Parte I - a primeira cidade
Quadro dias hospedados em um hotel, um feriado espremido ao meio, em pleno centro (o
velho) de São Paulo, exatamente a 22 km de casa. Uma viagem, garanto (na própria terra).
Proposta: flanando, mapear algumas dessas
"cidades" dentro da megalópole.
A primeira atração da viagem: o próprio hotel. Ícone da
arquitetura modernista, com uma história (histórias) fantástica que se confunde
com a cidade em toda a segunda metade do Século XX.
Projetado pelo arquiteto alemão Franz Heep sobre um projeto
já existente desde 1946, da família Mesquita, para abrigar o jornal O Estado de
São Paulo, a rádio Eldorado e o hotel Jaraguá no então chamado Centro Novo. O
ousado edifício foi concluído em 1954 em plenas festividades do IV Centenário
da cidade, recebendo em suas instalações os participantes da primeira edição do
Festival Internacional de Cinema ocorrido naquele ano. A partir daí, tornou-se uma referência
internacional. Personalidades ligadas ao mundo das artes, do cinema, chefes de
estado, empresários, heróis, reis e rainhas, passaram por ali. A instalação de
hotéis concorrentes nos arredores e, posteriormente, a ida das grandes redes
hoteleiras para o "novo centro", ou seja, Av. Paulista e entorno, contribuíram
para que o hotel entrasse em decadência e consequente fechamento em 1998. Bem
antes, o próprio jornal O Estado de São Paulo já havia saído de lá.
Já com novos proprietários, o edifício sofre uma reforma
interna radical. A parte externa e os murais artísticos (Di Cavalcanti e Clóvis
Graciano) ficaram inalterados, pois são tombados como Patrimônio Histórico
Estadual.
Uma pena que, para sobreviver, o hotel desta história toda,
tenha se submetido aos desígnios dos novos tempos, ou seja, voltado para o
turismo de "negócios" deixando poucos vestígios do glamour dos
turistas que viajam pelo prazer da viagem. Uma pena que hoje, esse turistas (brasileiros
e estrangeiros) também não sejam informados do quanto aquele então "Centro
Novo" e hoje chamado de "Centro Velho" pode ainda oferecer em
termos de atrativos.
(Mais detalhes arquitetônicos desse edifício, bem como de suas
circunstâncias histórias podem ser obtidos, AQUI . Trata-se de um trabalho apresentado pela arquiteta
urbanista Carmem Alvarez, em 2007, no Seminário "O Moderno já Passado / O
Passado no Moderno", em Porto Alegre. Vale a pena conhecer.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas, ainda assim,
com uma boa dose de imaginação e sentido da história, o viajante da atualidade
poderá entrar no clima do vivido alheio e usufruir do clima do momento do qual
sempre se pode extrair encantamento, uma vez que é composto de gente e gente,
como queria o poeta, é para brilhar.
Durante os dias que lá estivemos, assistimos, como ocorre em
hotéis de grande circulação no mundo inteiro, tanto ao café da manhã quanto
simplesmente sentados no hall de entrada a fingir que se lê o jornal do dia, mas
atentos ao espetáculo de culturas, através dos viajantes que ali ficam hospedados
em Congressos e Seminários internacionais, do qual tiramos muitas destas informações.
Dois grandes grupos (um indiano e outro senegalês) chamavam
atenção pela beleza física e trajes de suas mulheres. No lugar da Rainha
Elizabeth que por lá passou nos anos 50, uma incógnita (ao menos para mim)
rainha africana que, ao lado do seu belo par e do alto de seus 1,80m, circulava
com uma colorida e segura leveza que deixava tudo ao redor em suspenso. Os
brilhos dos panos das indianas, com seu andar manso mas decidido também
iluminavam os espaços comuns. O espetáculo de cores e sorrisos era todo
comandado por elas, na sua grande maioria, ladeadas de homens opacos, amarrados
com crachás de identificação ao peito, semblantes sombrios.
A recusa ao crachá - essência da revolução feminista, não
tenho dúvidas.
excertos do diário de bordo:
quem, antes entrou?
|
quem antes se viu?
quem antes se deitou?
quem, à janela deste 23º andar
mirou tantas outras janelas?
que cenas anotou? |
Sair e ver de perto o que de cima é irreal
(anotar as sombras)
Dalila! Obrigada! Que inspiradora a sua postagem. Nós, que achamos que viajar é ir para longe, precisamos que nos digam de vez em quando: pare, fique e desfrute! Um abraço, querida!
ResponderExcluirComo já andei longe, cada vez mais desejo o "mais perto". E, você sabe, essas viagens para "perto" já fazem parte da nossa rotina, há anos. E são sempre novas e fascinantes. Abraços
ExcluirLinda viagem! Em torno de cada um de nós gira um universo.
ResponderExcluirGrata, caríssimo Daniel. Muito me honra sua leitura.
ResponderExcluir