segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Natal

Natal, em respeito à minha história pessoal e dos meus ancestrais, segue da mesma forma há 4 décadas por aqui. O presépio adquiriu a feição multicultural da família, uma mistura de lapinha madeirense, à qual foram se juntando peças adquiridas em diferentes locais e ocasiões agora se constitui numa pequena coleção de mini-presépios de várias "nacionalidades", sem faltar as "searinhas", simbolizando a fartura do ano vindouro, tradição rural da terra natal, a Ilha da Madeira. O bacalhau às lascas com (muita) cebola, (muito) azeite e grãos também integra a tradição na ceia do dia 24. Mais uma vez, o louvor à memória, aos que aqui já não estão e a celebração dos que aqui se encontram com saúde e projetos futuros. Celebrei/celebramos.



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A maldição da palavra

Postei este texto no facebook pelo fato de que o mesmo se originou de um episódio do próprio meio, mas como o blog "armazena" melhor as palavras, deixo-o também aqui:

Definitivamente, sábados são dias bipolares na minha vida. Para o bem e para o mal, as grandes alegrias e tristezas, algumas tragédias também, costumam me acontecer nesse dia da semana, sempre juntas, fazendo jus a essa tal bipolaridade do dia.
Como, para o bem e para o mal, o maldito fb é também um confessionário, provocador de "tragédias", vamos ao relato da bipolaridade deste sábado:
manhã
Com alegria, exercitei a arte da conversa entre gente que gosta (pouca, pouquíssima, é verdade) a arte de fazer e ler poesia essa inutilidade diante dos olhos utilitários do mundo.
noite
madrugada abafada de já domingo, disseram-me que faço da poesia a "arte da fuga" e da palavra "a arte de magoar" e, em outras palavras, que não passo de um ser desprezível e inútil.
Saí ferida do embate, triste de não ter jeito, sentindo-me na clandestinidade.
Perdi o sono. A noite, outra noite, mais abafada e triste.
Sem entender as razões de tantas culpas e pecados que me são atribuídos, valho-me justamente da palavra (afinal, foi a palavra que elegi como ofício) para, glosando os versos da poeta de olhos da cor do mar, concluir:
Ai palavras ai palavras que estranha maldição a vossa!


sábado, 29 de novembro de 2014

Da série, Olha só o que o carteiro deixou aqui II


Este nem precisei "rasgar" o envelope porque veio nos moldes de "arte correio", "propostal", poesia "em aberto" a quem dela queira se apropriar, como convém a um poeta, meu velho camarada Zhô Bertholini. Resistente às novas mídias, fiel à velha caixa postal 071, Vai deixando marcas do corpo no papel, jamais em branco, jamais vazio, sempre arte (para partilhar, para (re)distribuir. 
Mais uma preciosidade que vai para a minha caixa relicário



quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Da série, Olha só o que o carteiro deixou aqui




Cheguei há pouco do trabalho. Sobre a escrivaninha, esperava-me um envelope amarelo, subscrito com meu nome em letra elegante. O carimbo do correio registra: Madrid 10 Out.2014. Foi uma longa viagem (45 dias) até chegar ao seu destino. O gesto de abrir um envelope assemelha-se a gestos ancestrais de descobertas. Foi assim que mergulhei em delicadezas e poesia, mimos preciosos enviados por alguém que até então era um desconhecido (não é mais...). Uma edição fac-similar do Romancero Gitano de Lorca... objeto gráfico e simbólico tão estimado! E não só, recheado de outras delicadezas que me fizeram passear pela linda Madrid, cidade onde já estive por 3 ou 4 vezes mas que há anos não visito. Nunca estive lá no Outono, mas é a estação de que mais gosto (em qualquer canto do mundo). Receber folhas outonais madrilenhas, envolvidas em papel de seda com a legenda: "el otoño ha llegado" representa uma verdadeira epifania! Depois, passear pelo Reina Sofia, Prado, e o Museo del Romanticismo (este eu não conhecia) e um marca-página com a imagem da grande e trágica poeta argentina Alejandra Pizarnik!... Ser apresentada a Joaquin Sorolla (também não conheço - ó mundo tão vasto, e tanto ainda a conhecer!) e terminar o "passeio" em Lisboa, com Jazz às onze (assim como o remetente, também gosto de recolher postais por onde ando, guardá-los ou presenteá-los, marcas do vi e ouvi. Obrigada, caríssimo amigo. A partir de agora,  o amigo virtual torna-se uma presença física (real e de muita sensibilidade). E viva os "milagres" das redes sociais (para o bem e para o mal. Para o bem, neste caso, claro - até porque, os casos de "para o mal" simplesmente ignoro). Bem haja!



quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Diário (quase íntimo) 2013

quarta, 27

"À medida que nos aproximamos da morte, também nos voltamos para a terra. Mas não para a terra em geral e sim para aquele pedaço, aquele ínfimo mas tão querido, tão saudoso pedaço de terra em que transcorreu nossa primeira idade"
"A mim, a literatura permitiu expressar horríveis e contraditórias manifestações de minha alma"
"Quando já abandonamos a energia dos trabalhos, o ardor da paixão, a ilusão de outros projetos, com frequência ficamos habitando o presente, distraidamente, como um jogo ao qual não prestássemos atenção, porque nosso eu mais profundo ancorou-se àqueles momentos em que a vida resplandecia".
Ernesto Sabato, "Antes do Fim" (tradução Sérgio Molina, Cia. das Letras), livro belo e terrível, visão lúcida e sombria dos derradeiros anos do grande escritor argentino. Livro que leio, quando não deveria ler.


quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Poema para Iara

Iara

já és tudo e nadas
nas insondáveis
águas das
profundezas do ser
da grande mãe Carolina
que te gera e acalanta
que te sonhou e
da bisavó Senhorinha
recebeu a anunciação

aqui, esta mãe
que gerou tua mãe
acostuma-se ao nome
e de neta te chama
Iara-I
Iara pequena
Iara das águas
Iara canora
Iara nomeada
Iara, mesmo antes de vir a ser

teu nome, Iara, é música
em I maior, andante
para tambores e oboé

(de dtv para Iara, a 4ª neta, que se juntará em breve a três gentis cavalheiros que a antecederam)

domingo, 5 de outubro de 2014

15 anos sem Amália, Amália vive

No dia 6 de outubro de 1999 escrevi esta crônica, publicado no Diário do Grande ABC em 10.10.1999. 15 anos se passaram, Amália vive. Viva Amália:

Silêncio, Amália morreu

Amália, a fadista, sabia-se amada e queria que chorassem por ela quando morresse. Foi isso que fiz ao saber de sua morte, aos 79 anos, no dia 06 de outubro. Chorei e, em silêncio, ouvi-a cantar por horas seguidas, sabendo-a viva, ali, naquela voz que faz parte de minha trajetória de vida, há meio século.
A origem do fado é controversa, envolve lendas e suposições. De acordo com Pinto de Carvalho (História do Fado, 1903) teria “nascido a bordo, aos ritmos infinitos do mar, nas convulsões dessa alma do mundo, na embriaguez murmurante dessa eternidade de água”. Uma outra tese é a de que o lundu, (dança obscena dos pretos congoleses, importada no Brasil e em Portugal) é o seu predecessor imediato. O certo é que o fado surgiu em Portugal com o regresso da corte em 1822 e teve sua idade de ouro na mítica “cantadeira” Severa, que reinou absoluta na idolatria e no imaginário português – foi tema de opereta, peça teatral, filme e, claro, letras de fado - até o surgimento de Amália.
De acordo com musicólogos, Amália revolucionou o fado tradicional, enriqueceu sua pobreza melódica inicial, acrescentando-lhe, inclusive, o improviso, um elemento jazzístico. Entre tantos méritos dessa cantora dona de uma voz absolutamente singular, está o de ter popularizado a grande poesia de língua portuguesa. Amália cantou, entre outros, Camões, Guerra Junqueiro, José Régio, Alexandre O´Neil, Pedro Homem de Melo, Antonio Feliciano de Castilho e a nossa Cecília Meireles e transformou o fado num verdadeiro traço de união, marca identitária entre todos os portugueses. Não há quem nele (e nela) não se reconheça. 
Após a Revolução dos Cravos, Portugal, levianamente, passou a ignorar Amália, rotulando-a de representante do salazarismo. O gênio e a arte de Amália estavam, porém, acima de rótulos equivocados, colados com a goma apressada da (legítima) euforia da época. Dignamente, ela continuou cantando pelo mundo, sendo recebida em delírio pelas mais nobres platéias, como o Carnigie Hall, de New York e o Olympia, de Paris. Ainda que cantasse em outras línguas – forma gentil de retribuir os aplausos, ninguém precisava falar português para entendê-la. Amália era universal e deu ao fado essa dimensão. O ostracismo durou pouco e, passados os anos de euforia e acertos, Portugal voltou a (re)conhecer-se nela.

