quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Cozinha e literatura ou das sincronicidades do espírito


Por estes dias, pousou em minha escrivaninha um pacote postado no Porto, algum tempo antes (a travessia atlântica, no que se refere a pacote enviado através dos correios, parece ter, por vezes, voltado ao ritmo das caravelas) por José Viale Moutinho, ilustre escritor meu conterrâneo e, o que é melhor, meu amigo.


Nada menos do que 5 livros saíram dali e vieram enriquecer a minha prateleira vialemoutiniana (“o diabo coxo – ocasionário fabuloso”, “Contos Populares das Ilhas da Madeira e do Porto Santo”; “Portugal Lendário – tesouro da tradição popular” uma obra monumental publicada pelo Círculo de Leitores, com 524 pgs.;  “Entre Povo e Principais”, uma novela, em 2ª. edição, com Prefácio de Agustina Bessa-Luís, que diz : “Viale Moutinho é um dos últimos românticos do bem-dizer (....) Faz bem aos nervos lê-lo; faz bem à alma viver com os seus homens duros, os generais cravejados de medalhas, os caçadores atrás das lebres (...)”; o quinto e, para mim, mais importante (e já digo porquê) “Um jantar de escritores – seleção de textos e notas epicuristas”.
À alegria indescritível de sempre, a de abrir pacotes, saboreando de antemão o prazer estético de fruir seus conteúdos, juntou-se o sentimento de surpresa que reafirma a crença naquilo que Jung chamou de sincronicidade, ou seja, acontecimentos que se relacionam por seus próprios significados e não meramente pela causalidade.
É que no exato momento da chegada do pacote, estava eu dedicada à pesquisa sobre o papel da gastronomia na literatura, ou melhor, como é que a comida é “tratada” na ficção e na poesia de alguns escritores (naquele momento debruçava-me sobre Eça de Queiroz, o exemplo mais evidente na minha memória literária e valia-me do exaustivo trabalho de Dário Moreira de Castro Alves em “Era Tormes e Amanhecia – Dicionário gastronômico cultural de Eça de Queirós”). Preparava-me, com isso, para atender a um convite que recebi para integrar uma mesa de diálogo no Congresso Metodista, sob o tema  “Comida, Educação e Arte”, da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, no próximo dia 11. É evidente que ao me deparar com este “Um jantar de escritores – seleção de textos e notas epicuristas” estabeleceu-se de imediato a tal sincronicidade e, de quebra, muito contribuiu com minha pesquisa que, diga-se, não era do conhecimento de seu autor.
Neste, literalmente, saboroso livrinho, além do inevitável Eça, entra também o Camilo, sobre quem Viale Moutinho já publicou “Camilo e o Garfo” e uma farta mesa de banquetes da boa literatura portuguesa, passando pela poesia de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almeida Garrett, Bocage, António Nobre e Cesário Verde, bem como por romances e crônicas de Bulhão Pato, Júlio Dinis, Ramalho Ortigão,  e tantos outros.

E viva a sincronicidade do espírito! Bem haja o Zé Viale, prolífico e original escritor, com sua generosidade transatlântica.

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