sábado, 6 de setembro de 2014

Lisboa, numa crônica de 1986 (inédita) e numa imagem de 2014

É setembro e a cidade, Lisboa. Acompanha-me um moiro na Calçada de Santo Antão, vamos à busca de frutos do mar e olhamos absortos as lagostas nadando nos tanques à porta dos Restaurantes. O vinho é Dão, mas o fado não é o mesmo. O motorista do taxi disse que não há mais fados para portugueses, exceto os fados vadios que acontecem nas festas populares. O fado agora é só para turistas e está sendo cantado em dólar.
Não sei mais de mim, nem deste fado. Sei da pena escorrendo palavras e sangue e desta canção estranha que fala de amor e desventuras. O pensamento vaga pelas vielas estreitas da velhíssima cidade e já não está só, acompanha-o a história e seus personagens, cavaleiros e discretas damas. Todos os poetas cantam e fazem roda, exceto Pessoa, que paira calado num café do Chiado que cheira a açorda. Está só, como sempre esteve, e sem óculos, eles já não lhe fazem falta - pode ler sem enxergar, viu e disse tudo. Seus poemas, despidas dos signos convencionais.
Os espanhóis, por vezo histórico, continuam a invadir Portugal. O grupo de brasileiros ao lado é excessivamente barulhento e é tão falso este fado! A única verdade está aqui, cristalina, na garrafa de uma Dão, safra 1984. É sempre amargo o último gole e o vinho já sabe a saudade. Melhor era nunca partir.


dalila teles veras, Lisboa, setembro/1986



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