Neste
novo registro (o IV) de impressões críticas e notícias sobre meu livro “solidões da
memória”, um texto do jovem crítico Diego Mendes Souza, publicado no Portal
ProParnaíba, em 05.2.2016, sob o título “Casalma de Dalila Teles Veras”: CLIC AQUI
Solidões
da Memória (2015) de Dalila Teles Veras é um salto do passado para dentro
do próprio Tempo, a recolher as lembranças da infância, ao sopro das memórias
da casalma (casa e alma), da raiz, no coração onde se nasce, donde se vem.
O
título do livro é uma ressurreição dos versos de Raul Bopp, poeta máximo que
escreveu inspirado: Saudade é uma revivescência/ Solidões da Memória/
coisas que ficaram no outro lado do mar.
Dalila
Teles Veras levanta o seu estro refinado, com impregnação de mar e saudade, a
reviver todas as coisas que se foram. Sua poesia é forte, a carregar na
cartografia insular da vida, a passagem da aventura e da travessia, que leva
também ao regresso de nós mesmos: contemplar, ecoar e nomear tudo o que é
registro de uma existência eletiva e onírica nos seus silêncios mais fundos.
Poesia
madura, ponto alto de colheita e educativa, no ideal de busca, pois viver é
buscar-se no infinito.
Solidões
da Memória foi o primeiro grande livro que li, feito com verdade e
sabedoria, neste começo de ano chuvoso, e, por isso mesmo, melancólico.
Solidões
da Memória é um repertório erudito que evoca a eternidade de excelentes
autores, como Murilo Mendes e Sophia de Mello Breyner Andersen.
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confidência
de madeirense
Alguns
anos vivi em Itabira.
Principalmente
nasci em Itabira.
Por
isso sou triste,
orgulhoso: de ferro.
Carlos Drummond de Andrade
alguns
anos vivi na madeira
principalmente
nasci na madeira
por
isso sou melancólica, teimosa: urze
de
nascença, em luta frente às intempéries
(do
solo, do vento e das vagas marítimas)
alma
em permanente desassossegar
da
madeira nada de material veio comigo
e
não há nada que eu possa ofertar
mas
da madeira vem este ar atrevido
a
língua maldicente e áspera
e
o hábito de tudo reclamar
atavismos
que a consciência, por vezes
rejeita
a
madeira não é apenas fotografias
é
a memória real dos precipícios
e das vertigens
encordoamento
do que não parecia lembrado
mas é
a
memória do que não foi
mas poderia
e
sequer dói
=====
rizoma
Vestígios
de pegadas nas areias,
restos d'ossos roídos e d'espinhas
António Barahona
a
infância e a memória
da
infância, submersa
na
líquida travessia
vez
por outro
o
atlântico deposita
ossos
datados
nas
terras do exílio
(a
menina antiga
recebe
os sinais
códigos
esquecidos
legendas
para o lembrar
-
revivências)
a
memória da infância
é
a memória possível
(e
só à poesia cabe recriar)
=======
ilha
Em
sal espuma e concha regressada
à praia inicial da minha vida
Sophia de Mello Breyner Andersen
a
ilha, nem
ilha
era (o mar
nesga
ao
lado e à frente)
a
ilha, não
tinha
fim nem
começo,
rosário
de
sal ao pescoço
a
ilha, o espaço
do
jardim, calcetado
de
seixos e
ervas
de permeio
a
ilha, o curto
caminho
de casa
à
escola
visconde
cacongo
a
ilha, o longo
percurso
da escola
à
casa
(fortificada
ilha)
=======
Esta
obra foi inventada após uma viagem de Dalila Teles Veras à Ilha da Madeira,
Portugal. Um passeio criativo que ela anotou em sua caderneta de paisagens
apreendidas, anexa ao livro, onde descobrimos a origem dos poemas presentes
em Solidões da Memória.
=
educação
eletiva
Alguém te contempla
Desde antes do tempo começar
Murilo Mendes
a
tia
(sempre
haverá uma tia, na
vida
de todos os seres viventes
não
qualquer tia
mas
aquela, para além do sangue,
a eleita
antes mesmo de o ser
aquela
que contempla
e
enxerga o escuro
aquela que sabe
da
dor e da fome
e,
garras à mostra
afugenta intrusos
acode
agasalha
acalenta
afinidade
eletiva
antes
mesmo de
qualquer começo)
sim,
a tia
como
esquecer?
===
marinhas
Mas, se vamos despertando
Cala a voz, e há só o mar
Fernando Pessoa
havia
manhãs
em
que, ao abrir da janela
era
só o mar e o mar
o
mar
o
mar
o
mar
aqui
e além, barcos
quebravam
em dois
o
azul
inauguravam
o branco
desenhavam
a espuma
e
não havia palavras
só
as ondas
as ondas
as ondas
via,
ouvia
calava
=======
bagagem
de
lado a lado
a casa é uma viagem
Irene Lucília Andrade
haveria
de ser grande e bonito
o
baú encomendado ao tio
madeira
coberta por folhas de flandres
tachas
reluzentes e batique florido
(abrigar
os pertences
resistir
às intempéries atlânticas
e,
por fim, servir de móvel
no
destino novo)
ali,
na austeridade da arca
a
casa
reduzida
ao essencial
=======
casa
Vendam
logo esta casa, ela está cheia de fantasmas
José Paulo Paes
morta
a dona
morta
a casa
morta
a casa
morta
a memória
morta
a memória
morta
a memória da memória
morta
a memória da memória
o
vazio da casa
morta
deixada
morta
pela
morta que a deixou
======
contemplação
Ó céu azul - o mesmo da minha
infância-
Eterna verdade vazia e
perfeita!
Fernando Pessoa
à
varanda
: o oceano
em
verdes e azuis
adornado
a
imensidão ondulada
(mar
a confundir-se céu)
segue
nos tempos
(este,
mais o da lembrança)
nunca
a mesma
nem
aquela que a contempla
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