segunda-feira, 13 de junho de 2016

O Debate das Políticas Públicas da Cultura - Tarefa de Sísifo

No último dia 08.06.2016, fui convidada a participar, como debatedora, de uma interessante mesa no XIV SEPPI - SEMINÁRIO DE POLÍTICAS INTEGRADAS, organizado pelas Universidades: USCS, UMESP e  UFABC. O evento aconteceu no Campus Centro da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. 
A proposta do Debate,  “QUALIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS – Saúde, Cultura, Educação, Esportes na vida das pessoas”, foi a de um  breve diagnóstico da área, na região do ABC, e perspectivas futuras por caso um dos participantes. Representantes das áreas de Cultura, Saúde, Educação e Esportes:  Profª Dra.Vânia Barbosa do Nascimento, Chefe do Departamento de Saúde  Coletividade – Faculdade de Medicina do ABC); - Profª Ms. Diana Maria de Moraes, Coordenadora do GT Educação do Consórcio Intermunicipal do ABC; - Esportes Prof. Walter Figueira Jr.. Assessor da Secretaria de Esportes do Município de SCS, bem como o dr. César Schneider – Chefe da Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo




Abaixo, a íntegra do meu pronunciamento



Boa noite a todos. Meu agradecimento aos organizadores pelo honroso convite.
Iniciaria dizendo que, em face do confuso panorama da atual conjuntura política brasileira e do evidente desmonte das políticas públicas federais da cultura que, diga-se, ainda que falhas, a duras penas foram conquistadas, fica difícil evitar o desalento diante deste tema.

Mas quando não foi assim? Pergunto eu. Estamos acostumados, desde sempre, à  frustrante constatação de subirmos dois degraus para, logo a seguir, após a dança das cadeiras, despencarmos cinco. O desmanche e a reconstrução e a eterma descontinuidade. É como se estivéssemos praticando um alpinismo constante num terreno improvável no qual jamais se alcança o topo, pura tarefa de Sísifo.

Não tem sido diferente nas esferas municipais locais. A própria ideia de cultura, via de regra, é simplória, passadista e distante do debate qualificado que há anos a comunidade cultural acumulou e muito tem tentado levar para o debate oficial, sem êxito. Para a esmagadora maioria dos gestores públicos, a gestão da cultura ainda é pautada por eventos, política de balcão, agenda e demandas políticas.  Os produtores culturais e as questões da cultura são encarados, na maioria dos casos, como ornamentos cooptáveis.

A própria ideia de regionalidade não está posta, como nunca esteve, nos discursos da maioria de nossas lideranças políticas, muito menos nas práticas. Por receio, acredito, de dividir com o vizinho, o que se constata por aqui é a costumeira recusa das gestões públicas locais em promover ações regionais integradas e continuadas. Entre os gregos antigos, como se sabe, bárbaros eram os que não falavam sua língua. Entre nós, todo aquele que está fora da restrita esfera do poder municipal é considerado “estrangeiro”.  Aprenderiam muito ao observar e aprender com a cultura do outro, o comprometimento com a diversidade. Desta forma, como integrar cidades que falam sete diferentes “línguas” e se isolam dentro das respectivas fronteiras, ainda que ao longo de pelo menos as últimas duas décadas tenha havido esforços nesse sentido em momentos diversos, mas desgraçadamente descontínuos.

A justificativa costumeira é sempre a mesma, ou seja, a falta de recursos, quando na verdade é falta de políticas públicas que um plano regional de cultura construído a partir do debate amplo e da participação popular, e de linhas claras e objetivas, certamente daria conta.