Como nas tavernas de Lisboa, peço silêncio, pois vai-se cantar o fado. Silêncio, Amália morreu.

Em homenagem, ouçamos essa inigualável voz:

https://www.youtube.com/watch?v=1YriVM8sC7M

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Havia uma feira no meio do caminho

Havia, na manhã desta quinta feira primaveril, uma feira no meio do meu caminho. Saudosa desse antigo hábito que, por força das circunstâncias e do conforto  (? será?)  do supermercado, havia deixado de lado, desacelerei o passo e, sem a obrigação de carregar sacolas ou abastecer a fruteira, usufrui do passeio, das cores e dos cheiros com todos os sentidos.


Tímida (ando assustada com o excesso de "celulares em punho" nas ruas), mas ainda assim, saquei do meu, pedindo permissão aos respectivos donos das bancas fotografadas.




Isto aqui, acredite, não é um armazém, daqueles com portas e trancas que há algum tempo viam-se pelos bairros os chamados "secos e molhados" (enlatados, produtos de limpeza, sacaria com grãos a granel, frios). Este "armazém", é montado todos os dias às 5h30 da manhã para, algumas horas depois, lá por volta das 13h00, voltar para as caixas que serão empilhadas no caminhão. Amanhã, e depois e todos os dias vindouros será assim, numa incrível logística que requer criatividade, força, rapidez e muita disposição. Os fregueses são pessoas de um bairro que possui o metro quadrado mais caro da cidade. Como se explica? Saudosismo? Com a palavra os cientistas estudiosos da vida cotidiana.



Mais adiante... a indefectível barraca de pastéis. Bem, confesso que nos últimos tempos degustei pastéis na feiras apenas em esporádicas "visitas", quando levo "turistas" à feira. Mas era hora de almoço, papilas a darem sinais de fome e... Impossível resistir. É cultural. Todo paulistano/paulista sabe. Lá fui. Refeição complementada pelo caldo de cana da indispensável barraca ao lado.

Estômago e sentidos abastecidos, retomei a caminhada rumo à minha casa, pensando no fascínio que sempre nutri por mercados e feiras. Lembrei de uma crônica que publiquei no já distante ano de 1998, que dizia:

" Com todos os transtornos que acarretam aos moradores das ruas onde são realizadas, as feiras livres representam ilhas de convívio em plena urbe que, inexplicavelmente, ainda as mantém. Diferentemente do supermercado, aqui as pessoas não demonstram pressa.  Se abraçam, param para conversar, sacolas e carrinhos esquecidos atrapalhando a passagem." E assim permanece, inalterável. 


Lá pelas tantas, já cansada, após a caminhada de ida, uma hora de Pilatis e mais a caminhada de volta, ouço uma voz a me oferecer carona. Era Dulce, amável vizinha do prédio onde vivo, dois andares acima do meu, que deve ter percebido o passo claudicante da pedestre. Alegre, aceitei, até porque não são todos os dias que uma carona nos deixa dentro da garagem da própria casa. Sou uma pessoa de sorte. (dtv)

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Despedir dá febre


despedida

porque a hora é de partir
(retornando)

zumbem as turbinas 
é necessário apertar
o cinto do recordar
as instruções de segurança
já brilham na tela e no
sorriso da comissária
mas não dizem que a pista
vai dar no mar

não há tempo (nem coragem)
para sacar o diário de
bordo, pois a bordo o
recordar da viagem preenche
assentos e estômagos já em
ânsias de chegar

sempre foi assim
:
despedir dá febre (Diadorim)
e o fim da viagem jamais é registrado




sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A Igreja que vende livros e a Vila Literária de Óbidos

Não deixa de causar um certo frêmito de estranheza, entrar num templo como a Igreja de São Tiago (Séc. XII) ao lado das muralhas do Castelo de Óbidos e, no lugar de imagens de santos e paramentos religiosos, dar com...




uma livraria, milhares de volumes ocupando inusitados escaninhos e altares, como este, com os livros de um declarado ateu em destaque.




