domingo, 18 de maio de 2014

Poeta na sala de aula (e de leitura)

Desde 2009 que tenho a honra de ser lida na Sala de Leitura da EE Prof. Michelina Pedroso Magnani, uma escola localizada à margem da Rodovia Índio Tibiriçá (a Mata Atlântica e a Billings como moldura), em Santo André.
Mas não só. Graças à generosidade da Profa. Maria Augusta Buesa, dedicada e competente coordenada da Sala de Leitura, também fui agraciada com gestos culturais, gigantescos afagos estético-literários nesta poeta.


Os marca páginas acima, publicados pela referida Sala de Leitura, foram publicados nos anos 2009, 2010, 2011 e agora, neste 2014. Todos estes anos, sabendo-me lida e afagada. De um lado, fotos do entorno da Escola (as flores e a paisagem da mata Atlântica e da própria Escola), do outro, um poema de DTV, escolhidos pelos próprios alunos/leitores:


Mas leitura ali tem um sentido muito mais amplo. Os alunos, incentivados, vão mais fundo. Estou falando de crianças do ensino fundamental, leitores numa faixa etária de 7 a 13. Crianças que encontrei numa tarde outonal e  que, junto a seus professores, funcionários e diretores, me receberam com as paredes e outros espaços disponíveis forrados de poemas copiados de meus livros, manuscritos, ilustrados, em varais, em caixas, em cartolinas. Mas não só. Havia também ali, trabalhos de análise desses poemas, leituras que, confesso, achei surpreendentes e que, pra mim, desmonta uma ideia (equivocada) da necessidade de "facilitar"  textos literários para entendimento.

Convidada pela Profª Maria Augusta que veio pessoalmente até a Livraria Alpharrabio junto com a Vice Diretora Maria da Penha com essa finalidade, li e vivenciei ali, coisas deste tipo:

Um aluno (10 ou 11 anos) comenta esta poema:

Cotidiano
no quarto um o filho número dois assiste ao canal treze
No quarto dois o filho número um assiste ao canal oito No
quarto três o filho número três assiste ao canal quatro No
cubículo da área de serviço a empregada prepara-se para o
sono solitário No último quarto o casal assiste impassível
ao seu próprio isolamento
à hora do almoço a família se visita Mastigação e silêncio
compartilham mundos diversosS
                in A Palavraparte, Alpharrabio Edições, 1996

diz o menino: "estas crianças devem ser doentes. não brincam? não conversam? cada um fica sozinho num quarto? não vão para o quintal?" 
O poema é de 1995, ou seja, quando apenas a TV contribuía para o isolamento familiar. Hoje, com a concorrência do facebook, whatsupp e outros, as coisas mudaram (para pior, claro). Para esse menino, que mora afastado da zona urbana, rodeado de verdes e quintais, a realidade é o brincar até o dia escurecer, daí o estranhamento.



A professora Elisangela, de Língua Portuguesa, trabalhou com os alunos os poemas, que  analisados e discutidos em sala de aula. A professora Queli Antão, de Educação Artística, trabalhou a expressão corporal com os alunos na interpretação poética (sim, houve uma apresentação artística com leitura, interpretação e performances de meus poemas). A professora Maria Augusta Buesa, da Sala de Leitura, deu todo o apoio bibliográfico da poeta e trabalhou com alunos do 6º ano a compreensão de alguns textos poéticos (inclusive este).  A professora Estérlia Pereira e a Professora Patrícia Rossettini também da área de Língua Portuguesa trabalharam interpretação dos poemas.





Em especial, muito me emocionou, entre as muitas emoções da tarde, uma performance tendo por base meu poema "Sol sem aço". Confesso que jamais podia imaginar pudesse este poema ser interpretado daquela forma por crianças (por puro preconceito meu a subestimar a capacidade dos pequenos, auxiliados, claro, por bons professores):

Sol sem aço
  ou relendo Mishima em clara manhã de sol

Agasalhada de sol
visto a paisagem
sobrepele escandalosamente azul
Contemplo
este mesmo céu de Mishima
e sei
que não haverá compensação
nem morte alguma absoluta
a justificar este momento
Agasalho-me e creio
como quem viu e sabe
: o sabre só deve ser desembainhado
a prumo
na exata medida do riscado
         (Elemento em Fúria, 1989)

A propósito da polêmica atual sobre as recentes publicações "adaptadas e simplificadas" de obras de Machado de Assis, indaguei a professora Maria Augusta a respeito e ela respondeu, assim, da forma mais natural: Aqui, as crianças do 8º ano leem Machado de Assis na íntegra (mostrando as brochuras abocanhadas com severos sinais de (muito) uso. Quando me pedem livro de suspenso, sugiro a leitura de "Histórias da Meia Noite" do bruxo de Cosme Velho. Simples... Ressalta, entretanto, que nada contra adaptações. É a favor da leitura. Ponto.

A Profª Maria Augusta e alunos na Sala de Leitura da E.E. Profª Miquelina Pedroso Magnani

 Só me resta agradecer, agradecer muito a essas dedicadas Mestras que me honram com sua leitura, que tão singela e afetuosamente me receberam. Feliz de uma escola que possui uma Sala de Leitura, um salão mágico, que no dizer de Borges, realiza o "ato estético" de abrir (e ler) as páginas dos livros. Agradecer também à Profª Maria Augusta pelas fotos. Bem hajam! (dtv)

2 comentários:

  1. Dalila, parabéns. Seu texto emociona e prova que estes garotos e garotas estão certos. Pontos para a Escola, seus Dirigentes Professores e Alunos(com letras maiúsculas. Com educação caminharemos para frente. Valdecírio.

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  2. Querida, que relato tocante! Fico pensando na emoção dessas meninas e meninos ao conhecer uma poeta, uma "escritora de verdade", que publica livros "de verdade", tem uma livraria e mora ali pertinho. Nem todos têm esse privilégio, Dalila! Especialmente se pensarmos em tantas salas de aula com números, frequentadas por alunos igualmente numerados e que não brincam nem lêem. Receba o abraço dessa amiga, honrada por conviver com poetas!

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