domingo, 2 de julho de 2017

71 anos hoje - testemunho

71 anos hoje – testemunho

nasci (como Amália)
no tempo (tardio) das cerejas
por essa razão o meu viver
foi/é tingido de encarnados
chama ininterrupta
para afugentar mornidões

tive amores (circunstanciais e um definitivo)
tive filhas que tiveram filhos e
meus netos são
nenhuma delas/ nenhum deles me pertence
o liame do amor basta, sem nós a sufocar o peito nem a vida

não quero ser jovem (nem sequer parecer jovem)
porque já fui e já não sou
tenho a idade que tenho e sou velha
sim, velha, sem atenuantes semânticos
tenho boa saúde, mas, seguramente
esta não é a melhor idade
apenas uma novaidade
sujeita a ventos e tempestades imprevistas
(mas há – e haverá  - a incomparável luz de outono
vista e sentida setenta e uma vezes)

de material, mais nada desejo
(exceto livros, vírus incurável e não transmissível que,
para minha frustração, não consegui transformar em epidemia)

tenho fomes, ainda
muitas fomes...
(e preciso de quem as mitigue comigo)
antes da lápide
              a vida em brasa
antes das cinzas
                o fogo


dtv 02.07.2017

E.T.: entrei no facebook já há alguns anos. não permiti que a data de meu nascimento fosse de caráter público, ainda que tudo que publico aqui o seja. não que me importe com o número de anos, informação que jamais escondi, mas como espécie de “teste”, a ver quem a lembra sem lembrado ser pelo robô cibernético. como mudam-se os tempos (e as vontades, sabia bem o poeta maior) hoje deu-me vontade. e só porque deu vontade, publiquei este “testemunho” e anunciei a data. também porque deu vontade, decidi que a data será festejada tanto quanto no ano passado, ou seja, durante todo o mês de julho. só porque estou viva e tenho fomes.
E.T.: originalmente publicado, nesta também, no Facebook


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