Como o nosso tempo aqui é curto, farei uma síntese, lembrando das mais significativas proposituras que ao longo das últimas duas décadas foram encaminhadas às Administrações públicas municipais ou instituições regionais, como Consórcio Intermunicipal. Momentos marcantes, nos quais um inestimável conteúdo de demandas, resultantes de massa crítica acumulada e discussões qualificadas, encontros, estudos, trocas e busca de referencial, contribuições que, via de regra, ficaram em alguma pasta de uma gaveta qualquer, da qual foi perdida a chave.  Fica a sensação, ao menos para aqueles que, como eu, dedicaram incontáveis horas e dias de seu tempo em contribuir para o bem comum, de que todo esse esforço foi atirado à correnteza do Rio Letes que passa ao largo do Tamanduateí. Houve, e é importante que se diga, também marcantes momentos em que a vontade política da gestão pública contribuiu  com esse pensar e com essa tentativa de construção. O problema é a descontinuidade, a fragmentação e o consequente esquecimento.

- Anos 90 - Data desse período, o Fórum da Cidadania, o Grupo Independente de Pesquisadores da Memória – GIPEM. A criação da Câmara Regional, o Consórcio Intermunicipal, as duas gestões progressistas de Celso Daniel o primeiro político a pensar a regionalidade, o Projeto Cidade Futuro, a mobilização e participação popular os Congressos de História que são realizados até hoje. Esforços para implantação dos Conselhos Municipais de Cultura também datam desses anos.

- Anos 2000 - Estimulado pelas intensas discussões e insatisfação da comunidade cultural, um grupo de pessoas funda, em novembro de 2007, o Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC. Ao longo dos 13 anos de ininterrupta atuação, o Fórum vem exercendo a cobrança de políticas públicas que possam dar respostas à altura das velozes mudanças locais e globais que requerem diálogos ao nível da sua complexidade. Em 2008, o Fórum é procurado pelo Consórcio Intermunicipal e convidado a participar do Seminário para o Plano Estratégico Regional 2000-2010, ocasião em que levou importantes contribuições àquela instituição, como rever e sugerir acréscimos de novos programas e subprogramas dos eixos estruturantes do Planejamento, projetando a cultura como central no cenário futuro do desenvolvimento regional, incluindo-se aí, o reconhecimento da cultura no processo educativo, como um valor inalienável da formação humana.
Nessa ocasião, a reivindicação de se criar um Núcleo Estratégico de Cultura no Consórcio foi prontamente atendida, sendo que, instalado a seguir, o GT nesse primeiro momento, foi coordenado por um representante da sociedade civil. Importante sublinhar que isso se deu, não por força de lei, mas por um princípio de reconhecimento, legitimidade e conveniência.
Nesse período, 2008 e 2009, o Fórum encaminhou diversos projetos resultantes de demandas recolhidas em seus constantes debates e trocas com outros coletivos, como um inovador Censo Cultural regional; Sugestões de parcerias entre Consórcio, Prefeituras, Universidades e movimentos populares emergentes da sociedade regional organizada; O GT elaborou ainda, junto às 7 Secretarias de Cultura ali representadas, um  Mapa de equipamentos e ações públicas de cultura; Projetou um programa de ações integradas na circulação regional de produtos de várias expressões artísticas. Em 2009, o GT idealizou e realizou a Conferência Livre de Cultura 7 Cidades.
Em 2010, com a mudança jurídica que transformou o Consórcio em órgão público e as respectivas mudanças estatutárias, foi vetada a participação da sociedade civil.  A partir, daí os resultados dessa atuação, com exceção de uma ou outra ação pontual, não se fizeram notar. 
O Fórum e outros atuantes coletivos da região seguiram promovendo, isoladamente ou em conjunto, importantes ações, destacando-se a Conferência Livre de Cultura em Santo André, reconhecida pelo MINC e I Encontro da Diversidade, ambos em 2013,  este último, uma realização da UFABC e SESC Santo André, a partir da iniciativa do Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC com a decisiva colaboração do Movimento Cultura Viva Santo André.  Do Encontro participaram ativamente nada menos do que 12 Coletivos de 6 cidades da região. Uma conquista da vontade coletiva, institucional e popular, resultado de um longo processo que veio para re-ligar e com-partilhar ações e pensares que de há muito ocorrem por aqui,  potencializados através das trocas e do conhecimento mútuo, com interessantes desdobramentos. Haveria muitos mais, mas o tempo nos limita.

