1) Sierguéi
Iessiênin
Pobre
escrevinhador, é tua
A sina de cantar
a lua?
Há muito o meu
olhar definho
No amor, nas
cartas e no vinho.
Ah, a luz entra
pelas grades,
A luz tão forte
corta os olhos.
Eu joguei na dama
de espadas
E só me veio o ás
de outros. (*)
1925
(*) marca na roupa dos forçados
Sierguéi
Iessiênin (1895-1925), importante figura da moderna poesia russa. Boêmio, de
vida breve e aventurosa, casou duas vezes, a segunda com ninguém menos do que a
diva da dança, Isadora Duncan. Aos 30 anos, num Hotel de Leningrado (hoje São
Petersburgo), enforcou-se. Antes, cortou os pulsos e, com o próprio sangue,
escreveu este poema:
Até logo, até
logo, companheiro,
Guardo-te no meu
peito e te asseguro:
O nosso
afastamento passageiro
É sinal de um encontro
no futuro.
Adeus, amigo, sem
mãos nem palavras.
Não faças um
sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta
vida, não é novo
Tampouco há
novidade em estar vivo.
1925
A tradução de
ambos os poemas é de Augusto de Campos (in Poesia Russa Moderna, Ed.
Brasiliense, 1985)
2) Óssip Mandelstam
Do Caderno de
Vorôniej (*)
1
Como pedra do céu
na terra, um dia,
Um verso
condenado caiu, sem pai, sem lar;
Inexorável - a
invenção da poesia
Não pode ser
mudada, e ninguém a irá julgar.
Vorôniej, 20 janeiro 37
2
O que lutou
contra o óxido e o bolor,
Qual prata
feminina se incendeia,
E o trabalho
silencioso prateia
O arado de ferro
e a voz do inventor.
Vorôniej, 1937
Óssip Mandelstam
(1892-1938), poeta singular, identificado com o simbolismo francês, mas também
com resquícios simbolistas que também se aproximou do surrealismo. Foi preso em
1924 (era judeu) e, depois de uma segunda prisão, morreu no Gulag da Sibéria,
aos 46 anos.
A tradução de
ambos os poemas é de Augusto de Campos (in Poesia Russa Moderna, Augusto de
Campos, Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman, Ed. Brasiliense, 1985)
(*) cidade onde Mandelstam esteve exilado
3) Anna Akhmátova
1.
Levaram-se ao
amanhecer, (*)
Atrás de ti, como
no enterro, eu ia,
No quarto escuro,
choravam os meninos.
Acaba-se a vela
sobre o altar,
Nos lábios teus,
do ícone, o frio.
O suor mortal na
testa... Não dá para esquecer!
Como as mulheres
dos franco-atiradores, (**)
Uivarei pelas
torres do Kremlin (***)
(*) - refere-se à
prisão de Nicolai Punin, com quem Ana vivia em 1935.
(**) atiradores
seletos do exército moscovita da época de Pedro, o Grande
(***) recorda
aqui sua ida ao Kremlin para impetrar a libertação de Nicolai Punin.
2.
Tranquilo corre o
Don silencioso,
Amarela, a lua
entra em casa,
Entra, o boné de
viés,
Vê uma sombra,
amarela, a lua.
Essa mulher está
enferma,
Essa mulher está
so,
Marido na cova,
filho no xadrez,
Rogai por mim.
3.
Não, não sou eu,
é alguém mais que sofre,
Eu não teria
podido. Panos negros de lã cubram
O que se passou,
E levem embora os
lampiões...
Noite.
Ana Akhmátova (1888-1966), pagou um alto preço
por seu silêncio sobre a ideologia da Revolução. Considerada
"alienada" e "sem consciência crítica", que mistura o "erotismo" e a
"melancolia", pelos camaradas de Stalin (o próprio Maiakoviski também
se encarregou de criticá-la publicamente) e, posteriormente, pelo terrível Jdanov,
Ministro da Cultura, foi impedida de publicar sua poesia na Rússia durantes exatos
30 anos. Ainda assim, recusou-se a viver no exílio e jamais deixou sua Leningrado
(São Petersburgo). A morte e o exílio de tantos amigos (Óssip, Marina Tzvietáieva
- a grande poeta que se suicidou após o fuzilamento do marido a a prisão do
filho - , Pasternak, entre outros), o próprio marido, (acusado de "anarquista"
foi fuzilado) e, por fim, a prisão do filho, o golpe fatal, marcaram
profundamente sua poesia.
Estes poemas,
tradução livre de Aurora F. Bernardini e Hadasa Cytrynowicz, pertencem ao livro
"Réquiem" (Art Editoria 1991) foram escritos entre 1935 e1961 e só
publicados na URSS em 1987
Belo. Não conhecia e por isso agradeço, sempre aprendendo com vocês! abraços e ternuras, Elaine
ResponderExcluirAndei relendo os russos nestes últimos dias, como "preparação do clima" da viagem que empreenderemos nesta quarta-feira para a Rússia (mais Escandinávia). Gosto de eleger um ou mais escritores como roteiro de viagem. Andei relendo também o grande Dostoievski. Na volta, conto. Abraço grato pela leitura generosa de sempre.
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