No dia 6 de outubro de 1999 escrevi esta crônica, publicado
no Diário do Grande ABC em 10.10.1999. 15 anos se passaram, Amália vive. Viva
Amália:
Silêncio, Amália morreu
Amália, a fadista, sabia-se amada e queria que chorassem por
ela quando morresse. Foi isso que fiz ao saber de sua morte, aos 79 anos, no dia
06 de outubro. Chorei e, em silêncio, ouvi-a cantar por horas seguidas,
sabendo-a viva, ali, naquela voz que faz parte de minha trajetória de vida, há
meio século.
A origem do fado é controversa, envolve lendas e suposições.
De acordo com Pinto de Carvalho (História do Fado, 1903) teria “nascido a
bordo, aos ritmos infinitos do mar, nas convulsões dessa alma do mundo, na embriaguez
murmurante dessa eternidade de água”. Uma outra tese é a de que o lundu, (dança
obscena dos pretos congoleses, importada no Brasil e em Portugal) é o seu
predecessor imediato. O certo é que o fado surgiu em Portugal com o regresso da
corte em 1822 e teve sua idade de ouro na mítica “cantadeira” Severa, que
reinou absoluta na idolatria e no imaginário português – foi tema de opereta,
peça teatral, filme e, claro, letras de fado - até o surgimento de Amália.
De acordo com musicólogos, Amália revolucionou o fado
tradicional, enriqueceu sua pobreza melódica inicial, acrescentando-lhe,
inclusive, o improviso, um elemento jazzístico. Entre tantos méritos dessa
cantora dona de uma voz absolutamente singular, está o de ter popularizado a
grande poesia de língua portuguesa. Amália cantou, entre outros, Camões, Guerra
Junqueiro, José Régio, Alexandre O´Neil, Pedro Homem de Melo, Antonio Feliciano
de Castilho e a nossa Cecília Meireles e transformou o fado num verdadeiro
traço de união, marca identitária entre todos os portugueses. Não há quem nele
(e nela) não se reconheça.
Após a Revolução dos Cravos, Portugal, levianamente, passou
a ignorar Amália, rotulando-a de representante do salazarismo. O gênio e a arte
de Amália estavam, porém, acima de rótulos equivocados, colados com a goma
apressada da (legítima) euforia da época. Dignamente, ela continuou cantando
pelo mundo, sendo recebida em delírio pelas mais nobres platéias, como o
Carnigie Hall, de New York e o Olympia, de Paris. Ainda que cantasse em outras
línguas – forma gentil de retribuir os aplausos, ninguém precisava falar
português para entendê-la. Amália era universal e deu ao fado essa dimensão. O
ostracismo durou pouco e, passados os anos de euforia e acertos, Portugal
voltou a (re)conhecer-se nela.
Como nas tavernas de Lisboa, peço silêncio, pois vai-se
cantar o fado. Silêncio, Amália morreu.
Em homenagem, ouçamos essa inigualável voz:
https://www.youtube.com/watch?v=1YriVM8sC7M
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