A iniciativa de transformar a pequena e encantadora Vila de Óbidos em uma "Vila Literária", veio de José Pinho, proprietário da Ler Devagar, com sede em Lisboa.



E assim foi. Em meados do ano passado, pelas notícias que me chegaram, além da Igreja, várias outras livrarias, dentre elas alguns sebos, ali foram se instalando em antigos galpões, mercados e outros espaços inusitados.
Não deixa também de causar espanto que, em tempos da alardeada crise econômica portuguesa e do fechamento de livraria históricas como a centenária Sá da Costa, no Chiado e muitas outras, haja gente de coragem para investir em livrarias numa vila com pouco mais de 3000 habitantes mas que, diga-se (e essa deve ser a razão da coragem, mas a ideia de atrair aficcionados do livro), recebe quase esse montante de visitantes diários. Não consegui apurar se o projeto está indo bem financeiramente nem se todas as livrarias que se instalaram ali (sete - de um total previsto para onze) permanecem abertas, uma vez que, turista cansada em final de viagem, faltou-se pernas para a busca e só consegui, localizar e visitar três. Uma, de livros usados, funciona num enorme galpão de um antigo mercado.



 Valendo-se dessa estética e referência histórica, as "estantes" são os próprios caixotes de madeira usados para transporte de frutas que, aliás, são vendidas ao lado dos alfarrábios.




 A outra livraria visitada é especializada em livros de arte e funciona também como Galeria.




Só espero que essa exótica proposta siga em frente para alegria dos (poucos) turistas que dividem seus interesses entre "selfies" e eventuais preces literárias. (dtv)

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Ruas do Funchal - toponímia original

"O senhor concorda? Nome de lugar onde alguém já nasceu, devia de estar sagrado". O velho Riobaldo está coberto de razão. No Funchal, onde nasci, na chamada "Zona velha", a parte mais antiga da cidade, os nomes das ruas preservam sua origem e falam da história do lugar, do que já não é, mas precisa ser lembrado pelo que foi. Marcas de gente, ainda que através de um mero prenome ou ofício.
Notas:
1) Tanoeiro, operário que faz ou conserta tonéis ou pipas (meu avô materno era tanoeiro e muito se orgulhava de sua arte.
2) Varadouros, aqueles que avaliavam a capacidade das pipas e dos tonéis, medindo-os com as varas.
3) Varadouro, lugar onde se encalham as embarcações para os consertos ou guardá-las no inverno. Lugar onde se reúnem pessoas para descansar e/ou conversar. (acredito que o "Largo dos Varadouros" atendia às duas finalidades
4) Como todas as cidades antigas, o Funchal teve suas "portas" (que se fecham e abriam a horas marcadas), algumas com características de defesa militar. O Funchal chegou a ter 16 portões no início do Séc. XIX, já em 1836 só 11. O Portão dos Varadouros, o último, foi destruído em 1911 (construído em 1689) pela mesma edilidade que o mandou erguer (!).
5) Cidrão, árvore, espécie de cidra, fruta de casca grossa, da qual se fazia doce.
6) João Esmeraldo, fidalgo flamengo (Esmenaut) 1480 (era dono de Sesmaria e foi amigo de Cristovão Colombo com que, dizem, uma de suas filhas teria se casado).
7) A presença árabe também aqui, como no Continente: Aljube: cárcere; Mouraria (lugar de mouros, muçulmanos).

8) Finalmente, mas não menos importantes, as referências meramente poéticas, como "Boa Viagem", "Larguinho da Feira", Rua da Figueira Preta", "do Forno",  etc.



















quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Calçadas do Funchal ou a história da cidade sob os pés

Andar pelas ruas do Funchal (capital da Ilha da Madeira, minha cidade natal) é caminhar sobre a história da própria cidade. A cultura e a história pela arte da pedra. Pergunto-me, se todos que por ali passam se darão conta disso.