domingo, 4 de agosto de 2013

Jornal de Viagem - III


"Raro é virmos pra cantar,
Raro é pra ti e pra mim,
Sobre a terra triste e fria
A pobre terra do Norte" (*)


Suomi, cujo significado é Terra dos Mil lagos ou Finlândia, para nós, povos de língua originária do latim, é um país a poucos quilômetros do Ártico Polar, onde está situado um terço de seu território e que muito me encanta por sua tortuosa história que resultou numa cultura bastante peculiar.


Esta é a segunda vez que visito Helsinque, sua Capital, agora com um referencial literário que não tinha à época: a Kalevala, poema épico, equivalente à Ilíada, de Homero ou aos Lusíadas, de Camões, que li numa tradução em espanhol, adquirida lá mesmo, naquela primeira visita, há 14 anos.



Sob domínio sueco por mais de 3 séculos (1500 a 1809) e posterior domínio russo (na condição de Grão-Ducado, com alguma autonomia), os filandeses tiveram o latim e o sueco como línguas associadas à sua educação e cultura, sendo que o finlandês  permanecia considerado como língua do povo iletrado.




Até que em 1835, é publicado o longo poema (12.000 versos), denominado Kalevala (que em finlandês significa "a terra de Kaleva" ou segundo outros "o país dos heróis"), canções e versos populares da tradição oral, recolhidos por Ellias Lönnrot (1802-1884) em todo o país e por ele compilados e arranjados, inclusive com versos de sua própria autoria. Animado com o enorme êxito da obra, Lönnrot prosseguiu suas investigações e publica, 14 anos depois, o que seria a obra definitiva, com o dobro de versos, 25.800, em 50 cantos. Essa obra viria se transformar não só no mito fundador da literatura finlandesa, como a grande referência cultural de língua finlandesa, forjando, com a força de seus mitos e de sua literatura, a própria identidade do país, a ponto de influenciar fortemente seus maiores artistas, como o compositor Jean Sibellius (ele próprio outra referência nacional) que deu a várias de suas obras nomes dos heróis da Kalevala.


Pohjola: "Terra do Norte" referida na Kalevala

Foi com essa referência que percorri as ruas da acolhedora e simpática  Helsinque, percebendo as marcas literárias em seu cotidiano. Desta vez, com um "troféu" embaixo do braço: uma bela edição portuguesa, em versos (a espanhola é em prosa) de Kalevala, traduzida por Orlando Moreira (Ministério dos Livros, Lisboa, 2007), adquirida lá mesmo, numa de suas incríveis livrarias onde há uma sessão especial só para essa obra, com traduções em dezenas de línguas. Viva! No Brasil, curiosamente, esta obra ainda é muito pouco conhecida.  Em 2009, de forma tímida, a primeira notícia brasileira da obra: um volumezinho publicado pela Ateliê Editorial, com o primeiro canto, bilingue (no qual é narrada a criação do mundo e o nascimento do personagem central, Väinämöinen), traduzido Álvaro Faleiros e José Bizerril, com um excelente estudo introdutório, assinado por Vizerril. Aguardemos, pois, a obra completa por aqui, que já tarda.

 "Raramente reunimo-nos
temos no entanto um ao outro
por estas pobres fronteiras,
nas tristes terras do Norte" (**)

E como tradução tanto pode ser considerada "transcriação" como "traição", comparemos essas duas estrofes: a primeira (*) na tradução portuguesa e a segunda (**) com o "sotaque" da tradução brasileira. Fico com as duas, já que a original está muito distante do meu pobre alcance. (dtv)


2 comentários:

  1. É sempre um prazer renovado "viajar" nas suas viagens. Esta então tem um gostinho especial acrescido, o seu achado "troféu" Kalevala, edição portuguesa, realçando o facto de ser em verso.
    Com tantos vendilhões a querem apagar a peugada lusitana, eis uma lufada de ar fresco.
    Agradecida pelas suas sempre tão deliciosas partilhas - pode mudar de "janelas", eu estarei sempre espreitando por elas :)

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  2. Partilhar meus textos com leitores atentos e sensíveis como você, cara Isa, é sempre uma grande satisfação. Abraço grato da dalila

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