Era
para ser um sábado de chumbo, cor de chumbo, penumbroso, tristezas a escorrer
pelas horas. Mas não. Ali estava um morto, mas não. Ali estava o corpo de um
homem a viver na lembrança e na memória viva dos muitos, muitos, que ali estavam
a cumprir o rito de passagem do amigo. Ali estava o corpo de ANTONIO POSSIDONIO
SAMPAIO, meu amigo de meio século e amigo daqueles e de tantos que, por suas
qualidades de ser humano ímpar, recebia o presente da amizade cultivada.
Em
tempos cada vez mais voltados para o individualismo e a superficialidade, chega
a soar estranho que uma pessoa possa construir centenas de amizades com duração
de vida inteira.
Mais
“estranho” ainda se constarmos que ali estavam, em harmonia, pessoas com posturas
políticas das mais diferentes colorações, posições sociais díspares, crenças
religiosas sincréticas, escolaridades de todos os níveis, desde aqueles de
rudes letras até pós-doutorados e professores eméritos. Registrei na câmara de
minha memória, a presença de humildes servidores (da limpeza, do café);
operários que recorreram ao causídico em busca de solução e consolo para o seu precarizado
contrato de emprego, interrompido por acidentes no trabalho; advogados em
exercício e ex-colegas da velha Academia do largo de São Francisco, jornalistas
históricos, artistas, escritores mais e menos conhecidos, memorialistas e
vizinhos de condomínio, todos despidos de seus atributos e classes sociais. Dos
políticos, contabilizei a presença do atual Prefeito e um ex-Prefeito da cidade,
um Deputado federal; um ex-Deputado estadual e um ex-Presidente da República.
Não, não estavam ali para cumprir nenhum protocolo oficial, até mesmo porque aquele
que estava sendo velado jamais frequentou seus gabinetes durante o exercício de
seus respectivos cargos.
Todos,
indistintamente, vieram com a intenção ÚNICA de se despedir de um amigo,
prestando-lhe homenagem.
Assim,
com os lápis da diversidade, do sincretismo (baiano, mais que baiano), ali foi
traçado o retrato de um homem livre e múltiplo, um homem intransigente em
permanente defesa dos menos favorecidos, um ser humano que jamais abriu mão de
suas utopias e convicções, de sua crença no ser humano e suas potencialidades. R.I.P.
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