quarta-feira, 26 de março de 2025

Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem 16 - Giovana Damaceno


Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem

16 - Giovana Damaceno

Fiz as contas e em 30 dias não darei conta de homenagear as mulheres escritoras do meu acervo (as vivas). Assim, a partir de amanhã, farei “bloquinhos” a ver se dou conta do meu propósito. O primeiro desses bloquinhos falará de escritoras que vim a conhecer através do Movimento Mulherio das Letras, do qual participo desde seu início e participei de quase todos os encontros nacionais realizados em vários estados brasileiros. Só não participei do primeiro, em 1917. A partir daí é um não mais acabar de mulheres talentosas, criativas, feministas que muito contribuíram para o alargamento da minha visão sobre a produção literária de mulheres de todo o Brasil.

Falarei aqui do trabalho de uma delas que, desde os primórdios do Mulherio, acompanho com muito interesse.

Giovana é jornalista, de Volta Redonda, RJ, autora dos livros Mania de Escrever, 2010, Depois da chuva, o recomeço (2012), Do lado esquerdo do peito (Penalux 2013), Alguém pra segurar na minha mão (Penalux 2020), Justa causa (Penalux, 2022). Vou me deter apenas nestes três mais recentes, pois são justamente os que li e mantenho no acervo da minha bibliocasa.

Os três livros abordam temas muito delicados que só alguém de muito talento, tato e sensibilidade como Giovana pode desenvolver sem resvalar para o terreno da piedade, comiseração ou pieguismo.

Do lado esquerdo do peito é autobiográfico e fala da sua luta contra um câncer de mama. O tratamento, como nos demais é literário, na primeira pessoa e, espantosamente, com momentos de inacreditáveis tiradas de bom-humor em meio à dor, dúvidas, incertezas, esperança e, sim, fé. Algumas fotos das diversas fases do tratamento também fazem parte do livro que é dividido em capítulos curtos, precisos, como se fossem crônicas, alguns lembram a estrutura de um conto. O fato é que é muito bem escrito sem os cacoetes dos livros “de superação” ou “auto-ajuda”.

Alguém pra segurar a minha mão trata de um tema quase tabu no Brasil, para o qual os dicionários elencam dezenas de sinônimos criados pelo povo para fugir da “brutalidade” da palavra “morte”. Pois é justamente neste livro que Giovana inaugura o livro-reportagem, através da assistência médica em cuidados paliativos a pacientes terminais, feita em domicílio. A narrativa é tratada com delicadeza pela autora que teve todo um trabalho de campo e, com muita habilidade, resultou num trabalho literário, pois é assim que o lemos.

Justa causa é ou poderia ser um livro-reportagem no qual a repórter acompanha a vida num asilo e mergulha no universo daqueles que ali vivem. Tive a honra de escrever o breve texto da orelha e observei que “Giovana se impõe mais um desafio: auscultar as tragédias de corpos velhos e frágeis, portadores de histórias inconfessáveis. Uma jovem estagiária trabalha numa “casa de repouso”, onde ouve casos com “enredos tristes, curiosos, dramáticos, horripilantes”, e aqui eu acrescentaria outros, como hediondos, apavorantes e espantosos! Dores guardadas em segredo que, finalmente, explodem na boca dos parentes dos “velhinhos fofos imundos”, ali deixados por eles em circunstâncias insuspeitadas, como a da filha que diz do pai “quero vê-lo morto, mas não vou matá-lo”.

Giovana sabe como conduzir a leitura pela palavra certa e isso tem nome: Literatura – não importa o “gênero” ou “rótulo” que, eventualmente, estas narrativas venham a receber. Leia e desfrute do que até pouco tempo era raro de se ler: o lado mais obscuro do ser humano, narrado por uma mulher que também se dá ao direito de escrever sobre qualquer tema, sob ótica exclusiva e comando da própria linguagem.”

O estadunidense Truman Capote, como se sabe, nos já distantes anos 60 do Século passado, exercia o jornalismo investigativo e costumava fazer do material colhido para uma reportagem do jornal para o qual trabalhava, o que se chamou à época de “new journalism”, ou seja, texto jornalístico que, para além das técnicas de comunicação, recebe um tratamento de uma linguagem que extrapola o narrar os fatos e inaugura um gênero literário. Uma dessas reportagens, resultou no que viria a ser um estrondoso bestseller, A Sangue Frio, o seu livro mais conhecido que até os dias de hoje não saiu de catálogo de editoras ao redor do mundo, justamente, nasceu daquilo que seria mera reportagem.

