quinta-feira, 30 de novembro de 2017

60 Anos de Brasil - uma pequena história emigrante (a minha)




No dia 29 de novembro de 1957, uma sexta-feira, o “Santa Maria”, paquete português pertencente à Companhia Colonial de Navegação, atracou no Porto de Santos. Dentre turistas (na primeira classe) muitos emigrantes (terceira classe) vinham em “caráter permanente”, como era o caso da família Olival/Agrela, a minha (Manuel de Jesus Agrela, Maria de Lourdes do Olival, Dalila Isabel Agrela, José Manuel Agrela, Maria Floripes do Olival Agrela).
29 de novembro de 2017 foi ontem, mas como não me apercebi da data, celebro hoje os meus 60 anos de Brasil, em forma de abraço fraterno aos meus irmãos brasileiros e com alguma poesia.
A infância e a travessia foram objeto dos poemas do meu livro “solidões da memória” (Alpharrabio/Dobra, 2015). 



Neste poema, chegada, falo da viagem e do impacto com a terra prometida.

chegada
  
       Para a frente era só o inavegável
        Sob o clamor de um sol inabitável
                                       Sophia de Mello Breyner Andresen


onze foram os dias
enjoo,  sarna e tédio
terceira classe
paquete santa maria

da terra prometida
primeiro, o recife
amarelos inaugurais

aos emigrantes, o
delimitado espaço
do porto, aos turistas
a cidade  (entre)vista
do cais

(aos que vinham
para o trabalho
ver o trabalho
era  o limite)

via-se
:
corpos gingantes, a estiva
torsos negros azuis suados

e o cheiro despudorado
do abacaxi a anular o resto

 (o brasil tinha cheiro
e era de ananás)

Nota: O navio Santa Maria, construído entre 1952 e 1953, na Bélgica por encomenda do Governo Português, fazia parte do “Plano de Renovação da Marinha de Comércio”, tido como “Despacho 100” e implementado por Américo Tomás, então ministro da Marinha de Portugal. Fez parte desse plano a construção de 56 navios para a Marinha Mercante portuguesa. Juntamente com o seu similar, o “Vera Cruz”, construído um pouco antes, esses navios ficaram conhecidos como “navios do Despacho 100”.
A viagem inaugural do Santa Maria ocorreu em 1953, com destino ao Brasil, Uruguai e Argentina. Durante sua carreira (1953-1973) fez carreira regular entre Portugal e as Américas (do Norte, Central e do Sul). Foi o único paquete português com linhas regulares para portos dos EUA.


Não foi, entretanto, por essa carreira trivial transportando mercadores e passageiros que o Santa Maria ficou célebre.  Em 21 de janeiro de 1961, um grupo de exilados políticos portugueses e espanhóis, ligados à “Direção Revolucionária Ibérica de Libertação” que, à época, faziam oposição política aos governos ditatoriais de Salazar e Franco,  sequestrou o navio que passou a ser chamado de “Santa Liberdade” pelos revolucionários. No comando do navio sequestrado, ação denominada “Operação Dulcineia”, estavam o Capitão Henrique Galvão e Jorge de Soutomayor. A lamentar o assassinato do oficial João José Nascimento Costa, 3º piloto. O sequestro, muito barulho depois, acabaria no Porto do Recife, no dia 2 de fevereiro. Foi o primeiro sequestro político de um transatlântico da história contemporânea.  O seu final não teve nada de glorioso. Ainda relativamente  novo e navegando, foi vendido, em 1973, para a China, para desmanche.

Concluindo, não escolhi emigrar, mas escolhi ser brasileira sem deixar patente a minha nacionalidade portuguesa. Sou uma escritora brasileira nascida em Portugal (a minha sintaxe não é a lusitana, como é de se esperar de alguém que saiu de seu lugar de nascença aos 11 anos e vive há 60 noutro, o da escrita). dtv

4 comentários:

  1. Dalila! Parabéns pelo "nascimento" brasileiro. Que bom tê-la conosco!
    E obrigada por mais uma postagem a nos informar e emocionar.

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    1. mais uma vez, gratissima, querida amiga. sempre presente e com tão generosa leitura. abração

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  2. Querida Senhora, grata pelo seu poema, grata pela sua História de Vida, que terá sido sofrida... mas naturalmente com intensas histórias, que fizeram da senhora, a grande Pessoa da Cultura, que é! Um abraço.

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  3. Muitíssima obrigada, caríssima Lili. Fico muito honrada com suas palavras. Retribuo o abraço, sempre fraterno e grato.

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