domingo, 11 de junho de 2017

Renata Pallottini – de viva voz

Meu sábado passado, 10 de junho, compreendeu uma verdadeira maratona poética de 5 horas (sem sair do lugar) na Casa das Rosas e posso dizer que nem saí cansada de tal empreitada.

Após participar do Sarau Camões, convidei Renata Pallottini  (que também participara) para um café, no Caffè Ristoro, um lugar aconchegante situado nos fundos, enquanto esperaríamos pelo início  do “Viva Voz”, um projeto da Casa, no qual um poeta é convidado para “falar sobre sua trajetória literária, seu processo de criação e outros assuntos relacionados à poesia e a suas conexões com a vida, bem como para realizar leituras públicas de seus poemas.” Ela (86 anos absolutamente insuspeitos): - café, só se for pra você, vou de vinho”. Fomos. Um chileno tinto e um salgado para garantir o estômago saudável.


Pontualmente, às 19h30, os “mestres de cerimônia” Reynaldo Damazio e Julio Mendonça iniciaram a entrevista/conversa com Renata, com Reynaldo lendo este belo poema:

Minhas velhas

As minhas velhas
Tinham lá os seus modos
De aldeias antigas:
Guardavam o dinheiro
Em lenços enrolados
Que depois enfiavam
No meio
Dos Seios

Era um dinheiro que cheirava a leite
A suor, a comida e privação

Um dinheiro sofrido e bom
Como o primeiro coito

As minhas velhas sabiam das coisas:
Fui eu que me esqueci.

(do livro “Chocolate amargo”, editora brasiliense 2008

Estava, assim, estabelecido o estado poético que foi pontuando o depoimento e as leituras de Renata que, do alto de suas vivências por Sampa (sempre), mas também Oropa, França e Bahia (e Cuba, país onde ministrou aulas de cinema), encantou a plateia, falando de sua diversificada e reconhecida obra literária que abrange ensaio, teatro, romance, poesia, sempre recheando sua fala com tiradas de bom humor e leveza.

Li este poema dela e para ela:

“No princípio criou Deus o céu e a terra.
                                                         Gênesis – 1:  1

Primeiro foi a noite. E a noite feita,
desta engendrou-se a luz, julgada oba.
Depois, fez-se o agudo desespero
do céu. E a terra. E as águas separadas.

E um mar se fez, da lúcida colheita
das águas inferiores. A coroa
tornou-se firmamento. “Haja luzeiros” –
ordenou-se às estrelas debulhadas.

Houve flores estáticas e flores
que procuravam flores; e houve a fome
de carne e amor e dessa fome as dores

e das dores o Homem. Deste, esquiva,
toda fome, sua fêmea, e no seu sexo,
mais uma vez a noite primitiva.
                                                         (6-9-1954)

in Livro de Sonetos, Massao Ohno, SP, 1961



Durou uma hora e meia e... ninguém percebeu. Perguntei-lhe como havia chegado à Casa das Rosas e ela: - "andando (minha casa fica a cerca de 500 metros daqui)". Detalhe: carregava uma maleta cheia de livros. E como voltará, a esta hora? - "Da mesma forma, caminhando" (dei um "toque" para uns amigos, no sentido de não deixá-la cumprir sua intenção, mas ainda não sei dizer se a cumpriu, senhora que é de suas vontades). 

Um comentário:

  1. Lendo seu texto, senti-me dentro da atmosfera em que você estava. Duas poetas de que gosto muito e de cujas obras e trajetórias sou admiradora. Obrigada por compartilhar.

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