Bora prestar mais atenção nessa moça. Leiam Giovana Damaceno, leiam a literatura produzida por mulheres daqui e d´além-mares e continentes. dtv  

 




terça-feira, 18 de março de 2025

Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem 15 – Sandra Godinho

 



Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem

 15 – Sandra Godinho


Sandra Godinho nasceu em São Paulo e está radicada em Manaus, AM, desde 2003. Essa cidade lhe deu “régua e compasso” para a construção da hábil ficcionista que viria depois, através de livros de contos e romances premiados em concursos de prestígio nacional.

A publicação de seu primeiro romance, O Poder da fé, data de 2016. Os romances “Tocaia do Norte”, Ed. Penalux, 2020 (Prêmio de melhor romance Categoria Nacional Prêmio Literário Cidade de Manaus 2020 e finalista do Prêmio São Paulo Literatura 2021) e “A Secura dos Ossos”, Ed. Patuá,2023, finalista Prêmio Leya 2022 que a projetaram e justamente aqueles que integram o acervo da minha bibliocasa. 

Conheci a mulher/escritora Sandra Godinho antes de ler a escritora Sandra Godinho, justamente numa “conversa de livraria” na Alpharrabio Livraria e espaço cultural, em Santo André, quando foi convidada a discorrer sobre o seu então recém-lançado “A Secura dos Ossos”. Foi aí o portal de acesso à sua literatura.

Selecionei alguns trechos de prefácios de seus livros para apresentá-la nesta nossa série em homenagem a escritoras brasileiras, pela simples razão de não saber dizer melhor.

“Em Tocaia do Norte, seu projeto mais ambicioso, Sandra conduz uma narrativa auspiciosa e corajosa ao desbravar um ambiente quase desconhecido entre os brasileiros: a ação dos militares nos rincões da floresta amazônica durante o período ditatorial e a movimentação de peças e recursos para esconder seus crimes. (...) Os fatos narrados em Tocaia do Norte precisam sobreviver ao tempo e ao culto à ignorância que norteia a sociedade brasileira contemporânea, alimentada pela imbecilidade de quem nega a luta dos povos indígenas (...) Tocaia do Norte deve ser vista como uma obra literária, com inestimável valor, sem dúvidas, mas também como um registro histórico, necessários e contundente, sobretudo neste momento em que cortinas se fecham e aprisionam sonhos e produções artísticas, onde a intelectualidade é mais combatida que a fome em um país que nem de longe lembra o Brasil que gostaríamos de ter.” (estávamos nos tristes anos de 2020/2021, nota de dtv). Marcelo Adifa, jornalista.

“A Secura dos Ossos” narra, de forma literária mas também pela ótica da historiografia, a história do Massacre de Haximu e a saga trágica, mas também a beleza da cultura do povo Yanomami.

No prefácio desse belo romance, nos diz o prof. Mikael de Souza Frota (Unip, Manaus): “A Secura dos Ossos”, sétimo romance de Sandra Godinho, ficcionaliza o Massacre de Haximu, ocorrido em 1993, na região montanhosa de fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Aqui, o leitor é apresentado à narradora-protagonista Tainá
Terra, cuja vida pacata na vila fictícia de Encanto das Almas, a conduz na busca pela mãe desaparecida, Amana Terra. (...) Contudo, o que parece ser um enredo de investigação e de mistério, acaba enveredando para uma problemática que alcança uma das bases sensíveis dos pilares fundadores da história brasileira,: a violência contra a natureza e os povos indígenas” (...). Ainda, no dizer do prof. Mikael, “A desterritorialização e a sensação de desterro de um indivíduo/povo que é retirado, expulso e/ou escondido do seu lugar para ocupar um não-lugar são temáticas bastantes exploradas por Sandra Godinho em seus livros”.

Leiam Sandra Godinho e conheçam, através da literatura, a história recontada por outro viés e fique na dúvida sobre quem é realmente o “selvagem” nessas histórias.  

Leiam a literatura escrita por mulheres contemporâneas brasileiras e perceba dicções antes desconhecidas, antes ocultadas, antes nem sequer escritas. Dtv. 

 



Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem

 

14 – Ana Elisa Ribeiro

 

Nesta 14ª postagem da série Março - Mulheres escritoras brasileiras, homenageio Ana Elisa Ribeiro, mineira de Belo Horizonte, nascida em 1975. Professora, premiada poeta, publicou Anzol de pescar infernos (SP, Patuá, 2013), Xadrez, Scriptum, 2015 BH), Álbum (Relicário, 2018, BH) e Dicionário de imprecisões, pela Leme, selo Impressões de Minas, 2020 (com duas edições anteriores). Editora de projetos em favor da leitura, como a coleção “Leve um Livro”, que distribuiu poesia contemporânea em Belo Horizonte por três anos, na forma de livros impressos gratuitos. Publicou livros sobre essa atividade (de editora) e frequentemente participa de mesas em Feiras e Festivais do livro.