Após este brevíssimo panorama, gostaria de apontar alguns Desafios que a meu ver se nos apresentam:

Numa região ainda periférica, mas de uma rica diversidade cultural a ser explorada, como ademais é a sociedade brasileira, são muitos os desafios, tanto oficiais quanto comunitários.

- O primeiro deles, a grande tarefa, no meu modo de entender, será  manter viva a memória da discussão e ações acumuladas, a título de bagagem para a partida de quaisquer novas iniciativas. Assim, não cairemos na tentação de quem tenta nos convencer de que tudo é inovador, mas desconsidera o processo arduamente trilhado e construído.

- O segundo, é o de como fazer com que instâncias de governabilidade regional como Consórcio Intermunicipal e Câmara Regional, busquem ações e soluções para problemas comuns de forma integrada com a imprescindível participação da sociedade civil, com voz, vez e voto, parceria constituída de fato.

- Envolver e compromissar as Universidades locais na discussão e participação efetiva do processo e ação cultural externa, bem como discutir o seu papel dentro e fora delas, nas dinâmicas da cultura.

- Criar mecanismos para novas formas de se fazer política, novas formas de participação, que requerem mudanças da própria cultura política.

- Formação continuada de agentes e gestores de cultura e aqui, damos as boas vindas à disciplina de Gestão de Cultura da UFABC.

- Escuta permanente das experiências e demandas de gestões autônomas da cultura, via de regra, criativas e de fato inovadoras, muitas delas amparadas numa nova cultura digital que acabou por transformar, entre outras coisas, a cultura política

- Criar Conselhos de Cultura que possuam força, representatividade e competência política

Finalmente, diante das incertezas políticas deste momento, bem como na incerteza do futuro do atual ministério da cultura, recriado interinamente e, consequentemente, da também incerta manutenção do Sistema Nacional de Cultura e do Plano Nacional de Cultura, deixo, propositadamente, de colocar como desafio a implantação dos Planos Municipais de Cultura, imprescindíveis, mas incompreensivelmente ainda não assimilados plenamente por muitos dos gestores da cultura locais. Lembro que apenas duas de nossas cidades (SCS e Diadema) já os concluíram, mas que, na prática, estão ignorados. 

Gostaria ainda de sublinhar que a comunidade cultural, que aprendeu a lidar com a perspectiva de frustrações, segue criando, permanentemente discutindo e estudando formas de sustentação das manifestações culturais fora do plano institucional, sem entretanto, deixar de atuar politicamente através de pressão e cobranças das administrações públicas, no sentido de fazer com que o Estado cumpra seu papel nas obrigações previstas em sua Carta Magna, fazendo valer os preceitos constitucionais, incluindo-se aí o sagrado direito da manifestação popular e de sua escuta atenta.
Muito obrigada.

Aqui não foi dito, mas a poesia é uma das minhas expressões. Assim, encerro, lendo um poema escrito num 08 de junho, como este, em 2013:

8.06.2013
Percorro a cidade
  (que se quer show
   que se quer palco
    que se quer imagem
   que se quer espetáculo)

à busca de sua jugular
    (ausculto
        a cidade que não se quer
        a cidade que é)
a cidade real.

Ao final do debate, sugeri aos presentes que aquele encontro fosse transformado também num ato político contra o preocupante e inaceitável desmonte das políticas públicas e direitos sociais pelo atual governo federal interino, . A Universidade, disse eu, não pode se transformar em “bunker” e ignorar o que está ocorrendo. O debate e o alerta permanente faz-se necessário e imprescindível.


(imagens: Luzia Maninha)

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