domingo, 21 de fevereiro de 2016

solidões da memória – notícias e impressões de leitura – V

Mais uma leitura crítica de "solidões da memória", assinada pela escritora Maria de Lourdes Hortas, portuguesa de nascimento radicada no Recife, PE, publicado em 09.2.2016, em seu blog:   CLIC AQUI

Acerca do Livro solidões da memória, de Dalila Teles Veras
                                                       
 a memória da infância
 é a memória possível
 (e só à poesia cabe recriar)
                          Dalila Teles Veras
                                                                                       

Dalila Teles Veras nasceu na Ilha da Madeira em 1946, mas veio para o Brasil, acompanhando a família aos onze anos de idade. Atualmente vive em Santo André,  SP. Sem dúvida, trata-se de uma das  mais significativas escritoras da literatura  lusófona contemporânea, sobretudo porque, sendo imigrante, pertence à literatura de duas pátrias.
Pela Alpharrabio Edições, que comanda, publicou recentemente (2015)  o livro Solidões da Memória, onde está patente a  condição de quem, como ela muito bem diz nas anotações finais,”ter duas pátrias é como estar em permanente estado de exílio”. 
O título do livro foi inspirado por um verso de Raul Bopp, citado nas epígrafes iniciais: Saudade é uma revivescência/Solidões da Memória/ coisas que ficaram do outro lado do mar.  
Além do poeta modernista, muitas das afinidades literárias da autora desfilam nas epígrafes que abrem todos os seus poemas: Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner, Guimarães Rosa, Drummond, e tantos outros altíssimos nomes. Ao nos revelar os padroeiros  da sua poesia, Dalila confirma que todos os poetas se constroem  não só da sua vocação e sensibilidade, mas de tudo o que leem e vão absorvendo, conscientemente ou não, ao longo do seu itinerário existencial.
Neste memorial, Dalila Teles Veras dá relevo ao mundo da infância, lugar de impossível regresso:

o regresso
(ainda que
da memória seja
o mergulho
vertical e fundo)
é paz impossível.
  (in  A Ilha à minha porta amarrada)

Forte e densa, tecida com a exatidão das palavras essenciais, assim é a poesia de Dalila Teles Veras, de contido sentimento, como contida foi a sua Educação pelo silêncio (pg. 23): 

“Rosto vincado/palavras poucas/a avó (...) em silêncio (...) as palavras inauditas (...)
em silencio, celebrávamos/o pacto de sangue/ na pedra firmado, código/para enfrentar sortilégios.”

Esse código de silêncio, para enfrentar sortilégios me parece ser a chave da poesia de Dalila Teles Veras. Escassez descrita no poema do mesmo título:

consumo escasso
diversão escassa
existir escasso (...)

Ecos de escassez que, de resto, marcam a sua escrita:

 (...) na austeridade da arca
 a casa
 reduzida ao essencial.
(in  bagagem )

No final do livro Dalila nos revela a sua Caderneta de Anotações, datadas de maio de 2012, por ocasião de uma viagem à Ilha da Madeira. Ali encontramos certamente muitas das matrizes dos poemas de “Solidões da Memória”. Todavia, mais do que nessas breves anotações, sentimos que os “rizomas” da sua profunda insularidade, ela os foi buscar no inominável espaço onde guarda as cicatrizes e pegadas da sua história.
Recife, fevereiro, 2016
Maria de Lourdes Hortas


confidência de madeirense
                           Alguns anos vivi em Itabira.
                           Principalmente nasci em Itabira.
                               Por isso sou triste,
                                        orgulhoso: de ferro.
                                                   Carlos Drummond de Andrade


alguns anos vivi na madeira
principalmente nasci na madeira
por isso sou melancólica, teimosa: urze
de nascença, em luta frente às intempéries
(do solo, do vento e das vagas marítimas)
alma em permanente desassossegar

da madeira nada de material veio comigo
e não há nada que eu possa ofertar
mas da madeira vem este ar atrevido
a língua maldicente e áspera
e o hábito de tudo reclamar
atavismos que a consciência, por vezes
                             rejeita

a madeira não é apenas fotografias
é a memória real dos precipícios
                    e das vertigens
encordoamento
       do que não parecia lembrado
                     mas é
a memória do que não foi
                   mas poderia

e sequer dói

Um comentário:

  1. Obrigada, Dalila, por ter compartilhado o meu texto no seu blog.Muito me honra. Abraço luso-pernambucano.

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