Em seu estilo medido, enxuto e lapidado, Ana dá a seus poemas o tratamento da economia ou controle vigilante ao prosaico.

Um poema de seu “Álbum” um belo diálogo da palavra com a fotografia e, em vários poema, homenageia de forma explícita seu conterrâneo, Carlos Drummond de Andrade:

 

IMPRÓPRIO

 

penteamos os cabelos

de um jeito inusual

pintamos os lábios

as bochechas as pálpebras

de um jeito improvável

posamos para a foto

de um jeito incomum

e não éramos bem nós

 

mas todos sempre soubemos

explicar aquela foto

no álbum

como um flagrante

do artifício

 

Já o projeto poético do Dicionário de imprecisões, está moldado para a verossimilhança de um dicionário e o poema/verbete vem acrescentado de uma fina e bela ironia:

 

Amor

Substantivo masculino mas de todos os gêneros, singular

 

Acalmar os ânimos. Arrefecer.

Velocidade de cruzeiro.

Sujeito a derivações, desvirtuações, vícios e fim.

Ver paixão

 

Leiam Ana Elisa Ribeiro, busquem, leiam literatura feita por mulheres que, diga-se, depois do primeiro grito, jamais se calaram nem calarão, fazendo literatura do seu jeito que é muitos jeitos. dtv



segunda-feira, 17 de março de 2025

Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem 13 – Mariana Basílio

 



Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem

 

13 – Mariana Basílio

 

Esta é a 13ª postagem que faço em homenagem às mulheres escritoras brasileiras. No primeiro texto desta série, dizia eu que a literatura brasileira vive um momento de extraordinária potência criativa. Não tenho lembrança de época tão rica e singular.

De uns anos para cá, observando o crescimento de volumes de autoria de mulheres, resolvi juntá-los num canto da bibliocasa. Por alto, são mais de 1000 volumes, num cardápio estonteante.

Que me perdoem os homens, lidos também com muito interesse (e são muitos), neste mês de março, a prioridade é delas, como até há bem pouco tempo foi deles. Agora são eles e elas, no mesmo diapasão.

Repito que não se trata de mero julgamento de valor literário (mas também), trata-se uma leitura crítica de cunho muito pessoal. Listas, como se sabe, são sempre passíveis de julgamento, sei do risco, mas ainda assim, arrisco. Optei pelas poetas vivas, que publicam com regularidade e integram o meu acervo.

 

Hoje selecionei os três livros de Mariana Basílio, nascida em Bauru, interior de São Paulo e atualmente reside na Capital. Não me lembro exatamente quando nem onde adquiri seu livro Tríptico, Ed. Patuá, 2018. Pelos dados da orelha, tratava-se de uma escritora muito jovem e, por isso mesmo, chamou minha atenção a maturidade e destreza com que maneja a língua da poesia. Sua cultura literária é rara e nada compatível com sua idade (nasceu em 1989) se levarmos em conta outras estreias. A princípio, fiquei desconfiada, pelo fato de não confiar (literariamente) em ninguém com menos de trinta. Levei uma surra estética, derrubando minha ridícula teoria.

Na verdade, antes desse título, Maria publicou “Nepente”, 2015 e “Sombras & Luzes”, 2016. A propósito, curiosidade aguçada como sempre, fui pesquisar sobre esses livros e me apareceu um único volume de “Nepente” num portal de sebos. Não se animem, só havia esse volume, comprei e agora, já é meu e estou na expectativa do recebimento.

Voltemos ao Tríptico, que recebeu o apoio para publicação do ProAc São Paulo. Na orelha de “Tríptico”, anota Micheliny Verunschk: Poetas audazes são salutares para que a poesia continue cumprindo sua vocação de linguagem sempre nova, por isso há que saudar a voz de Mariana Basílio e esse poema que nos captura para um outro território.”

Se não saudei antes, faço-o agora.

Em 2020, o ano que passou, mas não foi esquecido, a Patuá publica “Mácula”, também com patrocínio do ProAc. A título de posfácio, é a poeta que nos diz que “A seção principal do livro Mácula foi constituída com uma pesquisa realizada nas redes sociais, no dia 9 de junho de 2020. A partir do questionamento “Quais são as palavras, ou qual a grande palavra de sua vida hoje?” 266 pessoas responderam à pesquisa, totalizando 342 palavras indicadas entre os participantes, em um período de 24 horas. Desses, a autora selecionou 50 palavras que resultaram em títulos dos poemas. O objetivo dessa pesquisa foi mapear a energia populacional brasileira, com as vozes dessa atmosfera do país no pico da pandemia mundial causada pela Covid-19.”

