No encontro Sábados PerVersos – A poesia em questão, de agosto, realizado no primeiro sábado do mês, na Livraria e Espaço Cultural Alpharrabio, Deise Assumpção, a coordenadora do mês, trouxe o livro Opções para morrer no espaço (Editora Patuá, 2024) desta escriba para ser lido e comentado através de vários dos poemas que o integram, como também leu uma resenha crítica assinada por ela.
Foi uma honra e alegria ver os poemas do meu mais recente livro, lidos, analisados, comentados. Que mais poderia querer uma poeta, além de ser lida e comentada por leitores críticos e pensadores da poesia?
Abaixo, a resenha crítica do livro por Deise Assumpção:
Parece
tomada de uma pressa em expressar-se diretamente ao correr do pensamento e do
teclado.
Os
poemas, que em vez de títulos utilizam-se de numerais em algarismos romanos
para se identificarem, constroem-se fugindo a rimas, pontuação, esquema de
estrofes e métrica. Se é verdade que sempre sua linguagem poética nunca se
prendeu a regras e outros procedimentos poéticos, mas buscava a economia de
dizer o muito com o mínimo, agora os poemas deslizam pelas páginas
alongando-se, e os próprios versos alongam-se e quebram-se onde menos se
espera, talvez cedendo apenas aos respiros da ânsia expressiva.
Tal
procedimento, mais as palavras atropelando-se pela ausência de qualquer
pontuação ou recursos visuais, emaranham o leitor na busca do sentido e da
dicção.
Cria-se
uma avalanche em que o eu-poético despeja toda sua fúria por sentir-se indefeso
perante as injustiças que grassam ao redor, as irresponsabilidades que colocam
vidas em perigo, o jogo de poder e a ganância imperante, e ainda os seres impermeabilizados do poema XII.
Indefeso e também incapaz de uma ação concreta a colaborar na transformação
desse caos asfixiante. O poema V nos diz que passar ao largo agora é questão de sobrevivência / – impotência
disfarçada de arrogância – e pura
estratégia de guerra não declarada. Assim, a poesia torna-se a arma possível
para continuar respirando, pois o poema XVII pergunta como reinventar a humanidade que não deu certo. Mas transfigurar a
dura realidade em poesia é vingança
servida quente (poema XXIII).
Forma
e conteúdo coadunam-se, criando um todo expressivo.
Assim,
vemos, já no primeiro poema do livro, a descrição de um lauto café da manhã de
que o eu-poético usufrui. No entanto, tal refeição choca-se de imediato com o sentimento de culpa pela fome alheia.
Observemos os dois últimos versos da primeira estrofe:
com manteiga café
expresso duplo e um triplo
sentimento de
culpa pela fome alheia
A partir daí, o poema segue o
eu-poético que vai se imiscuindo ao mundo. De início, na segunda estrofe, de
manhã, ainda dentro de casa, esse mundo se mostra pela TV, a desdobrar aos desempregados esfaimados possibilidades
impossíveis. Na terceira estrofe, já à tarde, e já no burburinho da rua, temos a
correria pela sobrevivência (e pelo sonho impossível). Na quarta estrofe,
fecha-se o ciclo do dia, vem a noite, com o sono
da exaustão e os sonhos impostos e
alheios dos fodidos pelas
injustiças em camas insalubres. E
mesmo não dita, fica sugerida a cama macia de que o eu-poético dispõe.
Esse
inconformismo com a finitude nos remete ao próprio título do livro, extraído de
um verso do poema XV: opções para morrer
no espaço. Ante as opções científicas de transformar-se em estrela cadente e consumir-se ou em asteroide a vagar para sempre no espaço,
esse eu-poético manifesta, mesmo que saiba não ser possível, seu desejo de ...permanecer a vagar na órbita do sol / mínima
e incapturável. Desejo de eternidade e de fazer valer sua vontade mesmo
após a morte.
No poema XXXVI opções para morrer no espaço quase se encerra com um poema-ladainha a invocar os santos-escritores-poetas-artistas das estantes para a vivência estética.
De sobejo, no poema XXXVII, fechando o livro, o eu-poético traz uma contemplação da vida percorrida (77 anos): sobrevivente declarada sou, sobrevivente às intempéries narradas, no sentido mais extenso, figurado e simbólico que tal palavra comporta, através de seu lendo e criando, criando e lendo.
Deise Assumpção inverno de 2024
Deixo aqui o meu agradecimento aos presentes que tão generosamente se debruçaram sobre meus poemas: Deise Assumpção, Rosana Chrispim, Marcello Vitorino, Márcia Plana, Encarnación Melgar, Isabela Agrela Teles Veras, Vanessa Molnar e Fernanda Pompeu. Bem hajam!
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