Quando abracei Tônia naquele 20 de
fevereiro de 2016 (data desta foto de Luzia Maninha – comemoração do
aniversário da livraria Alpharrabio) não imaginei que, por razões que a minha própria
razão não saberia explicar, aquele seria nosso último abraço.
Acabo de receber uma
mensagem de Jurema Barreto de Souza informando que, soube apenas agora, Tônia
faleceu no último mês junho! Ontem, 7 de setembro, completaria 91 anos. Curiosamente, não consegui chorar, mas fui
acometida de uma dor funda, já conhecida e muitas vezes sentida nos últimos
tempos. A dor da perda e despedida, uma dor que dá febre, uma dor irremediável (como
disse meu neto, aos 5 anos, “a dor é dentro, vó”... sim, era por dentro).
Conheci Tônia Ferr (nome literário de
Antônia Ferreira) em 1983, quando a convidamos a integrar o então recém-fundado
Grupo Livrespaço de Poesia, em Santo André. Alagoana (“nasci numa sexta-feira
de setembro, antes da Primavera, num povoado com mais de uma casa e menos de
três, não tinha nome, era só um ponto , no município de União, estado de
Alagoas. Mas é minha terra”). Veio menina para São Paulo, onde permaneceu e
venceu.
Dona de uma história singularíssima que
merece ser contada. Apenas na adolescência se alfabetizou, mas rapidamente, em
programas de alfabetização de adultos (o antigo curso de “madureza”) concluiu o
primeiro e o segundo grau e depois o curso de Contabilidade, profissão que
exerceu, mediante prestação de concurso, como servidora federal, até sua
aposentadoria. O gosto pela poesia, veio com ela, cresceu com a escuta dos
cantadores nas feiras do seu lugar de origem, até que resolveu também ser poeta.
Gostava muito, à maneira dos seus conterrâneos, de interpretar seus poemas em
voz alta e sempre de cor, andando de lá pra cá. Não conseguia lê-los (pois
quando coloco os óculos – e não consigo ler sem eles – parece que não ouço
minha própria voz), mas os dizia com muita graça e propriedade. O poema que
mais gostava de dizer, na verdade, uma autobiografia poética, era “Retrato” e, estou
convencida, deveria ser transformado em seu epitáfio. Para quem a conheceu,
impossível não lembra-la dizendo esse poema, sempre emprestando um toque “épico”
à última estrofe. Ficará para sempre em nossa memória, como nosso "cacto vermelho do norte".
Publicou o livro “Massacre”, edição da
autora e integrou as coletâneas do Grupo Livrespaço.
Deixo aqui o poema referido, como homenagem
póstuma, sentida e saudosa à camarada das letras:
RETRATO
Era um brotinho mirrado e feio
veio de longe, não sei de onde
ou talvez nasceu ali mesmo, no monturo.
Tinha as folhas verdes quase amarelas
e o caule de um verde bem escuro.
Por engano foi levado p´ro jardim.
Cuidados, carinhos nunca precisou.
Era feio, mirrado e ali ficou
a competir com plantas muito melindrosas
como cravo, amor-perfeito e rosas.
O jardineiro via-o e não ligava
arrancá-lo dali não arrancava
mas adubo, água, limpeza ele não via
Era planta ruim, não merecia.
O brotinho a tudo observava
a injustiça que a ele se fazia
e jurava vingança, não por maldade
mas na esperança
de ser visto um dia
O tempo a passar e ele a esperar
enquanto cravos e rosas floresciam.
O amor-perfeito muito bajulado
e ele ali, no mesmo jardim, sempre
injustiçado.
De tão oprimido nunca floresceu.
De tão maltrado não cresceu
Mas ele estava ali, era um forte
Era um cacto vermelho do norte!
(in Livrespaço coletânea II, 1984)
Valeu, Dalila, ter lido o poema de sua apresentada. Infelizmente ela já partiu, felizmente teve vida longa e pelo visto muito ativa e produtiva. Quiçá ela propria um cacto vermelho do norte.
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