Mulheres
escritoras brasileiras – homenagem (de março, abril, do ano inteiro)
Rozzi Brasil
Conheci
Rozzi em outubro de 2023, durante o Encontro Nacional do Mulherio das Letras,
realizado no Rio de Janeiro. Já a conhecia das redes sociais, mas foi nas rodas
de conversa e nos debates que sua voz me chamou atenção, pela forma clara e
segura com se expressava ao expor seus posicionamentos e ideias. Compareci à
sessão de autógrafos do seu livro de estreia, “Histórias da Cabrochinha”
(Editora Voz de Mulher, 2022) e naquela mesma noite li alguns dos contos.
Seriam mesmo contos? Li-os com a sensação de estar diante de uma espécie de
escrita de si, fluxo da consciência, diário com uma pegada muito forte sobre
questões sociológicas, vivências narradas por um outsider, alguém que está
dentro de um corpo, mas o enxerga de fora e, estando dentro, enxerga e amplia o
seu entorno. Transfigurados pela literatura, essas curtas e ágeis prosas, por
vezes (muitas vezes) cruéis, algumas são recebidas pelo leitor como um soco
cruzado na beira do estômago.
Extraio
um parágrafo do comentário de Heloísa Buarque de Hollanda, a Helô Teixeira, na
quarta capa do livro: “Infelizmente, esta História da Cabrochinha, tal como
escrita, com talento, por Rozzi Brasil, é o retrato fiel de uma infinidade de
mulheres que sobrevivem nesta primeira metade do século XXI, Brasil.”
O
livro também traz um prefácio de Lilia Guerra que aponta que “despida de moldes
convencionais, vestindo sempre um estilo solto, confortável, a autora transmite
ao exto essa liberdade sem rótulos”.
O
fato é que passei a prestar mais atenção nessa escritora e suas questões de
cunho literário, de gênero e socioculturais, mas não só.
No
ano seguinte, 2024, em Belém, PA, onde o Encontro do Mulherio foi realizado,
voltei a encontrar a Rozzi e me foi possível estreitar um pouco mais os laços
literários, camaradas e de afeto. Naquela ocasião, mais um livro de sua autoria
foi apresentado, desta feita, de poemas. “Carne Viva”, inserido na Coleção V do
Mulherio das Letras (Venas Abiertas, Editora Popular, sob a batuta corajosa de
Karine Bassi.
Outra
surpresa, alguém que diz no poema “eu não tenho amigos, só tenho as letras”
(será, não foi isso que percebi no seu jeito de olhar e de dizer) e continua o
poema “Conheço, no Rio de Janeiro, / alguns lugares chamados / “Faixa de Gaza”,
lá se morre, se escola, / onde almas viram pedras / corpos, espantalhos /
corvos a vender / ninguém pra socorrer / De um lado e de outro, Há humanidade
explodida / Dignidade vencida. // Por mim nunca mais saía de casa, / nunca mais
abria a porta, / nunca mais descerrava os olhos. / Mas tem a civilidade / desse
mundo pré-histórico / Se não saio, não como. / Se fico, não vivo.
As
informações (minibio) sobre Rozzi tiradas dos seus livros são estas: “Pessoa
preta do Axé e LGBT. Cria de Zona Oeste do Rio de Janeiro. Escritora, sambista
e pesquisadora do samba carioca, professora ativista antirracista, realizadora
audiovisual, fotógrafa, designer, compositora da Portela, podcaster e
apresentadora. Mestre Quebradeira da Universidade das Quebradas, UFRJ.
Cofundadora do MUQ-Movimento Mulheres nas Quebradas do PACC/UFRJ, grupo
feminista voltado para produção literária de mulheres da periferia através do
projeto #LivresLivros do qual é idealizadora. Autora do livro Histórias da
Cabrochinha (Voz de Mulher, 2023) sobre vivências e violências de uma mulher
negra periférica no Rio de Janeiro; Por Dias Melhores (ebook). Integrante de 6
antologias entre 2020 e 2022. Idealizadora e correalizadora do movimento Vem
pra Cá! Sarau, que tem foco no protagonismo literário das mulheres
periféricas”. Trabalhos de Rozzi podem ser encontrados nas redes sociais e
blogs
Lilia
Guerra, nascida em São Paulo, autora de contos e romances que já circulam entre
um público mais alargado através da publicação de uma grande editora, como é o
caso da Todavia, que publicou o romance “O céu para os bastardos”, como também o
livro de contos “Perifobia”, neologismo criado pela autora referindo-se ao fato
de que a periferia pode causar (ou causa) repulsa.
Assim
como Rozzi, Lilian passa para seus livros a realidade que tão bem conhece, a do
mundo das “quebradas” paulistanas, o mundo em que ela e sua família viveram e o
faz com delicadeza espantosa e inteligente bom humor.
“Amor
Avenida”, seu primeiro livro, foi publicado em 2014 de forma independente e com
pequena tiragem. Em 2022, após a autora realizar rigorosa revisão e
“enxugamento”, o livro é reeditado pela Editora Patuá, com recursos do PROAC.
Em
2023, na livraria e Espaço Cultural Alpharrabio, em Santo André, tive
oportunidade de ver e ouvir Lilian a falar de seus livros, em especial daquele
que ali era apresentado e autografado, “O céu para os bastardos”. Dona de uma
simpatia elegante, sublinhou que trabalha como auxiliar de enfermagem na
Capital paulista. Isso causou-me uma certa inquietação, ou seja, como é que
alguém que exerce com tanto afinco e destreza o ofício da escrita não pode
tê-la como ofício principal? É jovem e certamente ainda colherá os frutos desse
ofício que, hoje, ainda não lhe dá o sustento material.
Quando
a conheci, pensei logo na Rozzi e nas pontes que se erguem através de sua
literatura e das vozes que lhes dizem “Escrevam isso. É importante”. E elas escrevem, registram, do seu lugar de
mulheres, tudo aquilo que foi negado a muitas mulheres ao longo do tempo. Dizem
e fazem disso literatura justamente pela forma como o dizem.
Leiam
Rozzi Brasil, leiam Lilian Guerra, leiam a literatura feitas por mulheres que
destravaram completamente os aros que as mantinham na penumbra em condições de
afazia. Agora contam e contam bem, literatura que deveria ser leitura
obrigatória na reeducação de machistas renitentes.
dtv