceria, sublinho, que dura já exatos 27 anos, iniciados com o recebimento deste postal, resposta à minha indagação sobre uma revista da diáspora portuguesa, editada na Suíça, da qual Constança era correspondente no Brasil (caminhos tortuosos para consolidar algo concreto e definitivo: uma amizade jamais interrompida:



Bem haja, Constança Lucas!

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Memória e acarinhamento no rito de passagem

Idade nova. No rito de passagem, outro rito ancestral de há muito cumprido, a família em celebração ao redor da fogueira dos afetos. Demonstrações explícitas e implícitas, muitas. Dentre elas, duas marcantes: 1) a que o correio deixou no meio da tarde do dia de ontem (e dela falarei depois); 2) a que se materializou no momento do clássico parabéns, surpresa absoluta. Luzia Maninha, na calada de sempre, "aprontou" mais uma generosidade. Um "mimo" (a coleção já é um clássico no Catálogo das Edições Alpharrabio) com 5 poemas desta escriba, publicados originalmente há duas décadas no Diarinho, suplemento infantil do Diário do Grande ABC, agora ilustrados pelo filho de uma das crianças que os inspiraram, Filipe, meu neto de 5 anos recém-completados. O co-autor de "sonho de há pouco" (título do mimo, retirado de um verso de um dos poemas) não se fez de rogado e, munido de canetas multicoloridas autografou vários volumes para os familiares presentes, com direito a corações vermelhos e beijinhos.  Inteligente como é, com certeza saberá Filipe futuramente discernir o que hoje para ele não passa de uma brincadeira (ainda que "levada a sério") da opção por um ofício que, além de talento, carecerá de muito esforço, dedicação e estudo. Por enquanto, fiquemos com a emoção que o futuro está longe e o momento é de pura descoberta.






Dois dos muitos clics da artista gráfica Luzia Maninha que, além de tudo, também fotografa (e bem):



 Envelhecer assim é tornar o que se espera árduo em pura leveza pelo  milagre do amor. Acreditar. (dtv)

segunda-feira, 1 de julho de 2013

novos poemas



Nesta quinta-feira, dia 04 de julho, às 19h00, na Casa das Rosas, lançamento do número 3 da revista literária Celuzlose, editada pelo poeta Victor del Franco, em parceria com a Dobra Editorial e Editora Patuá.  Honrada em constar ao lado do, entre outros, do poeta Tarso de Melo, que mereceu um belo dossiê de mais de 20 páginas, de Júlio Mendonça (em entrevista sobre a organização do livro Poesia (Im)popular Brasileira: uma antologia necessária), Marcelo Montenegro e Hélio Neri, todos meus vizinhos e camaradas de letras e amizade.
Deixo aqui um dos meus quatro poemas inéditos que integram a revista, do livro em gestação: solidões da memória


rizoma


a infância e a memória
da infância, submersa
na líquida travessia

vez por outra
o atlântico deposita
ossos datados
nas terras do exílio

(a menina antiga
recebe os sinais
códigos esquecidos
legendas para o lembrar
- revivências)

a memória da infância
é a memória possível
(e só à poesia cabe recriar)