quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Opções para morrer no espaço é lido e estudado no Sábados PerVersos


No encontro Sábados PerVersos – A poesia em questão, de agosto, realizado no primeiro sábado do mês, na Livraria e Espaço Cultural Alpharrabio, Deise Assumpção, a coordenadora do mês, trouxe o livro Opções para morrer no espaço (Editora Patuá, 2024) desta escriba para ser lido e comentado através de vários dos poemas que o integram, como também leu uma resenha crítica assinada por ela.

Foi uma honra e alegria ver os poemas do meu mais recente livro, lidos, analisados, comentados. Que mais poderia querer uma poeta, além de ser lida e comentada por leitores críticos e pensadores da poesia?

 Agradeço publicamente à poeta Deise Assumpção, autora do livro Cidade Cativa, publicado recentemente pela Alpharrabio Edições, pelo gesto de camaradagem poética entre quem há tanto tempo reparte o pensar.

Abaixo, a resenha crítica do livro por Deise Assumpção:

 opções para morrer no espaço: A poeta em fúria

 Em opções para morrer no espaço, Dalila Teles Veras rompe com a linguagem até então desenvolvida em seus livros de poemas anteriores.

Parece tomada de uma pressa em expressar-se diretamente ao correr do pensamento e do teclado.

Os poemas, que em vez de títulos utilizam-se de numerais em algarismos romanos para se identificarem, constroem-se fugindo a rimas, pontuação, esquema de estrofes e métrica. Se é verdade que sempre sua linguagem poética nunca se prendeu a regras e outros procedimentos poéticos, mas buscava a economia de dizer o muito com o mínimo, agora os poemas deslizam pelas páginas alongando-se, e os próprios versos alongam-se e quebram-se onde menos se espera, talvez cedendo apenas aos respiros da ânsia expressiva.

Tal procedimento, mais as palavras atropelando-se pela ausência de qualquer pontuação ou recursos visuais, emaranham o leitor na busca do sentido e da dicção.

Cria-se uma avalanche em que o eu-poético despeja toda sua fúria por sentir-se indefeso perante as injustiças que grassam ao redor, as irresponsabilidades que colocam vidas em perigo, o jogo de poder e a ganância imperante, e ainda os seres impermeabilizados do poema XII. Indefeso e também incapaz de uma ação concreta a colaborar na transformação desse caos asfixiante. O poema V nos diz que passar ao largo agora é questão de sobrevivência / – impotência disfarçada de arrogância – e pura estratégia de guerra não declarada. Assim, a poesia torna-se a arma possível para continuar respirando, pois o poema XVII pergunta como reinventar a humanidade que não deu certo. Mas transfigurar a dura realidade em poesia é vingança servida quente (poema XXIII).

Forma e conteúdo coadunam-se, criando um todo expressivo.

 Esse eu-poético mostra-se muitas vezes dividido entre a possível tranquilidade da vida de que desfruta e a fome, a pobreza, a doença, as condições extremamente precárias de sobrevivência a que está submetida a maior parte de seus semelhantes.

Assim, vemos, já no primeiro poema do livro, a descrição de um lauto café da manhã de que o eu-poético usufrui. No entanto, tal refeição choca-se de imediato com o sentimento de culpa pela fome alheia. Observemos os dois últimos versos da primeira estrofe:

com manteiga café expresso duplo e um triplo

sentimento de culpa pela fome alheia

 A quebra do verso em e um triplo e não em duplo, como conviria pelo sentido do texto, causa estranheza, mas aproxima o par duplo/triplo e torna o sentimento de culpa muito maior, que é triplo perante o café expresso duplo.

            A partir daí, o poema segue o eu-poético que vai se imiscuindo ao mundo. De início, na segunda estrofe, de manhã, ainda dentro de casa, esse mundo se mostra pela TV, a desdobrar aos desempregados esfaimados possibilidades impossíveis. Na terceira estrofe, já à tarde, e já no burburinho da rua, temos a correria pela sobrevivência (e pelo sonho impossível). Na quarta estrofe, fecha-se o ciclo do dia, vem a noite, com o sono da exaustão e os sonhos impostos e alheios dos fodidos pelas injustiças em camas insalubres. E mesmo não dita, fica sugerida a cama macia de que o eu-poético dispõe.

             Outro aspecto que emerge dos poemas está no questionamento da finitude. No poema IV, o trato entre as três velhas damas indignas busca dar um sabor de descontração ao tema. O poema II, questionando a tecnologia e o capital financeiro que reduzem a humanidade a produto de mais-valia até no post mortem, termina com o eu-poético constatando sua ingenuidade ao pensar que seu corpo morto se transformaria em cadáver estelar.

Esse inconformismo com a finitude nos remete ao próprio título do livro, extraído de um verso do poema XV: opções para morrer no espaço. Ante as opções científicas de transformar-se em estrela cadente e consumir-se ou em asteroide a vagar para sempre no espaço, esse eu-poético manifesta, mesmo que saiba não ser possível, seu desejo de ...permanecer a vagar na órbita do sol / mínima e incapturável. Desejo de eternidade e de fazer valer sua vontade mesmo após a morte.

 Como não poderia faltar à poeta que desde sempre pensa a poesia, a metalinguagem surge em vários momentos. O poema III, ante a desumanização do humano pela tecnologia, brinca com a palavra metaverso, afirmando que esse tal verso nem poesia é. Ante a necessidade de travessia do rubicão (poema VI), encontramos a poeta e seu pálido poema. Já o poema XXVII diz: no poema / o eventual aprendizado renasce pleno / apenas no leitor. A descrição da gestação do poema, seu nascimento, até atingir sua forma concreta, passando pelo corpo do/da poeta, encontra-se no poema XXXIII.

No poema XXXVI opções para morrer no espaço quase se encerra com um poema-ladainha a invocar os santos-escritores-poetas-artistas das estantes para a vivência estética.

De sobejo, no poema XXXVII, fechando o livro, o eu-poético traz uma contemplação da vida percorrida (77 anos): sobrevivente declarada sou, sobrevivente às intempéries narradas, no sentido mais extenso, figurado e simbólico que tal palavra comporta, através de seu lendo e criando, criando e lendo.

Deise Assumpção inverno de 2024

Deixo aqui o meu agradecimento aos presentes que tão generosamente se debruçaram sobre meus poemas: Deise Assumpção, Rosana Chrispim, Marcello Vitorino, Márcia Plana, Encarnación Melgar, Isabela Agrela Teles Veras, Vanessa Molnar e Fernanda Pompeu. Bem hajam!

 

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