O resultado é um livro-porrada, do qual saímos doídos e cambaleantes, mas é uma dor amenizada pela beleza da linguagem, neste caso, poesia.

 “Pangeia”, seu mais recente livro, sob o selo Assírio & Alvim, 2024, publicado no Brasil pela “Autores e Ideias Editora Ltd., sob licença da Porto Editora S.A. é um livro, ou melhor, um longo poema, ambicioso a partir do título. Mas Mariana ousa e, segura e destemida, dá conta do que anuncia, ou seja, uma espécie de arqueologia ou “etimologia do ser”, pelo olhar seguro de Guilherme Gontijo Flores, que, no posfácio, acrescenta “Basílio, pelo contrário, armou um livro de poemas, no sentido forte da palavra livro, na coesão dura e densa de uma arquitetura textual que vai se desenvolvendo quase que do centro de seu continente, até as bordas possíveis das águas e do tempo presente.

 Leiam Mariana Basílio. Busquem, comprem, leiam e divulguem a potente literatura das mulheres escritoras contemporâneas e comprovem. dtv


Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem 12 – Cinthia Kriemler

 



Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem
12 – Cinthia Kriemler
Nesta 12ª postagem da série / homenagem às mulheres escritoras brasileiras vivas e produzindo, selecionei, do acervo de minha bibliocasa, os títulos abaixo, de autoria de Cinthia Kriemler, carioca que escolheu Brasília para viver e escrever, desde 1969.
Como veremos abaixo, publica romances, contos, crônicas e poesia com regularidade admirável. Os parágrafos curtíssimos, secos, diretos, duros, precisos, são de perder o fôlego e impingem ao leitor um ritmo de leitura hipnótico. Suas personagens principais são mulheres, “mulheres loucas” de osso e carne viva, vidas marcadas por dores, decepções ou tragédias como as que moram ao nosso lado à espera de quem as torne ficção. Cinthia faz isso com muita competência, ou seja, através de uma linguagem irrepreensível, dá verossimilhança à sua ficção. Ler Cinthia é receber constantes socos cruzados no estômago que atingem a alma.
Não é apenas o que ali é contado que interessa ao leitor, neste caso, a mim, mas a forma “como” é contada é tão importante quanto. O que fica nas entrelinhas de vidas marcadas por dores, decepções ou tragédias também ali estão, abordadas pela irrepreensível linguagem.
Eis os livros de meu acervo, sendo que alguns deles foram finalistas de importantes prêmios como o São Paulo e Oceanos:
- Na escuridão não existe cor-de-rosa, contos, Patuá, 2015, SP
- Todos os abismos convidam para um mergulho, seu primeiro romance, Patuá, 2017, SP
- Exercício de leitura de mulheres loucas, poesia, Patuá, 2018
- Tudo que morde pede socorro, romance, Patuá, 2019
- O sêmen do rinoceronte branco, contos, Patuá, 2020
- Viúvas de sal, romance, Patuá, 2022
Como se vê, Cinthia é uma escritora (exclusiva, ou quase – não tenho seus livros anteriores) da Editora Patuá, criada e tocada por Eduardo Lacerda, editor independente dedicado exclusivamente à literatura brasileira e tem acertado muito. O tempo dirá de sua enorme importância no cenário da literatura brasileira e, muito em especial, na literatura escrita por mulheres que ocupam boa parte de seu meritório catálogo.
Leiam Cinthia Kriemler e sintam esse “soco” estético, artístico e humano, por demais humano. Prestigiem a Editora Patuá e a literatura feita de mulheres que estão construindo um momento único no universo da literatura brasileira nestas primeiras décadas do Século XXI.

quinta-feira, 13 de março de 2025

Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem 11– Vera Lúcia de Oliveira

 



Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem

 

11 – Vera Lúcia de Oliveira

 

Vera Lúcia de Oliveira é Professora na Universidade de Perugia, Itália, onde reside há muitos anos. A distância, neste caso, muito mais do que afastar, serviu para construir pontes por onde trafega a poesia de lá pra cá, de cá pra lá, fortalecendo laços, trocando projetos.

Acompanho a poesia de Vera Lúcia desde os anos 90 do Século passado e encontramo-nos presencialmente algumas vezes, sempre em lançamentos de livros ou leituras de poesia que ela, periodicamente organiza e para as quais honrosamente sou convidada.

