domingo, 22 de maio de 2016

Poesia para dois tempos

NESTES ÚLTIMOS TEMPOS
Nestes últimos tempos é certo a esquerda fez erros
Caiu em desmandos confusões praticou injustiças

Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
Degradação das coisas que a direita pratica?

Que diremos do lixo do seu luxo – de seu
Viscoso gozo da nata da vida – que diremos
De sua feroz ganância e fria possessão?

Que diremos de sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus conluios e negócios
E do utilitário uso dos seus ócios?

Que diremos de suas máscaras álibis e pretextos
De suas fintas labirintos e contextos?

Nestes últimos tempos é certo a esquerda muita vez
Desfigurou as linhas do seu rosto

Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
Degradação da vida que a direita pratica?

                                       julho 1976

Sophia de Mello Breyner Andresen, Porto 1919 – Lisboa 2004, a maior poeta portuguesa do Século XX, quiçá de todos os tempos. Ocupa um lugar definitivo no Panteão Nacional, onde seu corpo repousa, não por acaso, ao lado do de Amália Rodrigues, a maior artista portuguesa do Século XX e de todos os tempos. Duas gigantes. Duas vozes. Únicas mulheres ocupantes daquele Monumento dedicado a grandes vultos. Amália foi a primeira, seguida de Sophia, a “profanar” esse reduto masculino.  Ambas quebraram paradigmas culturais.

(este poema integra O NOME DAS COISAS, Obra poética, Editorial Caminho, 2004