segunda-feira, 18 de março de 2024

EMILY DICKINSON E AS MULHERES NA MINHA BIBLIOTECA


 

    Tenho me empenhado em deixar arrumada minha biblioteca de autoria de mulheres. Agora, com duas novas estantes, pude me dar ao luxo de juntar às escritoras brasileiras que já lá estavam, os volumes das portuguesas e de outras nacionalidades como as de língua espanhola, as russas, estadunidenses, francesas, inglesas etc. que se encontravam em estantes altas e agora ficarão ao alcance das mãos. De certeza. deve haver bem mais. Uma nova investigação  certamente localizará. 

    O problema agora são os livros de poesia contemporânea (de autoria de homens) que são em número bem maior e as prateleiras já estão abarrotadas de volumes “enfiados” uns por cima de outros, em pilhas sobre banquinhos, enfim... Vamos ver como se resolve isso!


        

    Por enquanto estou muito satisfeita, inclusive pelas surpresas e descobertas ao revisitar os volumes, como, por exemplo, ao manusear os livros de cá pra lá, caíram-me nas mãos os volumes das obras avulsas de Emily Dickinson (adquiridas bem antes da poesia completa recente), dei com uns marcadores e sublinhados que fiz há tempos, assinalando as páginas de um mesmo poema, cujo verso inicial é “I died for beauty” Gosto muito dele e, pelos visto, é mesmo antologiável, um clássico, eu diria). São 6 volumes de antologias traduzidas para o português, assinadas por diferentes tradutores. Desses, apenas dois homens (Augusto de Campos e Adalberto Mûller), as outras quatro são assinadas por mulheres, Olívia Krähenbühl, Aíla de Oliveira Gomes, Lucia Olinto e Idelma Ribeiro de Faria, com abundantes prefácios e notas. 

 Copiei as seis versões e ofereço-as aos eventuais leitores interessados na Emily ou simplesmente na tradução de poesia, questão sempre difícil e polêmica.

    Ontem, domingo, perdi (ganhei) boa parte do dia relendo os prefácios e notas de tradução, tudo muito rico e já devidamente sublinhado por mim nas leituras anteriores.

    Tenho lido, escrito e organizado meus arquivos de forma feroz nos últimos tempos. A urgência angustiante de temer que não haja tempo suficiente para tudo e, por isso, inventario. Tantas coisas surgem, saltam dos meus arquivos, como moedas nos boxes de cassino.

    A vida só literatura? Não, ainda não, mas também não sei se ficaria satisfeita com apenas e tão somente a literatura a preencher minha vida, como periga preencher, nesta ânsia de preencher cada minuto com algo que me enriqueça, recuperar o que deveria ter prestado atenção antes e não o fiz (será? E os sublinhados das leituras?).

     Uma coisa é certa, leio melhor agora, pois há todo um acúmulo que uso como referencial e parâmetro.

     Aí vai o poema no seu original, em inglês e nas seis versões para nossa língua que permite tanta variação, sem trair a essência do original (será?!)

 

I died for Beauty – but was scarce
Adjusted in the Tomb
When One who died for Truth, was lain
In an adjoining Room –

He questioned softly “Why I failed”?
“For Beauty”, I replied –
“And I – for Truth – Themself are One –
We Bretheren, are”, He said –

And so, as Kinsmen, met a Night –
We talked between the Rooms –
Until the Moss had reached our lips –
And covered up – our names –


Nota: Optei pelo original do volume da tradução de Augusto de Campos e que coincide exatamente com o de Adalberto Müller, em Poesia completa. Nos demais, não sei dizer a razão, há diferenças nesse original, sobretudo na pontuação. “Emily criou um idioma poético próprio e antecipatório em termos de densidade léxica, economia de expressão e liberdade sintática (...) os substantivos frequentemente maiusculizados para acentuar a sua dominância. (...) num idioleto de rara beleza”, justifica AC a respeito da pontuação original.

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Morri pela Beleza; mas apenas
Na tumba me ajeitara,
Outro, na cova junto, foi deposto,
E que pela Verdade se finara.

De manso perguntou – Por que morreste?
- Pela Beleza, respondi-lhe então.
- E eu, pela Verdade. Ambas se valem.
Somos ambos irmãos.

Assim, paredes-meias, dialogamos
Quais parentes que a noite congregasse,
Até que o musgo nos cobrisse os lábios
E nossos nomes apagasse...

Poesias Escolhidas de Emily Dickinson”, tradução, seleção, apresentação e nota bibliográfica de Olívia Krähenbühl, ilustrações de Darcy Penteado, Edição Saraiva, SP, 1956.

                    0o0o0

Morri pela Beleza, mas na tumba
Mal me tinha acomodado
Quando outro, que morreu pela Verdade,
Puseram na tumba ao lado.

Baixinho perguntou por que eu morrera.
Repliquei, “Pela Beleza” –
“E eu, pela Verdade” – ambas a mesma –
E nós, irmãos com certeza.

Como parentes que pernoitam juntos,
De um quarto a outro conversamos –
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E encobriu os nossos nomes.

