Poesia
sem Quartel – Sarau Casa das Rosas 13.8.2016 - 2 (continuação)
ESPERA
Aos Metalúrgicos do ABC – 1980
O
ódio
é tamanha a repressão!
O
nojo
são tantas as armas!
A
raiva
diante da impotência!
O
grito
estrangulado nas
gargantas secas e caladas
nos músculos tensos
nos punhos cerrados
nos corpos sofridos
O
cansaço (o medo)
A vertigem!
Mas
uma força, uma grande força
Sustenta
estes corpos, fortifica-os:
As
máquinas estão lá, paradas,
Dependendo
desses braços
Os
homens, não mais máquinas
Esperam
Quase
trapos, mas homens!
Esperam
Dalila
Teles Veras in Lições de Tempo, 1982 (poeminha um tanto quanto panfletário,
rejeitado pela autora, mas que na ausência de algo melhor para este dia, serve
como memória de nossa história recente)
CAÇADA
O
dia e sua cilada
surgiram
de surpresa.
No
instante iníquo
não
consegui rastear
a
fuga. Sabia-te indefeso
à
mira, ao tiro
Despedaçara-te.
Em
cega fúria de fera
empunho
meu escudo
de
veneno e ódios.
Antecipo-me
Retomo-te
em meus dentes
e
prossigo.
TEMPO
DE DESERTO
Quem
resiste a esse
tempo
de deserto?
Que
olhos vêem esse
horizonte
cinza?
Quem
nos abisma
nessa
travessia?
Quem
nos legou
escombros
e salinas?
Quem
permanece vivo
entre
esses mortos?
Lara
de Lemos (Porto Alegre, 1923, Rio de Janeiro 2010), in Adaga Lavrada, Civilização Brasileira/Massao
Ohno, 1981
BURITI
CRISTALINO
para Lamarca e outros
Ele
andou por três dias
na
caatinga.
No
quarto dia ajoelhou
de
fome.
No
quinto adormeceu ao pé da baraúna.
No
sexto foi encontrado e metrado pelos guardas.
E
no sétimo
descansou.
Renata
Pallottini – Cantar meu Povo, Massao
Ohno, 1980
D.
QUIXOTE EXPLODE
para Alfredo, meu pai
Todas
as noites
minha
rua explode
como
Hiroshima
e
Nagasaki
como
a adolescente
que
explodiu
o
mundo no banheiro.
Como
a Lagoa Rodrigo de Freitas,
num
cogumelo
de
peixes apodrecidos
que
sobe ao topo
dos
sergios dourados.
Cada
estrela
estoura
e
some
atrás
da fumaça.
A
Lua
não
tem mais graça
é
um astro rouco
e
sem parceiro de espaço.
Explode
o aço jovem
dos
tempos de guerrilha
e
a ilha
e
a trilha
do
mundo
explode
minha família
a
igreja, as mães e os filhos;
Deus
se perde...
Explode
meu pai
pelos
ares
o
último D. Quixote
do
século
como
um vento magro,
vai
vendo
suas
histórias
acontecerem
Denise Emmer (RJ 1958), in Flor do Milênio,
Civilização Brasileira, 1981
(*)
Alfredo Dias Gomes, dramaturgo
Um
estado muito interessante
Conheço
o meu país
no
escuro – pelo tato.
E
se me amarram as mãos nas costas
conheço
pelo cheiro.
E
se me tapam o nariz
ainda
assim conheço o meu país
pelo
que dele sobra
às
minha volta.
Não
conheço o meu país pela boca.
Não
conheço o meu país pelos ouvidos.
Não
conheço o meu país pelos olhos.
O
que a boca solta o ouvido não encontra,
o
papel não grava, o olho não recorta.
Conheço
o meu país
mas
não o conheço de dentro
Também
não o conheço de fora.
Conheço-o
de lado
Quer
dizer que o conheço
sem
relevo
Muito
curioso esse país rasante
como
um vôo rasteiro.
Meu
país bicho-de-concha
para
dentro de sua casca
sem
contorno.
Mito
curioso esse país no escuro
sem
local exato de pouco para os dedos.
Muito
curioso esse país de cheiros
sem
apoio.
Muito
curioso
e
muito interessante.
O
termo é este.
Um
país interessante
é
como uma mulher em estado interessante?
Uma
mulher em estado interessante
sempre
acaba
em trabalho de parto?
invevitavelmente?
não há outra saída
além
daquela prevista na barriga?
Um
país muito barrigudo
é
uma mulher inchada –
de
basófia ou filhos?
A
comparação nã ocabe, entre pessoas
estados,
de corpo, alma e federativos?
Ou
cabe até demais?
É
isto mesmo.
Tudo
cabe em um país.
Ou
não?
Como
tirar a dúvida? Por exclusão
do
que primeiro?
estados?
almas? pessoas?
o
que ficar? sobra? federação? filhos?
o
que faço
se
não controlo as respostas
pela
boca; assobio? (....)
No
escuro meu país é simples.
Dois
sentidos bastam.
E sobram.
Se
nenhum sentido
meu
país teria
a mais perfeita ordem.
Zulmira
Ribeiro Tavares, in 26 poetas Hoje, org. Heloisa Buarque de Hollanda, 1976,
paulista, 1930
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