Quando, entusiasmada, participei como ouvinte, em 2017, da 15ª edição da FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty, exaltei, em artigo publicado na imprensa e no meu blog, vários pontos positivos e inovadores da curadoria de Josélia Aguiar, tais como diversidade e paridade de gênero contempladas nas mesas oficiais.
Naquela ocasião, regressei com a quase certeza de que não mais voltaria a Paraty para edição futura. Várias razões me levaram a esse não desejo, sendo que a principal delas, as dificuldades naturais de minha idade (o calçamento escorregadio das ruas e o medo de quedas) mas também pela falta de paciência de enfrentar filas para tudo, inclusive, para comer.
Durante estes últimos 8 anos, acompanhei algumas notícias sobre as edições da FLIP e estava convencida de que esse destino não mais me interessava, apesar de persistir meu interesse por livros, autores e literatura. Até que recebi o convite do editor Eduardo Lacerda (Editora Patuá pela qual publiquei meu mais recente livro de poemas, “opções para morrer no espaço”) para comparecer à Casa Gueto na qual receberia uma homenagem durante a 23ª edição da FLIP, decorrida de 30 de julho a 03 de agosto último.
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Relutei, mas a família me incentivou a aceitar o convite. Fui, com a minha “cuidadora” Isabela Teles Veras ao volante. E eis que um fato novo me aconteceu. Pela primeira vez, permaneci os 5 dias da FLIP sem nenhuma angústia por não ter visto esta ou aquela mesa, esta ou aquela pessoa. Esqueci da minha bulimia por informação e por livros, distúrbio do qual fui vítima por muitos e muitos anos.
Deixar-me ficar, ora num Café, ora num banco qualquer, a olhar o movimento da multidão a mover-se feito ondas nas ruas de pedras lisas e casas de portas coloridas, foi libertador. Aqui e ali, um conhecido e um abraço, alhures muitos conhecidos e mais abraços.
Percebi que, afinal, toda a cidade era literatura. As próprias pedras, estavam impregnadas de todas as histórias, de todos os poemas, de toda a literatura que por ali passou e passava neste. Comecei a ver letras, palavras, poemas, feito uma alucinação boa, em todos os recantos daquela encantadora cidade e a preocupação em ver/ouvir já não era prioridade, prioridade era deixar-se embalar pelo clima quase onírico daquela luz amarelada no interior das casas, bares, restaurantes, casas parceiras.
Da minha mansarda na margem esquerda do Perequê-Açu, três
pequenas janelas sobre o telhado da Pousada e vista para o rio. Ali, a pouca
distância do centro gravitacional do planeta das letras, fazia minha primeira
refeição do dia e tomava chá com bolo às 17h, pausa para anotar impressos e
vivências, ler o que veio comigo no dia anterior.
Tudo girava em torno da Igreja matriz que, desta vez, exerceu
o papel para o qual foi erguida, celebrando missas, portas abertas para o
mundanismo que enchia as ruas como as vagas da maré alta. O sagrado e o profano
irmanados, agora em paz (sim, em 2017 a igreja fez lugar de palco para as mesas
de debate e conferências)
Os números da festa da literatura deste ano são
estratosféricos. Aqui, alguns deles:
Custo total: R$ 11,8 milhões
34 mil visitantes, com uma taxa de ocupação de 98% das
pousadas e hotéis, sendo que o público do programa educativo foi de 8.728
pessoas
Dentro da FLIP as outras FLIPS: Flipinha, Flipzona,
FlipEduca e Flip+
600 mesas de palestras e debates, sendo 20 mesas oficiais e
uma extra com Valter Hugo Mãe (muitas giraram em torno do autor homenageado)
num total de 36 autores e as restantes distribuídas em Casas parceiras,
igualmente lotadas o tempo todo.
Na margem esquerda, um enorme e novo espaço reuniu mais de
140 autores, editoras independentes e coletivos editoriais.
Auditório para 471 pessoas (ingressos pagos)
Telão com 500 cadeiras, ingressos livres
35 casas parceiras
20.000 livros vendidos (infelizmente a venda ficou, como
sempre, concentrada em uma única mega livraria, nada de livrarias locais).
