71 anos hoje – testemunho
nasci (como Amália)
no tempo (tardio) das cerejas
por essa razão o meu viver
foi/é tingido de encarnados
chama ininterrupta
para afugentar mornidões
tive amores (circunstanciais e
um definitivo)
tive filhas que tiveram filhos
e
meus netos são
nenhuma delas/ nenhum deles me
pertence
o liame do amor basta, sem nós
a sufocar o peito nem a vida
não quero ser jovem (nem sequer
parecer jovem)
porque já fui e já não sou
tenho a idade que tenho e sou
velha
sim, velha, sem atenuantes
semânticos
tenho boa saúde, mas,
seguramente
esta não é a melhor idade
apenas uma novaidade
sujeita a ventos e tempestades
imprevistas
(mas há – e haverá - a incomparável luz de outono
vista e sentida setenta e uma
vezes)
de material, mais nada desejo
(exceto livros, vírus incurável
e não transmissível que,
para minha frustração, não
consegui transformar em epidemia)
tenho fomes, ainda
muitas fomes...
(e preciso de quem as mitigue
comigo)
antes da lápide
a vida em brasa
antes das cinzas
o fogo
dtv 02.07.2017
E.T.: entrei no facebook já há
alguns anos. não permiti que a data de meu nascimento fosse de caráter público,
ainda que tudo que publico aqui o seja. não que me importe com o número de
anos, informação que jamais escondi, mas como espécie de “teste”, a ver quem a
lembra sem lembrado ser pelo robô cibernético. como mudam-se os tempos (e as
vontades, sabia bem o poeta maior) hoje deu-me vontade. e só porque deu
vontade, publiquei este “testemunho” e anunciei a data. também porque deu
vontade, decidi que a data será festejada tanto quanto no ano passado, ou seja,
durante todo o mês de julho. só porque estou viva e tenho fomes.
E.T.: originalmente publicado, nesta também, no Facebook
Nenhum comentário:
Postar um comentário