sexta-feira, 25 de abril de 2014

25 de Abril: Dos poetas que não se calaram (porque hoje é dia de sentir-me portuguesa)


Muitos foram os poetas que não se calaram no período de trevas da ditadura salazarista. Selecionei alguns, dos que, de memória, constavam da minha estante. A eles a nossa homenagem nestes 40 anos do 25 de Abril de 1974


SOPHIA DE MELLO BRYNER-ANDRESEN

 "Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do Tempo"
                     (do poema 25 de Abril, in O Nome das Coisas)


ZECA AFONSO
 "Em cada esquina um amigo
em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
terra da fraternidade"
      Zeca Afonso que tanto cantou a "escuridão" viu estes versos transformados em senha e hino da revolução dos cravos, a mais bela das que se tem notícias, a revolução sem sangue.


JOSÉ JORGE LETRIA

 José Jorge Letria, poeta que também não se calou durante e após as trevas (leia-se "Coração em Armas", Livros Horizonte, 1977)  e que dedica ao amigo morto Zeca Afonso o comovente "Carta a Zeca Afonso" (Universitária Editora, 1999, Lisboa), do qual retiramos estes versos:
"Estavas irremediavelmente de passagem,
como as andorinhas e os cometas,
semeando primaveras no crepúsculo de cada
                                                    Outono,
espalhando claridade no tempo da nossa treva."


MANUEL ALEGRE

Um poema antecipatório, que fala de um outro Abril, no "País de Abril" que viria a ser também o Abril libertador
"Tu Rapariga do País de Abril
tu vens comigo. Não te esqueças
da Primavera. Vamos soltar
A Primavera no País de Abril"
    ("Última página" - fragmento)
 "Abril tão triste no País de Abril. Por fora
é tudo verde. (Abril com máscaras de festa.)
Por dentro - minha pátria a rir como quem chora.
(A festa da tristeza é tudo o que lhe resta.)
Abril tão triste no País de Abril. Aqui
a noite. Aqui a dor. Meninos velhos
- minha pátria a chorar como quem ri
em surdina em silêncio. E de joelhos"
    "País de Abril", fragmento)
       
JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS

"Cantar aqueles que partiram
é dar força à liberdade
as flores vermelhas que os cobriram
tornaram alegre a saudade."
            ""De pé, oh companheiro" fado interpretado por Luísa Basto


DAVID MOURÃO-FERREIRA

"Por teu livro pensamento
foram-te longe encerrar.
Tão longe que o meu lamento
não te consegue alcançar.
E apenas ouves o vento.
E apenas ouves o mar.
Levaram-te a meio da noite:
a treva tudo cobria.
Foi de noite, numa noite
de todas a mais sombria.
Foi de noite, foi de noite,
e nunca mais se fez dia."
   (primeiras duas estrofes de  "Abandono", fado interpretado por Amália Rodrigues, que viria a ser conhecido como "Fado Peniche" numa referência ao Forte Peniche, prisão de alta segurança para onde eram levados (e torturados) os presos políticos e de onde se deu a célebre fuga de Álvaro Cunhal! Amália jurou que cantava Abandono "apenas como uma história de amor". A PIDE acreditou, ou fingiu acreditar e o fado, de referência mais do que explícitas, nunca foi censurado, mas o governo "apenas" recomendava às rádios que "se abstenham de tocar a música". Interessante lembrar que o grande poeta David chegou a incluir em "Obra Poética" 2 vls. Livraria Bertrand, 1980), esse e mais 11 poemas/letras para fado e deu ao conjunto o sugestivo título de "À Guitarra e à Viola". Além de "Abandono", poemas como "Libertação", "Aves Agoirentas" e "Noite Apressada" possuem claras referências políticas, mas Amália cantava-os como se fossem canções de amor (e eram... à pátria).


ALEXANDRE O´NEIL

do exílio, na Dinamarca:
 "Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor"
      (primeiras duas estrofes do poema "Um Adeus Português" em "No Reino da Dinamarca", 1958)
"Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós..."
        (do poema "Portugal", incluído no livro "Feira Cabisbaixa, 1965)
"Se uma gaivota viesse
trazer-me os céus de Lisboa
(...)
Que perfeito coração
morreria no meu peito,
meu amor, na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração"
   ("Gaivota", poema musicado por Alain Oulman e interpretado por Amália Rodrigues

Muitos mais haveria, mas deixo aqui aberta a possibilidade da pesquisa.

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