Emily Dickinson – uma centena de poemas” Tradução, introdução e notas de Aíla de Oliveira Gomes, 1ª. reimpressão, bilingue, T. A. Queiroz, Editor, SP, 1985.

                    0o0o0

Morri pela beleza e mal estava
Ao túmulo ajustado
Alguém veio habitar a sepultura ao lado.
(Defendera a verdade.)

Baixinho perguntou: “Por que morreste?”
“Pela beleza”, respondi.
“E eu pela verdade. São ambas uma só.
Somos irmãos”, me disse.

E assim como parentes que à noite se encontram
Entre os jazigos conversamos,
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E cobriu nossos nomes.

Emily Dickinson, poemas” tradução e notas de Idelma Ribeiro de Faria, 3ª. edição, bilingue, Ed. Hucitec, SP, 1991.


                    0o0o0

Pela Beleza morri – mas,
Mal à Cova eu me ajustara,
Quando estenderam do meu lado
Um que morreu pela Verdade. –

“Por que fracassou?” murmurou-me,
“Pela Beleza”, respondi.
“Eu pela Verdade – é o mesmo,”
Ele falou, “Somos confrades” –

E assim, como velhos Colegas,
Entre Túmulos conversamos,
Até que o Musgo alcançou
Nossos lábios e nosso nomes.

Dickinson, Emily – 75 Poemas”, Tradução de Lucia Olinto, edição Bilíngue, Sette Letras, RJ, 1999.


                    0o0o0

Morri pela Beleza – e assim que no Jazigo
Meu Corpo foi fechado,
Um outro Morto foi depositado
Num Túmulo contíguo –

“Por que morreu?” murmurou sua voz.
“Pela Beleza” – retruquei –
“Pois eu – pela Verdade – É o Mesmo. Nós
Somos Irmãos. É uma só lei” –

E assim Parentes pela Noite, sábios –
Conversamos a Sós –
Até que o Musgo encobriu nossos lábios –
E – nomes – logo após –


EMILY DICKINSON – NÃO SOU NINGUÉM – POEMAS”, tradução e introdução de Augusto de Campos, Editora UNICAMP, Campinas, SP 2008
                                                

                    0o0o0


Morri pela Beleza – mas
Mal me ajustei à Cova
Quando a Outra, que morreu
Pela Verdade, noutra Alcova –

Quis saber “Qual foi meu erro?”
“Foi a Beleza,” respondi –
“O Meu – a Verdade – Ambas
Primas – como Nós – Entendi –

Assim cada qual em seu Quarto
Falava, sob os vaga-lumes –
E o Musgo alcançou nossos lábios –
E cobriu – Nossos nomes -


“Poesia completa Emily Dickinson”, Volume I: Os fascículos, Tradução, notas e posfácio de Adalberto Müller, Edição bilíngue Editora UNICAMP / Editora UnB - Universidade de Brasília, 2019. 


Dedico este post a Marília Garcia, poeta e tradutora admirável de quem sou leitora. Devo confessar que muito apreciaria uma nova tradução, a sétima, feita por ela.

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    Dessas seis traduções, qual seria a melhor? Esta é a pergunta que já me fiz diversas vezes e consegui respondi. Gosto, em especial, daquelas que respeitam a estrutura do poema, sua sintaxe e pontuação (neste caso, imprescindível, mas, sabemos, aparece aí a velha cantilena, poesia é intraduzível? Só sei que muito me agradam estes exercícios.

    Aceito e agradeço comentários. dtv


5 comentários:

  1. Passei por aqui, sempre passo, não lhe perdi o hábito ou o prazer de sempre algo reter.
    Não irei comentar nem o poema nem as traduções. Não me sinto capacitada para tal.
    Direi que a tradução que mais me tocou foi de Augusto de Campos.
    Transmitiu-me fado nesse poema, e como fado assim poderia ser cantado.

    Abração saudoso

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    1. Muito obrigada, Isa. Sua leitura e comentários são sempre de grande estima e valia. Abraços

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  2. Dalila, obrigada por compartilhar seus pensamentos e as traduções de Emily Dickinson, a qual não me canso de ler. Tradução de poesia tem sido um trabalho árduo e que me exige estudo constante. Quem sabe um dia possa dar uma espiada em seus livros.

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    1. Olá, Flávia. Obrigada pelo comentário. Quando vier a SP é só dar uma esticada a Santo André. As portas e a biblioteca estarão abertas. Forte abraço

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  3. Pois é, é uma delícia encontrar mais de uma (às vezes várias) tradução de um original. A tradução, via de regra, é sempre um terreno fértil para discussões. Sabemos que, à parte os textos técnicos ou oficiais - que não são literatura -, traduzir é um exercício de recriar, a partir de uma série de critérios estabelecidos pelo tradutor de acordo com suas convicções, estudos, bagagem e outros quetais. Mas me alinho com você, Dalila, na sua preferência por aquelas traduções que, tanto quanto possível (guardadas as devidas proporções), "respeitam a estrutura do poema, sua sintaxe e pontuação". Esse seu Canto, poeta, está cada dia mais convidativo!

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