A despeito desses números, das enormes filas para todas as
palestras e debates, os abraços calaram mais do que as palestras e as mãos
trouxeram muitos livros, levaram outros, na costumeira troca entre autores.
Olhava para aquelas pessoas que por mim passavam e me sentia irmanada na
sincronicidade das escolhas, pois não acredito que alguém vá àquela cidade em
época de Festa da Literatura, sem gostar de livros nem de festas. As afinidades
eletivas é que nos juntavam, nos embalavam ao som das marés que, por vezes, também
invadiam as ruas a lembrar que o mar a receber o rio ali estavam, eternos.
Parêntesis para registrar um momento de reconhecimento e muito afeto. A mesa “um corpo que resiste e é” (o título é um verso de poema meu), em minha homenagem, na Casa Gueto, no segundo dia da FLIP, quinta-feira. Nela, os queridos Eduardo Lacerda, Isabela A. Teles Veras e Tarso de Melo discorreram sobre meu trabalho de escritora e ativista cultural.
Além das palavras carregadas de significados dos componentes da mesa, que muito me emocionaram, vi meus versos impressos em banners espalhados pela casa, em canecas para a cerveja, em um boné especial, exemplar único, e o maravilhoso volume da antologia “Casa Gueto – O dia segue não sendo mas há um corpo que resiste e é” – Dalila Teles Veras, Editora Patuá, 2025, com textos dos componentes da mesa nas 36 páginas iniciais, tipologia em branco sobre fundo preto, mais orelhas de Rosana Chrispim e Ricardo Escudeiro. Na epígrafe, “dedicamos este livro e nossa Casa Gueto 2025 à poeta Dalila Teles Veras”. Consegui não chorar, mas, como dizia Dilma Rousseff, há outras maneiras de chorar. Chorei por dentro, choro de alegria, muita alegria e agradecimento! Fecha parêntesis.
E foi tão bom abraçar meus pares pelos caminhos e cantos de
Paraty, gente que acredita no poder da palavra, no conhecimento e na humanidade.
Eis algumas das pessoas amigas que abracei, confraternizei,
joguei conversa fora, vindas de todos os quadrantes do país. Com algumas delas tomei
o tal drink Jorge Amado, sucesso absoluto da festa, preparado com a cachaça local
“Gabriela”. Na verdade, uma “caipirinha” que, além do limão tradicional, leva o
acréscimo de maracujá e canela. O drink colorido e lindo desce docinho e
agradável, mas volta furioso e desagradável, ao menos para mim, que estava de
estômago vazio e pouca resistência ao álcool. Mas isso não chegou sequer a
empanar o brilho dos afetos dos que por mim passaram.
Maria Valéria Rezende e Marineuma Oliveira, João Pessoa, PB
Jeanne Araujo, Carla Alves, Bia Chrispim, Juscely Confessor
(Natal, RN)
Giovana Damaceno, Lincoln Botelho da Cunha, Volta Redonda, RJ
Claudia Roquette-Pinto, Rio de Janeiro, RJ
Mariam Pessah, Porto Alegre, RS
Tarso de Melo, Vanessa Molnar, Santo André, SP
Eduardo Lacerda, Priscila Gunutzmann, Germana Zanettini,
Beth Brait Alvim, Ayelén Medail, Diogo Cardoso e Simone Paulino, São Paulo,
Capital
Moreira de Acopiara, Diadema, SP
Susana Ventura, Santos, SP
Pedro Gontijo, Belo Horizonte, MG
Dalinha Catunda, Fortaleza, CE
Renato Freitas, deputado estadual – Curitiba, PR
Esqueci alguns. Claro que sim, mas eles/elas saberão compreender e perdoar. Retornar à FLIP em futuras edições? Acho que não, mas, para
além das emoções vivenciadas, ficará a lembrança que marca a descoberta de uma
determinada maneira de “entrar no clima” sem angústia, tal qual uma flâneuse
pós-tudo.
As fotos, na sua maioria clicadas por Isabela, bem ilustram estas desajeitadas palavras. dtv
Maravilha de ler tudo isso e que nos aquece e fortalece a alma em tempos difíceis e desafiadores. Gratidão pela partilha ❣️
ResponderExcluirOb agradecimento é todo meu, querida Arlettinha. Muito obrigada por sua leitura e atenção de sempre. Beijos
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