Revisito sua obra, leio as dedicatórias e percebo o quanto a literatura também se faz disso, de leitura uma da outra, um do outro, da camaradagem estabelecida, neste caso, calçada pela poesia.

Nas prateleiras de literatura de autoria de mulheres da minha bibliocasa, guardo um lugar especial para estas obras que contam histórias em suas páginas, algumas já amarelecidas pelo tempo,  

 

- Geografie D´Ombra – Preazione di Luciana Stegagno Picchio, edição bilingue, Fonèma edizioni, 1989, Itália

- Pedaços / Pezzi – edição bilingue, Editrice Grafica L´Etruria, 1992, Itália

- Tempo de Doer / Tempo di soffrire, Antonio Pillicani Editore, 1998, Itália

- Entre as junturas dos ossos – Ministério da Educação, Brasília, I Concurso Literatura para todos, 2006

- No Coração da Boca, Editora Escrituras, SP, 2006

- A Poesia é um estado de transe, Portal Literatura, SP, 2010

- O Músculo amargo do mundo, Editora Escrituras, SP, 2014

- Minha língua roça o mundo, Ed. Patuá, SP, 2018

- Esses dias partidos – Antologia poética 2004-2016 e O tempo denso, inédito, 2021, Editora Patuá, 2022

 

Leia Vera Lúcia de Oliveira. Leiam literatura de autoria de mulheres, daqui e d´além. O leque de opções e diversidade é enorme.


Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem 10 – Adélia Prado

 


Março - Mulheres escritoras brasileiras – homenagem

10 – Adélia Prado
Desde o início desta série, Adélia Prado não me saía da cabeça. Incluo ou não incluo?
Os critérios (muito pessoais, como já disse) de leitora, sabe-se, quando se trata de listas, são escolhas subjetivas. A dúvida nasceu de uma certa mágoa minha em relação à Adélia como ser político que se posiciona, um verdadeiro desastre quando, inclusive, fala do papel da mulher na sociedade.
Quero dizer que sou leitora de Adélia desde o primeiro momento, ou seja, desde toda aquela agitação na Repúblicas das Letras com que seu livro “Bagagem” foi lançado pela Editora Imago, no já distante ano de 1976. Todo a intelectualidade do Rio de Janeiro estava presente, como Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Affonso Romano de Sant´Anna (que intermediou contato com Drummond e desencadeou todo o burburinho). Sim, Adélia, aos 40 anos, com cinco filhos, nasceu “oficial” na literatura e, diga-se, com todo merecimento
Como não sentir arrepios diante dessa senhora, dona doida, que mistura Deus e o sagrado com quase tudo de maneira única e desconcertante? Mesmo empapada de Carlos Drummond de Andrade (é inúmero o referencial nesse livro), consegue emprestar à sua poesia, um frescor único, intransferível.
A forma como aborda o cotidiano faz com que o mais banal acontecimento seja revestido da pompa e circunstância, por vezes, verdadeira epifania.
Não foi a poesia nem a prosa que me afastou de Adélia, mas a postura diante do mundo sociopolítico e cultural expressa quase sempre em suas entrevistas. Este é um velho dilema que me aconteceu diante de Ferreira Gullar e outros não tão explícitos quanto ele e Adélia, ambos poetas imensos.
Foi pensando nisso que voltei à sua poesia e, mais uma vez, vejo que preciso separar as coisas, a mulher, a pensadora equivocada e sua magnífica poesia.
Como ficar indiferente a esta auto-apresentação?
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura).
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
E como aceitar afirmações como estas: “Eu acho que a essência da feminilidade é o que eu chamo de serviço, de segundo lugar. (...) Eu tenho uma crença profunda de que há um papel masculino e um papel feminino, mas papel mesmo, papel social e uma expressão, A expressão da minha vida tem que ser feminina (...) Ser mulher para mim é o papel do serviço, aquela que se afasta para que o homem aconteça. (...) Quem dirige, quem comanda e o homem. Criar é uma coisa masculina. Escrever é masculino. Meu lado masculino é escrever.” Entrevista ao pesquisador Antonio Herculano Lopes, em 3.2.1995. Transcrita para uma plaquete, foi publicada nesse mesmo ano pela Fundação Casa de Rui Barbosa.
Leiam a poesia de Adélia Prado, galardoada com o Prêmio Camões no ano passado, considerada a maior poeta brasileira viva (goste-se dela ou não).
Leiam a literatura das escritoras contemporâneas brasileiras, comentem, divulguem, pois de há muito, ainda que Adélia não reconheça, a criação deixou de ser atributo masculino.
dtv