domingo, 29 de março de 2015

Retorno, licença poética e lembrete de Vieira

Texto originalmente publicado no Facebook:

12 dias licenciada  da rede. Uma licença poética, literalmente.
Experiência Detox pela poesia. Poesia todos os dias, na veia, em doses cavalares.
Retorno porque toda dieta é assim, provisória. Desintoxica para intoxicar novamente.
Para completar a desintoxicação, desci a serra. Mergulhar o corpo na água salgada. O costumeiro verde mata atlântica, nesta época, todo salpicado de rosa e branco (os manacás). Exuberância de Outono. Eficiência comprovada da receita.

Nesse meio tempo, os deuses cibernéticos derramaram sua vingança sobre mim e me brindaram com uma épica gripe. Não tive como evitar uma analogia com os dois personagens de Sarapalha, sua febre terçã e sua recusa a sair do lugar ("Ir para onde?... Não importa, para a frente é que a gente vai!.."). Trêmula, pensava neles enquanto soprava a xícara de chá fervente. Entre tremores e zumbido no ouvidos, entupidos (eles de quinino, eu de chá de alho com limão), irmãos nas maleitas humanas.
Nesta pausa de silêncio e leituras notei o seguinte:

- A vida fora do FB é bem menos frenética. Não se ouvem tantas vozes ao mesmo tempo, as pessoas seguem seu cotidiano, vão ao supermercado, ao açougue, ao cabeleireiro, à livraria, ao shopping, trabalham, descansam e a vida urbana segue sem tantos especialistas, vida feita de gente de carne osso, remelas, coceiras, febres, torções e, claro, sorrisos e gestos de bem querer.

- O FB pode ser, sim, interessante. Confesso que senti falta de balizar minhas opiniões com as de gente que respeito e admiro. Ainda que de maneira um tanto quanto oblíqua, entrei diariamente por aqui, pois a comunicação via email está gradativamente desaparecendo. Na suposição de que estamos on-line diuturnamente, as mensagens, em sua esmagadora maioria, são enviadas pelo "messenger" do FB. Mas resisti e cumpri a licença à risca.

Termino, com Pe. Antonio Vieira, relido também nestes dias, que me alertou sobre o Facebook: "A maior graça da natureza, e o maior perigo da graça, são os olhos. (...)  o maior perigo e o maior laço são os olhos alheios. E por quê: Porque sendo tão natural do homem o desejo de ver, o apetite de ser visto é muito maior. (...) Tão imortal é nos mortais o desejo de ser vistos!" ("Sermão da Quinta Quarta-Feira da Quaresma - Pregado na Misericórdia de Lisboa, no Ano de 1669", in "Sermões", organização Alcir Pécora, 2 volumes, Ed. Hedra, tomo 1, 2001)


domingo, 8 de março de 2015

Mulheres


O Dia Internacional da Mulher deveria ser lembrado (e não o é) pelo que verdadeiramente evoca, ou seja, um ato bestial cometido contra 109 operárias, em 1908, em Nova York, que foram queimadas vivas pela polícia na fábrica têxtil Cotton, onde trabalhavam. Tinham reivindicado a diminuição da jornada de 14 para 10 horas, aumento salarial e melhoria nas péssimas condições em que viviam. Conta-se que, algumas delas, chegavam a ter os filhos dentro da fábrica. Como não foram atendidas em nenhum de seus pedidos, ocuparam a fábrica e a solução encontrada pelos policiais foi matá-las. A partir daí comemora-se essa data mundialmente em homenagem a essas mulheres.

Passados mais de 100 anos daquele fatídico episódio,  pouco ou nada mudou, nem no mundo do trabalho, muito menos no universo doméstico. A mulher  ainda não recebe salário igual ao dos homens para funções iguais. Surpreendentemente, a sociedade, mostra-se cada vez mais machista com a consequente e inaceitável violência praticada diuturnamente contra as mulheres de todos os níveis sociais, violência não apenas física, como também moral. Bom exemplo disso são os repugnantes comerciais de cerveja (carros, turismo e outros) que insistem em associar a imagem da mulher a mercadoria saborosa e de fácil consumo. 

Refletir sobre o significado desse dia e do seu universo simbólico é também rejeitar as "homenagens" de políticos, comerciantes e eventuais desavisados que, ao contrário dos tais comerciais, associam a imagem da mulher a uma flor, à beleza, à ternura e outras baboseiras que da mesma forma só disfarçam o machismo institucionalizado.

Muito conquistamos, muito ainda nos falta. Trocar os presentes deste dia 08, por ações diárias e permanentes é a proposta. Sem perder a ternura, vá lá...

Alô, alô, mulherada que vai à luta, aquele abraço...

Alô, alô, mulherada que pensa, aquele abraço...

Alô, alô, mulherada que protesta e sabe dos porquês, aquele abraço...

Alô, alô, mulherada parideira, criadeira, educadora, provedora, profissional de todas as funções e artes do universo, aquele abraço...

"deram-lhe um dia
apenas um dia
(devem-lhe séculos)

Na tentativa de remissão
as flores constrangidas
(homenagem tardia)"

         dtv