quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Breve depoimento, em forma de homenagem à Sra. Maria Letícia Rocco Casa


            Breve depoimento, em forma de homenagem à Sra. Marisa Letícia

            Vim para o ABC em 1967, trabalhar no setor administrativo de uma indústria multinacional de auto-peças, em São Bernardo do Campo. Ali, encontrei a possibilidade de ouvir (e, sobretudo, analisar) simultaneamente os discursos dos chamados “capitães da indústria”, meus patrões e os dos “Peões do ABC”, os que trabalhavam no chão da fábrica. Entre ambos, eu, menina analfabeta política ou politicamente equivocada que, por força do (bom) salário, tinha por obrigação “vestir a camisa” da empresa, valendo-me de um discurso que, obviamente, não era o meu. 
            Na virada dos anos 70 para os 80, O ABC demonstra uma grande capacidade de mobilização popular. A luta nas ruas estende-se também para os movimentos grevistas da indústria metalúrgica, alcançando conquistas de direitos trabalhistas de há muito sonhados que viria culminar na conquista da redemocratização brasileira em 1985.
            Aquela agudíssima consciência dos peões do ABC que lotavam o estádio da Vila Euclides, carregando seu líder nos ombros, despertou a minha consciência social, consciência política, de classes.
            É preciso sublinhar o importante papel das mulheres em todo esse período, em especial nas longas, exaustivas e desgastantes greves. Mulheres, que foram à luta em pé de igualdade com os homens, mulheres que lutaram por creches e outros direitos, mulheres que, juntas, e em seus múltiplos e estratégicos papéis, sustentaram de forma decisiva a manutenção das greves, tanto na resistência quanto na retaguarda das lutas.  Mulheres que a história tentou silenciar, mas não conseguiu e que estão recontando sua história nos últimos anos, através de pesquisas, depoimentos, livros, Congressos, Encontros e Seminários.
            Ainda assim, há todo um caminho por trilhar no sentido de resgatar o papel histórico da mulher. Lembro do meu querido e saudoso amigo Antonio Possidonio Sampaio (ao lado do meu marido Valdecirio, meus mestres nessa matéria de lutas e conscientização) que me dizia que era precisa incentivar o estudo da história dessas mulheres.
            A Sra. Marisa Letícia Lula da Silva, nascida Marisa Letícia Rocco Casa, de família de imigrantes italianos que veio para São Bernardo do Campo, SP, e deu nome ao bairro onde ela nasceu, “Bairro dos Casa”, foi uma dessas mulheres. É preciso sublinhar aqui que Marisa não foi uma mera dona de casa (ainda que o fosse também e com todo o respeito às donas de casa), mas uma militante política e sindical. Inesquecível a Marcha pela libertação dos sindicalistas, organizada por ela em SBC. Milhares de mulheres caminhavam ao lado de tanques, cavalaria, soldados fortemente armados. A praça da Matriz em SBC, transformada em verdadeiro campo de guerra. Por cima, helicópteros vigiavam seus passos. Não se intimidaram, seguiram.
              Casada com um líder inconteste, de projeção internacional, que chegou à Presidência da República e foi reeleito com uma então popularidade jamais vista por aqui, a Sra. Marisa Letícia tinha que ficar (ou foi obrigada a ficar), por conta do papel histórico que a prática da política e do poder sempre reservaram às mulheres, ou seja, na sombra. Ainda que na sombra (será?), foi força, conselho, esteio e jamais se prestou a nenhum papel decorativo. Foi o que foi, uma mulher digna e forte. Neste breve depoimento público, deixo a ela minha sincera e sentida homenagem. 
                        Nestes tempos, novamente tristes e sombrios, mas sem a mesma capacidade de luta e muito menos de consciência política e social, vejo, com grande pesar, as odiosas, machistas e misóginas manifestações que achei não tivessem mais lugar em plena segunda década do Século XXI. E fico triste de não ter jeito.



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